Heineken fecha fábrica no Ceará e demite funcionários um dia após treinamento

Número oficial de desligados é de 98 trabalhadores. Cerca de 250 pessoas seriam terceirizados demitidos, segundo fontes. Heineken não informou números.

Escrito por
Paloma Vargas paloma.vargas@svm.com.br
Vista parcial da planta da fábrica de cervejas do Grupo Heineken, em Pacatuba.
Legenda: Cerca de 350 trabalhadores entre postos diretos e indiretos perderam seus empregos.
Foto: Kid Junior.

Os últimos dias foram muito angustiantes. O nível de ansiedade das pessoas na fábrica era muito grande, por conta da incerteza que se tinha”. A afirmação é de um técnico eletricista da planta da fábrica da Heineken, em Pacatuba, que encerrou as atividades nessa terça-feira (2). Ele conversou com a reportagem do Diário do Nordeste, mas solicitou para não ser identificado por medo de represálias.

O trabalhador tinha 15 anos de empresa, tendo sido desligado juntamente com 97 colegas, contratados diretos do grupo cervejeiro. Além deles, é estimado que cerca de 250 trabalhadores terceirizados também perderam seus empregos. Ao todo, teriam sido demitidos cerca de 350 pessoas. 

O número de empregos diretos foi confirmado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Águas Minerais, Cervejas e Bebidas em Geral do Estado do Ceará (Sindibebidas). 

“Ao todo, 98 trabalhadores serão atingidos. O sindicato já realizou a negociação de benefícios para esses empregados. A empresa também apresentará propostas de transferência para Pernambuco e São Paulo”, diz Fernando Matos, representante do sindicato.

A Heineken não informou à reportagem quantos trabalhadores diretos e terceirizados mantinha na fábrica do Ceará. A Prefeitura de Pacatuba afirmou que não tem o número oficial. 

Matos lembra que na última reforma das leis trabalhistas a homologação de rescisão não é mais obrigatória. “Os trabalhadores vão ter essa oportunidade de transferência e, por terem uma boa qualificação, é bem provável que o mercado absorva todos, rapidamente”, completa Matos.

Desmobilização silenciosa

O sinal de alerta para os colaboradores soou com o fim da linha de garrafas em julho deste ano. Com o encerramento, na planta de Pacatuba só funcionava a linha de latas.

Antes do fim da linha de garrafas, o Grupo Heineken só engarrafava as marcas Kaiser, Tiger, Skin, Amstel e Devassa em cascos de vidro de 600 ml e 300 ml.

“A gente estava na indecisão de saber como seria o futuro da fábrica. Estávamos esperando que a linha (de garrafas) reabrisse, talvez em setembro, mas isso não veio”, lembra o colaborador demitido.

Ele relata que em outubro foi iniciado o processo de “esvaziamento de insumos”. “Não veio mais malte de cevada, para fabricar cerveja, outros insumos foram cessando e alguns fornecedores foram deixando de fornecer serviços”.

O técnico eletricista revela, ainda, que a “última pá de cal” na produção ocorreu no mês passado, com o esvaziamento dos tanques. “Os tanques começaram a ser esvaziados e, mesmo assim, a gente não acreditava que a fábrica fosse de fato fechar”, comenta.

“Os esperançosos acreditavam que esvaziaria e recomeçaria. Esperávamos até umas férias coletivas, mesmo que nunca tivessem feito isso. Logicamente, já tinha colegas com convicção de que a fábrica fecharia. Mas eu, particularmente, não queria acreditar”, reforça o colaborador que se dedicou 15 anos à empresa.

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O dia do encerramento das atividades

A Heineken comunicou o encerramento das atividades para os colaboradores na última terça-feira (2). No dia anterior, os trabalhadores ainda foram reunidos para um treinamento e dinâmica em grupo, conforme relato do colaborador demitido.

“Quando entramos na planta, já tinha muita gente de fora, gente do RH de fora, gente de outras unidades fabris. Aí, veio o comunicado do gerente que a cervejaria de Pacatuba estava encerrando as operações”, conta.

Depois disso, uma parte dos trabalhadores já teria sido encaminhada para fazer os exames demissionais, na fábrica mesmo, e a outra parte, em menor quantidade, foi separada para fazer o descomissionamento (conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva das operações de um sistema de produção).

“Eles farão a desmobilização da fábrica em si, que vai desde o maquinário até outras coisas, como gás, produtos químicos que continuam na fábrica, e serão transferidos para outras unidades. Além da destinação de produtos acabados que ainda existem na fábrica, no caso, cerveja enlatada”, explica o demitido.

Ele ainda recorda que estão sendo oferecidas cartas de recomendação aos colaboradores e a extensão do plano de saúde, para aqueles que necessitam.

Questionada sobre o suporte oferecido aos colaboradores, a Heineken, por meio da sua assessoria de comunicação, afirma que "além dos esforços de realocação interna, que permitiram preservar 25 postos de trabalho ao direcionar colaboradores para outras operações, estruturamos um pacote de suporte ampliado para os profissionais desligados". Porém, o pacote não foi especificado.

“Eu amava trabalhar nessa fábrica. Morava ali perto, vou deixar amigos e sonhos que plantei. É uma tristeza para a cidade. No dia, quando a ficha caiu que tudo tinha acabado, minha pressão até subiu”, relata o ex-funcionário com tristeza.

Planta de Pacatuba estaria defasada

Ainda conforme o ex-colaborador, no dia do anúncio, a Heineken informou que a ação faz parte da “estratégia da companhia”. Teriam ainda citado sobre a recente modernização da planta em Igarassu (Pernambuco), com investimento de R$ 1,2 bilhão.

Em Minas Gerais, o grupo também inaugurou, em novembro deste ano, a primeira planta construída do zero em território brasileiro. O local, que teve investimento de R$ 2,5 bilhões, é a primeira cervejaria inaugurada globalmente pelo Grupo Heineken nos últimos cinco anos.

“Lá eles vão diversificar o portfólio. Além da Heineken, terão as marcas premium. Talvez a Heineken zero álcool também, outras marcas de long neck (cerca de 300ml). Então é uma produção mais diversificada e (a planta de) Pacatuba estava um pouco atrasada nesse aspecto de modernização”, revela ainda o ex-colaborador.

Município foi pego de surpresa

A Prefeitura de Pacatuba foi comunicada oficialmente do encerramento das atividades produtivas da cervejaria também na terça-feira (2). No ofício, a empresa diz que a decisão está “em linha com a estratégia de transformação, eficiência operacional e crescimento sustentável”.

Fachada da planta da Heineken em Pacatuba.
Legenda: Empresa se tornou planta da Heineken há 8 anos, com fusão com o grupo Brasil Kirin.
Foto: Paloma Vargas

O texto também cita os investimentos em Minas Gerais e Pernambuco como reflexo da “visão de crescimento sustentável e eficiência operacional”. “Dentro dessa visão de crescimento e eficiência, a unidade de Pacatuba deixa de exercer um papel estratégico”.

O documento ainda afirma que a empresa reconhece “a contribuição de cada colaborador”. “Estamos oferecendo suporte, seja por meio de realocação profissional ou pacotes específicos, para que a transição ocorra com todo o respeito e cuidado”.

A nota encerra com o Grupo Heineken agradecendo a parceria do município ao longo dos anos e se colocando à disposição “para esclarecimentos e para garantir que esta transição ocorra de forma transparente, responsável e com toda atenção às pessoas”.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico de Pacatuba, João José Pinto, desde que ficou sabendo, o município tem buscado alternativas para essa perda. “A prefeita, inclusive, já esteve reunida com o governador Elmano para falar sobre isso. É uma grande perda para a cidade”, diz.

Ele comenta também que a gestão municipal entende que essa é uma decisão estratégica do Grupo Heineken, mas que precisa ser revertida rapidamente, com a articulação de uma nova fábrica que assuma o espaço e os postos de trabalho.

Arrecadação de impostos e incentivos

Questionada, a Prefeitura de Pacatuba não informou sobre o percentual de arrecadação que a planta da cervejaria representava ao orçamento do município e lembrou que “o quadro de funcionários não era em sua totalidade de Pacatuba”. “Como se trata de uma multinacional, muitos funcionários de outras cidades e estados eram designados à unidade”.

Ainda sobre incentivos, a reportagem demandou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz). A primeira informou que a “unidade da Heineken em Pacatuba, na Grande Fortaleza, não contava com incentivos fiscais da Sudene, de acordo com a coordenação-geral de Incentivos e Benefícios Fiscais e Financeiros”.

A Sefaz não retornou a demanda até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.

Força-tarefa para atração de novo investimento

A Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) afirmou em nota que não foi comunicada previamente sobre o encerramento das atividades da Heineken no Ceará, mas “iniciará uma força-tarefa a fim de atrair uma nova indústria para ocupar a área”.

Em reunião realizada na manhã desta sexta-feira (5) com o Governo do Ceará, executivos da empresa teriam afirmado que a decisão não teve como base “qualquer insatisfação com o Estado, mas exclusivamente as mudanças no mercado de cervejas do Brasil e avaliação técnica relacionada a investimentos”.

Por ser uma área de propriedade da Heineken, a Adece diz que, tanto a Agência quanto a empresa devem fazer o trabalho de atração de nova indústria para ocupar o local. A empresa, porém, afirma que estão sendo estudadas "oportunidades para a utilização e ainda não há definição sobre o futuro uso". 

No encontro, ainda foi reforçado que o Grupo Heineken deve manter as atividades de logística, centros de distribuição e presença comercial no Ceará. Já em resposta à reportagem, a empresa destaca que "o Ceará segue sendo um mercado consumidor importante no Nordeste e continuaremos atuando para atender clientes, consumidores e parceiros locais".

Sobre a indústria de bebidas do Ceará, a Adece afirma registrar crescimento em 2025, com mais de 7,6 mil pessoas empregadas atualmente.

Sindicatos não foram informados de descontinuação das atividades

A reportagem procurou o Sindicato das Indústrias de Águas Minerais, Cervejas e Bebidas em Geral do Estado do Ceará (Sindbebidas-CE), mas foi informada que o grupo não comunicou e não era associado à entidade regional.

Já o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que não foi informado sobre o assunto e esclarece que “não há obrigatoriedade ou protocolo que determine a comunicação prévia ao sindicato nacional em decisões estratégicas de operação tomadas individualmente pelas empresas”.

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