Por que a Caixa endureceu as regras de financiamento imobiliário para a classe média?

Banco anunciou que vai reduzir cotas de subsídio dados para imóveis de até R$ 1,5 milhão

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Imóveis Fortaleza
Legenda: Financiamento de imóveis no Brasil pela Caixa passa a ter novas regras a partir de 1º de novembro
Foto: Kid Júnior

Na última segunda-feira (15), a Caixa Econômica Federal anunciou mudanças nos financiamentos para imóveis de até R$ 1,5 milhão. A partir de 1º de novembro, o valor que poderá ser financiado cai de 80% para 70%, assim como a entrada, que sobe de 20% para 30% do preço total do imóvel. 

Na prática, isso deve dificultar novos financiamentos, como explicam especialistas ouvidos pela reportagem. Embora seja importante para reequilibrar as contas da Caixa, representa um maior empecilho para que públicos, principalmente das classes B e C, que compõem a "grande classe média", consigam financiar imóveis. 

"Vai reduzir a quantidade de clientes aptos porque vai exigir mais dinheiro de entrada. Não é só a menor disponibilidade de recursos, é a menor disponibilidade de crédito. A Caixa não reduziu só a quantidade de dinheiro disponível para financiamento, mas quanto ela pode financiar. Isso acarreta diretamente na diminuição da quantidade de clientes aptos a comprarem pelo menos pela Caixa", observa Paulo Angelim, especialista de mercado imobiliário e colunista do Diário do Nordeste.

A gente enxerga que quanto menor o valor do imóvel, falando de imóveis prontos, tem maior dependência da Caixa porque ela tem as melhores taxas. Essa medida vai afetar mais diretamente as classes B e C, a grande classe média. Estamos falando de imóveis usados na faixa de R$ 300 mil a R$ 500 mil. Vai subindo o valor e esses clientes acabam migrando para outros bancos, geralmente privados, que estão cumprindo o papel deles".
Paulo Angelim
Especialista em mercado imobiliário e colunista do Diário do Nordeste

Para a economista e professora de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carla Beni, o cenário é justificável pela necessidade de ajustar as contas do banco público em decorrência "da redução dos depósitos nas cadernetas de poupança", prática chamada de funding e que atua como fonte para o financiamento de imóveis residenciais, dentre outros fatores.

"A Caixa já bateu o limite dela de financiamento para esse ano. Ela tinha um limite de linhas de financiamento até dezembro e já atingiu esse percentual, porque é uma demanda muito grande para financiamento imobiliário", destaca a especialista.

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A readequação feita pelo banco é em virtude da extrapolação do teto do volume a ser financiado. Em nota enviada à reportagem, a Caixa Econômica informa que "prevemos que a (carteira de crédito habitacional) irá superar o limite máximo projetado para o período".

"A carteira de crédito habitacional da Caixa já ultrapassou a marca de R$ 800 bilhões, com mais de 7 milhões de contratos ativos. O banco segue como o maior financiador da casa própria no país, com 68% do mercado. (…) Em 2024, o banco concedeu, até setembro, R$ 175 bilhões de crédito imobiliário, o que representa um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período de 2023. Foram 627 mil financiamentos de imóveis, beneficiando cerca de 2,5 milhões de brasileiros até o momento", declara o banco.

Com essa limitação, o banco passa a focar em financiamentos de imóveis mais baratos, além de aplicar maior rigor no ato de conceder os subsídios. Os recursos de poupança integram o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE). Nessa modalidade, estão as unidades habitacionais de até R$ 1,5 milhão, alvo das mudanças anunciadas pela Caixa. Atualmente, os juros dessa opção vão até a 12% ao ano.

Caixa Econômica Federal
Legenda: Caixa Econômica Federal é a maior financiadora de imóveis do Brasil, com quase 70% do mercado
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

"Em relação às contratações com recursos da Poupança (SBPE), a Caixa apresenta em 2024 market share de 48,3% de contratação dos financiamentos do país, correspondendo a R$ 63,5 bilhões das operações realizadas pelo banco até setembro", acrescenta a instituição.

Nesta linha de financiamento, a Caixa tinha R$ 70 bilhões disponíveis para este ano. Com esses volumes, o banco público atingiu 90,7% do total destinado para contratações.

"A partir de 1º de novembro de 2024, nas modalidades com recursos do SBPE, a Caixa passará a financiar a aquisição de imóveis ou construção individual, com valor de avaliação ou compra e venda limitado a R$ 1,5 milhão e para clientes que não possuam outro financiamento habitacional ativo com o banco. Além disso, a cota máxima de financiamento admitida será de até 70% do valor do imóvel, com sistema SAC (Sistema de Amortização Constante) e de até 50% com sistema Price", completa a empresa.

A tabela Price é uma modalidade de financiamento da Caixa na qual o contratante paga o empréstimo em parcelas iguais até o final do contrato, mas tem maior incidência de juros. Antes das mudanças anunciadas pelo banco, 70% do valor do imóvel poderia ser financiado pelo sistema.

"A alteração nas cotas de financiamento e a limitação no valor do imóvel a R$ 1,5 milhão não se aplicam às unidades habitacionais vinculadas a empreendimentos financiados pelo banco, mantendo-se nesse caso as condições vigentes atualmente", reforça a Caixa.

"Melhor medida, mas é um desastre"

Como a Caixa precisa controlar o fluxo de financiamentos frente à iminente chegada ao limite das contratações, a decisão do banco é acertada, de acordo com os especialistas. Para Paulo Angelim, isso privilegia ainda mais pessoas que não se enquadram na classe média e que querem adquirir um imóvel.

"A Caixa está dizendo que, se não tem dinheiro para tudo, tem que priorizar as faixas mais baixas, que precisam mais, priorizar os empreendimentos de lançamento, que geram emprego e renda. É uma decisão estratégica necessária. Agora, por que estão faltando esses recursos? Onde é que o Governo poderia economizar sem comprometer o social para não comprometer a disponibilidade de recursos para esse segmento?", questiona.

É a melhor medida a ser tomada diante do fato da escassez dos recursos, mas ela é um desastre. O melhor seria ir buscar mais recursos, seja no mercado privado por meio de soluções financeiras, inclusive fundos internacionais. Agora, será que temos a credibilidade e a segurança jurídica necessária? Outro caminho é onde o Governo pode ser mais austero nos seus gastos para poder sobrar dinheiro, porque dinheiro na construção civil dinamiza a economia.
Paulo Angelim
Especialista em mercado imobiliário e colunista do Diário do Nordeste

Imóveis Fortaleza 2
Legenda: Imóveis a serem financiados pela Caixa terão novas regras; especialistas acreditam que crédito habitacional para classe média ficará mais complicado
Foto: Kid Júnior

Diferente de Paulo Angelim, Carla Beni acredita que as mudanças devem acabar proporcionando maior cautela no momento de o cliente em adquirir a casa própria. Como o valor de entrada via Caixa está maior, a expectativa é de aquisições imobiliárias mais planejadas. Isso não impede, porém, um menor financiamento imobiliário no País.

"As pessoas vão precisar fazer um maior planejamento, porque vão ter que dispor de um percentual maior na entrada. Por outro lado, a prestação vai ser menor, porque o montante financiado cai. Isso também pode ser um alívio pensando que se está fazendo um financiamento de longo prazo. Há a possibilidade de maior dificuldade para empreendimentos não financiados pela Caixa. De qualquer maneira, esse era o objetivo: diminuir um pouco a demanda porque o volume de financiamento está muito elevado", analisa a professora da FGV.

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