Pandemia: crescem transferências de dinheiro do exterior ao Brasil
Remessas de brasileiros no exterior a famílias no País entre janeiro a abril são as maiores para o período em dez anos, segundo o Banco Central. Alta do dólar em relação ao real e a crise são alguns motivos apontados por economistas
A ajuda proveniente do exterior é sempre bem-vinda para quem está passando por alguma dificuldade financeira no Brasil. O envio de dinheiro de residentes brasileiros fora do País tem aumentado nos últimos anos. Especialistas acreditam que a desvalorização do real ante o dólar e o euro mais a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus podem estar contribuindo para essa elevação. Não há, no entanto, consenso sobre as reais motivações porque, segundo economistas ouvidos pela reportagem do Sistema Verdes Mares, faltam estudos específicos sobre o assunto. Segundo dados do Banco Central, as transferências pessoais de recursos subiram mais de 16,6% em 12 meses até abril.
De maio de 2018 a abril de 2019, o total enviado ao Brasil chegou a mais de US$ 2,656 bilhões, enquanto que de maio do ano passado a abril deste ano, o valor ultrapassou os US$ 3,098 bilhões. No acumulado do ano, de janeiro a abril, os recursos emitidos do exterior para o País aumentaram 14,7%, registrando um total de US$ 1,056 bilhão. Em igual período do ano passado, a cifra chegou aos US$ 920 milhões. O valor nos quatro primeiros meses de 2020 é o maior para o período desde 2010.
Na opinião de Paulo Matos, professor de Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), podem existir inúmeras motivações. Ele diz que os valores são pequenos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o que pode significar que as remessas pessoais são modestas. "É um movimento, em termos de dinheiro, pequeno. A minha leitura é que é um movimento de algumas famílias. O dólar alto pode estar justificando essas remessas. Mas há uma escassez de estudos que comprovem os motivos", comenta.
Segundo o professor, na avaliação de 10 anos há uma tendência de crescimento nas transferências pessoais para o Brasil. "Esse movimento de alta começou a partir de 2012 até agosto de 2018, com um crescimento na faixa de 5% ao ano. A partir de 2018, esse crescimento é da ordem de 15% ao ano. É um movimento bastante curioso", acrescenta.
Para Renan Magalhães, também professor de Economia da UFC, o movimento de alta nos quatro primeiros meses de 2020 pode estar relacionado ao fato de a bolsa de valores estar mais barata em dólar. "Após o corte de 0.75 pontos percentuais na Selic, é normal ver o câmbio se depreciar, visto que o prêmio de risco para o investidor estrangeiro ficou menor", explica ele sobre o aumento de investimentos vindos do exterior.
Magalhães também acredita que parte desse dinheiro pode estar relacionada à ajuda de pessoas aos familiares e amigos no Brasil. "São recursos para auxiliar essas pessoas a enfrentarem essa crise diante da pandemia", pontua.
Apoio
A biotecnologista Thais Ferreira, de 26 anos, está há poucos meses nos Estados Unidos e já enviou dinheiro ao Ceará pelo menos cinco vezes. "Eu moro nos Estados Unidos desde fevereiro deste ano. Não costumo mandar dinheiro ao Brasil, mas nesses últimos meses eu mandei, principalmente, para ajudar meu pai porque, como ele é pequeno empresário, precisou de uma ajuda".
Ela diz que a desvalorização do real ante o dólar contribuiu também para a remessa de recursos para o Brasil. "Com certeza, com a desvalorização do real ficou vantajoso, então é bem fácil enviar dinheiro. Meu pai deixou de pagar uma mensalidade do colégio dos meus irmãos menores e eu mandei. Não ficou tão pesado para mim".
Thais também pensa em investir dinheiro no Brasil. "Eu não penso em fazer poupança, porque eu acho que não é muito vantajoso, mas eu penso em futuramente investir no Brasil. Estou pensando um pouco mais", acrescenta.
A ajuda aos familiares no Ceará também vem dos Estados Unidos pela advogada Thássia Katterhenry, de 33 anos. Ela mora na Flórida há cinco anos e sempre envia dinheiro à mãe, em Fortaleza. "Mando dinheiro a ela para ajudar com algumas contas. Mandei recentemente para comprar o presente de aniversário do meu irmão e, no ano passado, ajudei a impulsionar o negócio de uma amiga. O envio de dinheiro não tem frequência, depende da necessidade dos meus familiares".
Diretora em um escritório de advocacia, Thássia diz que com um dia de trabalho conseguiu pagar honorários de uma advogada da mãe no Ceará, reflexo da valorização do dólar. "Minha mãe precisou de uma advogada para representá-la em um caso e, com um dia de trabalho meu aqui, foi possível pagar esses honorários. Além disso, mandei dinheiro para o meu irmão fazer o teste da covid-19. Ele estava se sentindo mal, e eu entrei em pânico, porque o irmão de uma amiga morreu dessa doença".
Empresas
O aumento de transferências de recursos do exterior para o Brasil é percebido também pelas instituições financeiras que fazem as transferências entre países. A general manager da TransferWise no Brasil, Heloisa Sirotá, avalia que a variação cambial influenciou o crescimento de remessa de dinheiro para o Brasil.
"Como nos últimos meses vimos constantes recordes da alta do dólar, isso se refletiu em um aumento do fluxo de envio de dinheiro para o Brasil. Considerando março e abril, o valor médio de dinheiro enviado por transferência (em dólares) foi 12% maior do que a média de 2019. Por conta da alta do dólar, quando esse volume é convertido para reais, nota-se um crescimento de 34% - o que representa um aumento significativo no valor recebido no Brasil", explica.
De acordo com a executiva, em março deste ano, a TransferWise registrou o maior pico mensal de volume transferido para o Brasil desde o início das operações da empresa no País (abril de 2016). "O volume de dinheiro transferido para o Brasil foi 50% maior do que o último pico registrado, em agosto de 2019. Entre as moedas mais convertidas para real, aparecem euro, dólar americano, libra esterlina, dólar australiano e iene".
O movimento também foi percebido pela Western Union, segundo o presidente da empresa no Brasil, Ricardo Amaral. "Realmente tem uma parte de serviço de remessa que tem a ver com manutenção de residentes e ajuda à família. Dentro desse cenário, parte tende a aumentar por conta da ajuda a familiares. Mas também tem uma parte do dólar que está muito mais atrativo. Rende muito mais mandar para o Brasil. Então, tanto a pandemia, como esse movimento cambial ajudou nessa alta".
Sem divulgar números por questões estratégicas, Amaral afirma que os dados da Western são similares aos registrados pelo BC. Além disso, ele pontua que a empresa reduziu tarifas para atrair esse público, o que pode ter também contribuído para a elevação das transferências. "Estados Unidos é o grande país enviador. Na Europa, a gente tem Portugal, Itália e Reino Unido. A pandemia exige um cuidado maior com o cliente, que muitas vezes não tem uma vida fácil fora do Brasil. A gente precisou entender esse cliente que foi impactado pela covid-19".
"O Nordeste é muito importante em termos de expansão. Temos mais de 50 correspondentes na Região, e no Ceará, quase 20", aponta o presidente da Western Union no Brasil.