Número de cervejarias cresce no Ceará, mas setor teme impactos do 'imposto do pecado'; entenda

Caso o imposto seletivo entre em vigor sem uma regra de transição, dois impostos diferentes poderão incidir sobre o produto, levando ao aumento do preço

Escrito por Mariana Lemos , mariana.lemos@svm.com.br
foto de copos com cerveja
Legenda: Cerveja é um dos itens que terá incidência do imposto seletivo, também chamado de imposto do pecado
Foto: Thiago Gadelha

O setor cervejeiro, em alta no Ceará, teme os impactos da incidência do 'imposto do pecado', discutido no processo de regulamentação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados. Especialistas ponderam, entretanto, que a tributação tem um fator educativo e viabiliza a isenção de itens essenciais.

Assim como outras bebidas alcoólicas, cigarro, bebidas açucaradas, embarcações e aeronaves e até apostas, a cerveja terá incidência do imposto seletivo, além dos novos impactos únicos unificados CBS (de competência federal, substituindo IPI, PIS e Cofins) e IBS (de competência estadual e municipal, no lugar de ICMS e ISS). 

Mesmo com a definição de que esses produtos tenham uma tributação maior que o geral, ainda não é possível dizer que esses ficarão mais caros. Biana Xavier, professora da FGV Direito Rio, explica que os percentuais de impostos serão definidas em momento posterior.

“Não há previsão de alíquotas no atual estágio da regulamentação da reforma. O congresso irá definir todos os aspectos dos tributos sobre consumo por lei complementar, exceto as alíquotas que serão regulamentadas depois por lei ordinária”, aponta.

Caso o imposto seletivo entre em vigor sem uma regra de transição, o peso dos impostos sob a cerveja deve aumentar, afirma Márcio Maciel, presidente-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv). 

O temor ocorre porque o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que já é mais caro para as cervejas e outros itens 'nocivos', só deixará de existir oficialmente em 2033, seguindo a regra de transição da reforma que começa em 2027. O setor aponta que, sem uma definição específica, os produtos podem acabar pagando os dois impostos ao mesmo tempo nesse período.

“Se o imposto seletivo já vier cheio, vai ter aumento de carga tributária para a cerveja. Se esse desenho da legislação não for bem feito e não trouxer segurança jurídica que não terá aumento de carga de fato, há esse risco sim”, afirma Márcio Maciel. 

Caso a carga tributária se eleve, o aumento deve ser refletido diretamente no preço final da cerveja, aponta Biana Xavier. “Tributos são custos empresariais. No caso dos tributos sobre o consumo, a carga é repassada para o consumidor na própria nota fiscal. Assim sendo, o aumento da carga tributária encarece os produtos”, explica. 

IMPACTOS AOS PEQUENOS CERVEJEIROS

Márcio Maciel afirma que, se a regulamentação da reforma não levar em conta a necessidade de transição do imposto do pecado, grandes cervejeiras podem pausar planos de investimentos e pequenos estabelecimentos podem até fechar. 

“Se tiver um desenho de regulamentação dentro do esperado, tudo segue como está. Mas se tiver alguma coisa diferente, as empresas com certeza vão ter que reavaliar os planos”, afirma. O Sindicato teme que a mudança na tributação interrompa o ciclo de crescimento registrado em alguns estados, inclusive no Ceará. 

O Ceará foi o quinto ente federativo com maior alta no número de cervejarias em 2023, na comparação com o ano anterior. O Estado concentra 22 cervejarias registradas - o 11º do Brasil e o segundo do Nordeste. 

Fortaleza se destaca como a única cidade do Nordeste que figura na lista de cidades brasileiras com 10 ou mais cervejarias registradas. A Capital abriga 11 estabelecimentos, metade das cervejeiras cearenses. 

IMPOSTO TEM CARÁTER EDUCATIVO

O imposto seletivo visa desestimular o consumo de produtos considerados nocivos ao meio ambiente ou à saúde. A ideia é que, com o aumento de preço, os consumidores diminuam a compra desses itens. 

Hamilton Sobreira, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE, explica que a adoção desse método de tributação pelo Brasil ocorre após uma pressão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

“Muito provavelmente vai utilizar os critérios de países que fazem parte da OCDE, que quanto maior a gradação alcoólica, maior a alíquota de tributação”, explica. Bebidas como cachaça e vodca, por exemplo, teriam incidência de uma porcentagem maior do imposto seletivo. 

Entenda alguns detalhes da Reforma Tributária 4 pontos resumidos

O especialista aponta que, além do efeito educativo, a tributação maior de itens danosos é uma estratégia para compensar a perda de arrecadação de alguns itens isentos. “Mas se cair muito o consumo, pode ser que não haja reparação. O primeiro efeito desse imposto é extrafiscal, é de controlar o mercado”, aponta. 

Carlos Cintra, professor do departamento de Contabilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que as alíquotas devem ser definidas considerando a compensação entre itens isentos e itens 'supertributados'. 

“O governo diz que a carga tributária não vai aumentar, mas detalhes da regulamentação podem manter ou aumentar. Acho difícil, no atual contexto fiscal de deficit [União tem mais gastos que receitas], o governo federal admitir perda arrecadatória”, opina. 

REGULAMENTAÇÃO DA REFORMA TRIBUTÁRIA

A Câmara dos Deputados pretende aprovar até a próxima semana, antes do recesso parlamentar, o projeto de regulamentação da reforma tributária. Aprovada no ano passado, a reforma unifica impostos e estabelece isenção para a cesta básica

Após a aprovação, a nova legislação entrará em vigor em etapas: parte em 2025, depois 2027, 2029 e 2033, quando o novo sistema tributário entrará totalmente em vigor.

Pela proposta, a alíquota média de referência da nova tributação, a soma do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de estados e municípios e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal, será 26,5%.

Alguns setores terão descontos na alíquota referencial, enquanto outros terão a aplicação extra do imposto seletivo. A última versão do relatório ampliou a lista dos itens que podem sofrer incidência do imposto do pecado - carros elétricos e apostas foram incluídos.

  • bebidas alcoólicas:
  • cigarros;
  • bebidas açucaradas;
  • embarcações e aeronaves;
  • extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural;
  • carros, mesmo os elétricos:
  • apostas. 

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