Licença paternidade: defasagem da lei desconsidera arranjos familiares diversos; veja regras atuais
Para especialistas, lei garantida na Constituição Federal deixa implícito que cuidados do bebê são de responsabilidade da mãe
Comemorado neste domingo (8), o Dia dos Pais carrega o simbolismo do cuidado e do afeto. Apesar disso, a legislação brasileira ainda se demonstra atrasada com relação aos direitos de homens que trabalham em regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como é o caso da licença paternidade.
A Constituição Federal de 1988 institui que, após o nascimento do filho, o homem colaborador tem direito a cinco dias justificados e remunerados para se ausentar do trabalho, contados a partir do primeiro dia útil após o nascimento da criança. Já no caso das mulheres, o período é de 120 dias, ou seja, quatro meses.
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O curto período para os pais tem sido pauta de discussão nos últimos anos e já foi tema de projetos legislativos para uma tentativa de ampliação. Até 2018, 36 propostas da Câmara dos Deputados traziam essa sugestão.
Isso porque, de acordo com o advogado Eduardo Pragmácio, doutor em Direito do Trabalho, as famílias têm outros arranjos, e a legislação, de mais 30 anos, não considerou isso.
“Hoje, tem famílias compostas por dois homens pais, um pai solteiro, famílias sem filhos, mas que o irmão cuida de um irmão com deficiência, por exemplo. É preciso pensar numa proteção à família"
Para o especialista, a lei deveria seguir a orientação da convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata sobre a “Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família”.
Cultura patriarcal
A advogada Carolina Coelho complementa que é preciso analisar o contexto histórico da época, mas que a lei precisa ser revista. “Como a mãe tem a licença mais estendida e o pai menos, ainda existe a questão do patriarcado, de o pai ser o provedor e a mãe cuidadora. Hoje em dia, isso não deveria mais nem acontecer, deveria ter as mesmas condições para os dois”, reforça.
De acordo com Coelho, para haver mudanças seria necessária uma minirreforma na lei, e a última, de 2017, não abrangeu esse aspecto. Embora a legislação institua direitos iguais, com relação à licença isso foi desconsiderado.
“A sociedade mudou totalmente, mas acaba que a lei não evoluiu junto, precisa de adaptações. Existem outras prioridades, o que acaba deixando para trás. É uma situação muito mais profunda e que precisa ser revista”.
Tendência em outros países
É tendência em alguns países que os pais tenham um maior tempo para cuidar dos filhos. Em alguns países da Europa, por exemplo, como Noruega, Suécia e Portugal, a licença ultrapassa o período de 10 semanas.
Já na Coreia do Sul e no Japão, pais têm o direito do afastamento por mais de 52 semanas, ou seja, um ano. No entanto, todos esses países reduzem o salário dos colaboradores durante o período para uma porcentagem do salário médio.
O advogado Daniel Scarano pontua que essa ampliação deve se tornar cada vez mais uma realidade. "A flexibilização é uma tendência. As responsabilidades do homem não se pautam mais só em como um ser provedor, mas de que esteja ao lado da companheira para dividir essas atividades”.
Prazo pode ser estendido por empresas
No Brasil, a licença paternidade pode ser ampliada por até 20 dias, conforme explica Scarano. Instituído pela Lei nº 11.770/2008, o Programa Empresa Cidadã permite que as empresas cadastradas concedam mais 15 dias para os funcionários que se tornam pais. No caso das mulheres, a prorrogação pode ser para até 180 dias.
Além disso, empresas que optarem por conceder mais dias aos pais são liberadas para tal. E por meio de convenções coletivas e mediação do sindicato o período pode ser maior. A marca de roupas Reserva, por exemplo, permite afastamento por 45 dias, já o Grupo Boticário, por 120 dias.
A montadora sueca Volvo igualou, neste ano, o período de licença paternidade e maternidade, oferecendo o benefício por até seis meses para todos os 40 mil funcionários. O benefício, que garante 80% do salário, poderá ser solicitado após um ano de trabalho na companhia.
“Como se trata de um benefício, qualquer empresa pode conceder um período maior, e isso é revertido na produtividade do funcionário, pois ele se sente grato e acaba dando mais retorno para a empresa”.
Pragmácio destaca ainda a importância dos sindicatos nesse contexto. “É necessário que os sindicatos puxem para si essa pauta, para, por meio de negociação coletiva, impor cláusulas que tratem das responsabilidades familiares, com licenças que sejam mais condizentes com a realidade”.
Segundo Pragmácio, uma mudança poderia ser com relação à escolha de quem vai gozar do período de licença, no sentindo de uma proteção a parentalidade.
“A própria legislação impõe que a mulher que tem que cuidar do filho, implicitamente, quer dizer que mãe é mais cuidadora que o pai. A legislação trabalhista brasileira poderia ser mais moderna e flexibilizar no sentido de dar aos pais a decisão de quem vai cuidar do filho, se sendo dividindo o período, por exemplo”.