Fraport pode realizar investimentos superiores aos R$ 100 milhões previstos em Jericoacoara

Escrito por
Igor Pires igor.aer.ita@gmail.com
Legenda: A Fraport, concessionária do aeroporto de Fortaleza e, agora, também do aeroporto de Jericoacoara (Cruz-CE), Comandante Ariston Pessoa, apostou tudo o que pode para vencer a disputa pelo aeroporto do noroeste cearense.
Foto: Ingrid Coelho/Diário do Nordeste

Após arrematar o aeroporto de Jericoacoara (Cruz-CE) e precisar realizar, no mínimo, R$ 100 milhões em melhorias e adequações por até 28 anos de concessão, a Fraport poderá realizar investimentos adicionais não previstos no edital do processo de ampliação.

Segundo o MPor, Ministério de Portos e Aeroportos, “quanto a eventuais investimentos adicionais, a concessionária poderá solicitar à Anac a abertura de processo de reequilíbrio (em relação à concessão do aeroporto de Fortaleza), desde que observados os parâmetros e critérios estabelecidos pela Agência.”

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Segundo fontes da Coluna, abre-se flanco para a Fraport investir mais até ao ponto de realizar, por exemplo, a internacionalização do aeroporto Comandante Ariston Pessoa. No interior do Nordeste, apenas Porto Seguro é internacionalizado; é muito pouco.

Jeri tem muito potencial para atrair voos da América do Sul e até da Europa, sobretudo em períodos de alta estação. Sem mencionar as dezenas de jatos executivos que vêm de outros países para o paraíso cearense.

Pedimos comentários à Fraport, que apenas compartilhou ainda estar nas fases iniciais previstas no edital do programa Ampliar, sem poder detalhar valores e perspectivas.

Internacionalização do aeroporto

Conversando com uma fonte que presta serviços à aviação cearense e manifestou uma reflexão interessante: “A Fraport faria concorrência para si própria com voos internacionais a Jericoacoara?”

Penso que sim. Há uma avenida ainda enorme por ser explorada de turismo no Ceará, tanto em relação aos sul-americanos quanto em relação aos europeus, para citar apenas dois emissores de turistas.

Uma ideia, porém, que amenizaria essa “autoconcorrência”, que me parece bastante interessante, seria fazer voos triangulares, ou seja, voos como Lisboa–Fortaleza–Jeri–Lisboa, como voos extras. Cairia muito bem para trazer voos extras ao Ceará.

Já na alta estação, sim, voos dedicados com o A321 Long Range (LR) da TAP, ou futuramente com o XLR da Latam. Temos visto dias em Fortaleza com até quatro saídas no mesmo dia para Lisboa, algo gigantesco e que pode crescer mais.

Trazer mais turistas internacionais ao estado, meca do kitesurf, por exemplo.

Servidores federais

Como a Fraport viabilizaria a presença de servidores federais, intrínsecos da operação internacional: Anvisa, Receita Federal, Polícia Federal, Ministério da Agricultura? Viriam de Parnaíba? De Sobral?

Penso que esse tópico pode, sim, ser resolvido. Lembremo-nos de que, lá na longínqua data de 2005, o aeroporto de Parnaíba recebeu voos da Air Italy, cidade muito próxima de Cruz-CE, onde fica o aeroporto de Jeri.

Portanto, certamente será achada a equação correta para mobilizar os servidores para atenderem esses futuros voos internacionais, quando mais um passo para a redenção do aeroporto de Jeri será dado.

Fraport arrematou Jeri

A Fraport, concessionária do aeroporto de Fortaleza e, agora, também do aeroporto de Jericoacoara (Cruz-CE), Comandante Ariston Pessoa, apostou tudo o que pode para vencer a disputa pelo aeroporto do noroeste cearense.

A informação que recebi é que havia colaborador da matriz alemã da empresa presente na B3 (bolsa de valores), em São Paulo, e indicou que a missão era conquistar o equipamento a qualquer preço.

No fim, a Fraport ofereceu 100% de deságio (valor máximo) sobre o valor do fluxo de caixa previsto no edital: R$ 100 milhões em investimentos no aeroporto de Jeri. Ou seja, a empresa disse à União que não precisa de apoio financeiro algum na gestão do aeroporto e consegue viabilizar a operação apenas com as receitas próprias do aeroporto.

Ora, já sabíamos disso: Jeri é um fenômeno de atração de passageiros. Era o único aeroporto que a Infraero queria gerir no Ceará. Certamente, a Fraport queria também se proteger de concessionárias entrantes externas.

O aeroporto de Jeri (Cruz-CE) está muito próximo dos seus negócios no aeroporto de Fortaleza; não seria conveniente ter uma concorrente relevante tão próxima (como uma Gru Airport), gerindo um aeroporto tão relevante, disputando voos domésticos (e futuramente internacionais) com Fortaleza.

Andrea Pal, CEO da Fraport Brasil, comentou no último dia 27/11 sobre o caso: “Estamos muito felizes de termos ganhado essa primeira etapa do aeroporto de Jeri. Nosso compromisso será o de oferecer a mesma qualidade que oferecemos hoje no aeroporto de Fortaleza, em Jericoacoara.”

Para que serão, de fato, os investimentos de R$ 100 milhões? Entendo que Jeri não vai dar muito trabalho para a Fraport a priori, dado que o aeroporto já nasceu com requisitos mais arrojados (código 4D, aeronave crítica Boeing 767) do que o cobrado no programa do Ministério de Portos e Aeroportos, Ampliar (pedido de aeronave 3C, Boeing 737).

Daí, seria mais um motivo para realizar investimentos adicionais. Segundo o MPor, “os parâmetros utilizados no âmbito do Ampliar consideram as referências de planejamento adotadas no Plano Aeroviário Nacional (PAN) 2024. A previsão de manutenção de parâmetros regulamentares para uma pista de número de código 3 é o mínimo aceitável”, disse o MPor à Coluna.

Então, comparamos a pedida do edital do programa Ampliar com o conteúdo da Portaria nº 2.156/2017, que lista as características do aeródromo de Jeri, e perguntamos à Fraport como imaginava precisar de R$ 100 milhões em investimento (valores previstos pela Anac).

O pátio do aeroporto já conta com 3 posições de estacionamento para aeronaves 3C (mínimo do edital). A pista de pousos e decolagens já tem muito mais que os 1.799 m exigidos (são 2.200 m). A resistência de pavimento (PCN) é 62, quase a de Fortaleza (66). Jeri foi concebido para receber grandes aeronaves, como o Boeing 767, aeronave de dois corredores.

A pista já possui zonas de parada (stopways) ao fim de cada cabeceira; com mais algum esforço, são construídas as RESAs (áreas de escape). Já possui indicador de rampa visual de pouso nas duas cabeceiras (PAPIs).

O terminal possui pelo menos 4.000 m² de área construída; o edital requer apenas 1.779,2 m². O aeroporto tem muito espaço para crescer; não precisa desapropriar área contígua.

As possíveis pendências recaem sobre itens intrínsecos de menor custo de implementação, como novos portões de embarque, novos balcões de check-in, iluminação de pátio e pista (se necessário), implementação de RESAs e ampliação do estacionamento de veículos.

Ainda, boa parte dos R$ 100 milhões em despesa de capital (CAPEX) será para custos de manutenção de ativos pelo período da concessão (28 anos), conforme diz-nos o MPor. Entre os itens considerados, destacam-se ainda: 

  1. Manutenção da PPD (pista de pouso e decolagem) ao longo de 28 anos; 
  2. Manutenção da taxiway (PTR) ao longo de 28 anos;
  3. Manutenção do pátio de aeronaves ao longo de 28 anos;
  4. Desemborrachamento da PPD ao longo de 30 anos.”

Portanto, penso que a mudança física no aeroporto de Jericoacoara pode não ser tão grande quanto a cifra de R$ 100 milhões sugere a priori.
Então, recebi inputs de que a Fraport poderia realizar investimentos adicionais no aeroporto. 

Segundo o MPor, os primeiros R$ 100 milhões de investimento seriam viabilizados por meio de receitas próprias de Jericoacoara: No caso de Jericoacoara, a Fraport não terá direito ao reequilíbrio (em relação à concessão do aeroporto de Fortaleza), uma vez que o deságio ofertado na proposta foi de 100%. Ainda assim, o investimento obrigatório previsto para o aeroporto permanece inalterado.”

Porém, para investimentos adicionais em Jeri-Cruz, a Fraport poderia, sim, pedir reequilíbrio, conforme expusemos.

O que é deságio?

Imagine que o governo define um valor de referência para uma empresa operar um aeroporto, baseado em projeções de receita, custos (investimento e manutenção) e prazo da concessão. Esse valor é como um “fluxo de caixa esperado” ao longo dos anos para remunerar a concessionária.

No leilão (Programa Ampliar), as empresas dizem: “Eu topo operar, mas posso operar com menos do que isso.” Esse “menos” é o deságio, o desconto no que o poder público precisa repassar. Quem oferecer o maior desconto ganha! E a Fraport ofereceu o desconto máximo.

Print da tabela.
Foto: Reprodução

  • Deságio de 0%: a empresa aceita operar pelo valor integral previsto no edital, sem oferecer desconto. Isso indica menor agressividade na disputa, pois não reduz a contrapartida da União.
  • Deságio de 100%: a empresa renuncia a toda a remuneração prevista no fluxo de caixa do contrato e assume que não receberá nada além das receitas próprias do aeroporto. Na prática, significa que ela está disposta a investir integralmente no ativo, sem depender de repasses ou tarifas adicionais do governo. É uma estratégia agressiva para garantir a concessão.

Por que isso importa?

Um deságio total, como o oferecido pela Fraport (100%), mostra confiança no potencial do aeroporto e na capacidade da empresa de gerar receita com operações, turismo e serviços. No caso da Fraport, isso reforça a intenção de transformar Jericoacoara em um destino estratégico, mesmo sem apoio financeiro direto do governo.

Os leitores vão lembrar da reclamação que esta Coluna fez quando nenhum aeroporto cearense havia sido contemplado no programa Ampliar.
Ao final da atuação do Governo do Ceará, Aracati e Jeri entraram no Ampliar.

 

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.