Por que o Ceará ficou de fora de programa de concessão de aeroportos regionais

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Legenda: Aeroporto de Jericoacoara
Foto: Helene Santos/Diário do Nordeste

O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) anunciou em outubro o Programa de Investimentos Privados em Aeroportos Regionais (Pipar). Os 10 aeroportos regionais do Ceará ficaram de fora do programa. 

No Pipar, mais de 50 aeroportos regionais do País poderão ser concedidos para administradoras de grandes aeroportos nacionais como as de Guarulhos (GRU Airport) e a de Brasília (Inframérica), tendo potencial de destravar relevantes investimentos em aeroportos naturalmente negligenciados pelo poder público e privado, ditos deficitários.

O programa, como em um leilão às avessas, pode permitir que pequenos e médios aeroportos sejam apadrinhados por essas grandes concessionárias em troca de redução do valor de outorga que precisariam pagar à União, bem como incremento do tempo de concessão.

blocos de aeroportos que podem ser concedidos

Por que o Ceará não foi contemplado?

Isso pode ter acontecido porque, retirando 2 aeroportos concedidos (Fortaleza e Juazeiro do Norte), outros 10 aeroportos regionais cearenses estão sob gestão da empresa pública federal Infraero, possivelmente então desconsiderados pelo MPor.

A pergunta que se faz é: após mais de 12 meses de gestão da Infraero no Ceará, o que se viu de melhorias efetivas nos aeroportos de Jericoacoara, Sobral, São Benedito, Crateús, Iguatu, Campos Sales, Camocim, Tauá, Quixadá, Aracati? 

O que se viu em termos de atração relevante de voos? Como pode um aeroporto novo em folha, pronto para receber voos para qualquer lugar do Brasil, como Sobral estar em último colocado da lista de mais de 30 aeroportos do interior do Nordeste?

Foi um bom negócio para o Estado até aqui fechar contrato com a Infraero e, ainda mais agora, eventualmente não poder participar de novas rodadas de concessões com grandes administradoras ao redor do mundo?

Segundo informações de Sérgio Azevedo, diretor de Infraestrutura de Rodovias e Aeroportos da SOP (Superintendência de Obras Públicas), alguns dos 10 aeroportos sob gestão Infraero, na verdade, precisam é de pequenos serviços, mas terão que contar com verba estadual para tal:

  • Aeroporto de Sobral: ajuste na cerca patrimonial, degradação;
  • Aeroporto de Aracati: pátio de estacionamento de aeronaves apresentando fissuras;
  • Aeroporto de Campos Sales: ajuste no sistema de drenagem;
  • Aeroporto de Jericoacoara (Cruz): entre a pista de táxi e o pátio de estacionamento há problema com juntas de dilatação

O caso emblemático de Quixadá

Ainda, um caso emblemático como o aeroporto de Quixadá, que deixou de receber voos comerciais por falta de melhores condições na pista de pouso e decolagem, precisará de uma licitação para que sejam realizados serviços de média à elevada complexidade no leito da pista de pouso e decolagem.

“Quixadá é um aeroporto que está com deficiência no leito, na base da pista. É um aeroporto que está aberto, mas com baixa movimentação. Será necessário recuperar e reforçar a pista de pouso, realizar mudança (do pavimento) para asfalto, que é mais durável. Existem deformações que precisam ser saneadas. Precisaremos trazer uma máquina recicladora, recompactar, implementar asfalto”, comentou Sérgio.

Sérgio Azevedo conta ainda que não há necessidade de ampliação da pista em 300 metros. “As aeronaves da Azul Conecta conseguem operar com a extensão atual normalmente”.

A informação é má notícia justamente porque havia a previsão de aumento de extensão em 300 metros, dado que a pista de Quixadá possuía apenas 1.200 metros de extensão, bem menor que aeroportos como São Benedito. 

Sérgio Azevedo informa que, para as obras na pista de Quixadá, estão sendo finalizados estudos para iniciar o processo de contratação. 

“Não há problema na extensão da pista, mas risco de impacto com fragmento de pavimento nos motores das aeronaves. Queremos que seja feito com agilidade, mas precisamos de tempo para assegurar os serviços que serão realizados”, comentou.

Esse contrato de gestão com a Infraero, naturalmente, não entrega investimentos, melhorias. Daí, não seria melhor permitir que aeroportos do interior participassem de um certame nacional em que uma GRU Airport, uma Fraport, uma Vinci, enxergassem o real valor dos aeroportos cearenses e investissem nos equipamentos? 

Potencial de Jeri

Sobre a atuação da Infraero como indutora de investimentos em Aeroportos, em recente solução consensual para o caso da concessão do aeroporto de Guarulhos, o TCU (TC 039.910/2023-7), Tribunal de Contas da União, fizera várias ponderações acerca da limitada capacidade da Infraero de realizar investimentos.

“Ademais, em que pese o papel importante que a Infraero tem cumprido na política pública de aviação regional, contabilizando uma carteira com 29 ativos, não é viável concentrar toda a estratégia em apenas um veículo de investimento e gestão, considerando ainda a limitação na capacidade de execução da empresa, notadamente em ambiente de restrição orçamentária, com contingenciamentos representativos em debate.” 

Ou seja, a Infraero, ainda que faça bem o seu papel de gerir os aeroportos, está nivelando por baixo a capacidade destes de crescer.

Se não, vejamos. Peguemos o caso do aeroporto de Jericoacoara, notadamente descolado dos demais 9, movimentando acima de 200 mil passageiros por ano. Certamente, uma grande concessionária teria interesse em trabalhar com o potencial gigantesco de Jeri.

Segundo Sérgio Azevedo, Jeri é aeroporto classe II, que é considerado especial. O Corpo de bombeiros do aeródromo é um nível acima do aeroporto Dragão do Mar, em Aracati, por exemplo.

Na visão do diretor, o aeroporto seria elegível a um programa como o Pipar. 

“Não sei ao certo quais os critérios para se encaixar no Pipar, mas entendo que Jeri teria o perfil para estar lá, no entanto, não houve diálogo com o Estado. Jeri tem muito potencial e o Estado está sempre de portas abertas para conversar”.

Com o Pipar, seria viável levar a cabo algo que o Governo do Ceará comenta desde que o entregou em 2017 na cidade de Cruz-CE: internacionalizá-lo. Algo que um aeroporto turístico como Porto Seguro se vale, sendo o único da região Norte-Nordeste.

No caso de Jeri (talvez Ilhéus), não há outro aeroporto de interior que tenha potencial para receber voos internacionais. Tanto pela infraestrutura (2.220 metros x 45 m), quanto pelo fortíssimo turístico, Jeri conseguiria ser levado a outro patamar com uma grande concessionária, que tenha capacidade de muito aportar. É plantar para colher.

Nem Noronha conseguiria ter voos internacionais dados quesitos técnicos como comprimento de pista.

Mossoró também não foi contemplado

Outro aeroporto ainda carente de melhor infraestrutura de um estado vizinho que não conseguiu entrar no Pipar e também está sob Gestão Infraero é Mossoró. 

Como contamos em janeiro, a pujante região do oeste potiguar sofre com um aeroporto de terminal precaríssimo, limitado a uma aeronave como o ATR-72. Recursos gordos como os que o Pipar pode trazer seriam o divisor de águas para o aeródromo.

Perguntamos à Infraero então como demonstrar ao estado e ao contribuinte cearense que houve um bom negócio na celebração do contrato de gestão. 

“A Infraero faz a gestão dos aeroportos cearenses por meio de contrato que prevê investimentos do Estado, uma vez que a outorga é do Estado. Os aeroportos estão com infraestrutura disponível para operação de voos, tanto comerciais, quanto da aviação executiva, a depender do tipo de aeródromo e da estratégia comercial das companhias aéreas”. 

A coluna também questionou ao MPor sobre o programa e se houve alguma coordenação para que aeroportos geridos pela Infraero não pudessem ser elegíveis ao programa Pipar.

O ministério não respondeu até a publicação da coluna. O espaço segue aberto. 

Bom negócio

O diretor Sérgio Azevedo considera um bom negócio a celebração de contrato com Infraero na Gestão dos aeroportos cearenses.

“A Infraero abre portas. A Infraero está próxima à SAC (Secretaria de Aviação Civil), poderia trazer verbas significativas e importantes para o desenvolvimento do setor”.

O diretor, porém, realiza ponderações sobre o 1º ano da parceria com a estatal: “Tivemos um parceiro no 1º ano, mas não foi o esperado, poderia ter havido mais ações, mais diálogo”.

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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.