'Há três anos não uso dinheiro': com pagamento digital, cédulas somem das carteiras

O Pix já ultrapassou em número de operações os demais meios de pagamento, incluindo débito e crédito

Escrito por Heloisa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
Legenda: O Pix tem uma adesão maior do público mais jovem
Foto: Kid Júnior

A última vez que a coordenadora de operações Melyssa Diniz, de 25 anos, teve dinheiro físico em sua carteira foi em 2019, após receber em cédulas uma quantia de presente de Natal. A última ida a um banco foi em 2017, diante da necessidade de fechar uma conta bancária. 

Hoje, ela só utiliza como meio de pagamento cartões de crédito e débito (de preferência, cadastrados em carteiras digitais) e o Pix. Esse padrão de consumo tem crescido entre os brasileiros. 

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De acordo com dados do Banco Central, o Pix ultrapassou os demais meios de pagamento em número de operações no quarto trimestre do ano passado. Atrás dele, estão os cartões de débito e crédito.  

O saque é o quarto menor meio de pagamento utilizado, atrás apenas das transferências interbancárias, DOC e TED, que perderam força após o surgimento do Pix.  

A adesão ao Pix é maior entre os mais jovens. Dados do Banco Central apontam que 64% das transações são realizadas por usuários entre 20 e 39 anos.  

Em nota, o BC afirmou que faz parte da agenda estratégica de intensificar o uso dos meios de pagamentos digitais por parte da população. 

Carteira vazia 

Melyssa conta que a preferência por movimentar seu dinheiro digitalmente veio muito antes do Pix. Em 2017 ela dava aulas particulares e tinha uma conta bancária em todos os principais bancos para conseguir receber transferências sem taxas e evitar ter em mãos dinheiro físico. 

Para ela, o pagamento digital possibilita uma maior praticidade e ainda ajuda no controle financeiro, já que todas as transações ficam notificadas nos aplicativos bancários. Ela também evitou utilizar cédulas devido à pandemia, por medo de contrair o vírus por meio do papel. 

Legenda: Melyssa não saca dinheiro desde 2017
Foto: Kid Júnior

“A maior vantagem para mim é a organização financeira. Eu consigo me organizar melhor no fim do mês, chegar no fim do mês e ver exatamente como o meu salário foi gasto, ao contrário do dinheiro que se eu não tivesse andando com caderninho eu não iria lembrar que eu gastei aqueles R$ 3,50 com ônibus”, defende. 

Segundo a coordenadora de operações, faz tempo que ela não encontra um estabelecimento que não aceite métodos digitais.

Se eu chegar em um estabelecimento e não aceitar cartão ou Pix, eu me levanto e vou para outro canto".
Melyssa Diniz
coordenadora de operações

Adepta dos pagamentos em cédula até pouco tempo, a advogada Fernanda Alice também acabou migrando quase que completamente para os meios digitais. 

“Acho que 1 mês e meio atrás minha mãe me deu 20 reais e eu deixei na carteira por um bom tempo, até que quando ela foi no banco eu pedi para ela depositar porque eu não conseguia usar”, ri. 

Antes, ela preferia realizar pagamentos em dinheiro, mas a dificuldade para conseguir troco e a implicância de seu grupo de amigos a fez mudar de ideia. 

“Toda vida que eu tentava passar dinheiro para os meus amigos utilizando dinheiro físico eles se recusavam a receber ou então faziam muita birra porque eu não estava utilizando Pix. Aí não era possível continuar”, lembra. 

Quantidade de dinheiro circulante 

Mesmo com o avanço dos pagamentos digitais, o Banco Central destaca que a quantidade de dinheiro em circulação tradicionalmente cresce ano a ano. O crescimento foi atípico em 2020 em razão da pandemia e do pagamento de programas de renda. 

Atualmente, embora inferior ao valor de 2020, o meio circulante ainda se encontra acima do valor que alcançaria caso houvesse mantido, desde 2019, o mesmo crescimento médio anterior
Banco Central

Para a instituição, “como ainda há diversos fatores que não apresentaram claros sinais de retorno a regularidade ainda é cedo para que se possa determinar com precisão o comportamento do meio circulante nos próximos períodos”. 

A autarquia reconhece que o Pix deve seguir modificando os hábitos de uso dos meios de pagamento anteriormente existentes, mas é necessário um maior tempo para que os impactos sejam mapeados. 

Importância da moeda física 

Por mais que haja uma impressão de sumiço de dinheiro das carteiras, a legal adviser do Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário (ITCN), Mariana Chaimovich, frisa que a moeda não “perdeu espaço”. 

Ele ainda é muito importante, entre 40 e 45 milhões de pessoas ainda estão desbancarizadas no Brasil, ou não têm contas bancárias, ou usam as contas de maneira precária. O dinheiro convive em harmonia com diversas outras formas de pagamento no Brasil".
Mariana Chaimovich
legal adviser do ITCN

Ela reforça que para uma grande parte da população, o dinheiro físico ainda é um meio de pagamento principal e importante, principalmente considerando que muitos não têm acesso a meios digitais, smartphone e internet no país. 

O dinheiro em papel tem um papel importante, inclusive, para a movimentação da economia. 

Legenda: O dinheiro físico é importante para a movimentação de comércios
Foto: Kid Júnior

“Em muitos locais que têm caixa eletrônico instalado, esse dinheiro que é sacado vai ser utilizado no próprio comércio, isso é muito importante inclusive para girar a economia como um todo”, aponta. 

Para Chaimovich, não há como prever que as cédulas deixem de existir nem no longo ou longuíssimo prazo, mas as empresas ligadas a gestão de dinheiro, como de caixas eletrônicos, estão atentas às mudanças nos meios de consumo. 

Segurança e apego 

Mesmo para quem tem acesso a meios digitais, a cédula ainda é sinônimo de segurança. É o caso da servidora pública Thayane Maciel, de 32 anos.  

“Certas coisas eu prefiro usar dinheiro físico mesmo. Já estou começando a me abrir de fazer pagamentos por Pix, mas recebimento não. Não fiz minha chave Pix por medo de golpes”, relata. 

Para ela, o meio de pagamento também tem um valor afetivo, já que seu pai era caixa de banco. Ela prefere utilizar dinheiro para pagar contas menores, em valores até R$ 50. 

Ela considera que sacar o dinheiro a ajuda inclusive a controlar as finanças, já que, para ela, ver as moedas e cédulas saindo da carteira é algo mais concreto que os números em uma tela de aplicativo. 

“Ainda não tenho planos de fazer a chave Pix, se precisar é transferência ou então eu faço um boleto. Enquanto esse sistema de pagamentos digitais não estiver bem consolidado eu tenho os meus receios”, ressalta. 

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