Fortaleza pode perder protagonismo e investimentos com nova política de cabos submarinos? Entenda
Consulta Pública foi lançada nesta semana pelo Ministério das Comunicações e vai até 27 de junho

Foi iniciada, na semana passada, uma consulta pública do Governo Federal, por meio do Ministério das Comunicações (MCom) para auxiliar no desenvolvimento de uma Política Nacional de Cabos Submarinos. A intenção é ampliar a infraestrutura digital no País, reduzir desigualdades regionais de conectividade e descentralizar os cabos.
Essa descentralização pode fazer com que Fortaleza perca protagonismo e novos investimentos para o Hub Tecnológico de Dados?
Atualmente, a Capital possui a ligação com 18 cabos submarinos ligados em data centers. Até 2023, ao lado de Fujairah (Arábia Saudita) e da cidade-Estado de Singapura, Fortaleza tinha a maior conectividade global de dados por meio submarino.
A proposta do MCom visa abrir a possibilidade de criação de incentivos para que novas rotas de cabos sejam instaladas em locais que estão fora do mapa da conectividade submarina, principalmente nas regiões Norte e Sul do País, que atualmente não contam com nenhum ponto de ancoragem.
"Essa política será fundamental para o avanço da economia digital no Brasil e para posicionar o País como um dos protagonistas no cenário global das telecomunicações", afirmou o ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, no lançamento da consulta, em 13 de maio.
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A expectativa é de que a medida possa transformar a infraestrutura digital do País, aumentando a capacidade, velocidade e segurança da internet e garantir maior equilíbrio regional no acesso às redes internacionais de dados.
De acordo com relatório da consultoria Analysys Mason, o setor de cabos submarinos vai chegar a movimentar mais de R$ 56 bilhões em até cinco anos.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o secretário da Casa Civil do Ceará, Chagas Vieira, informou que uma equipe multidisciplinar do governo estadual acompanha o desenvolvimento dessa política, mas evitou “se precipitar”, segundo ele, sobre possíveis impactos no Hub Tecnológico de Fortaleza com a descentralização dos cabos submarinos no País.
“Ainda há uma discussão muito prematura em relação a isso, a gente vai continuar acompanhando para não se precipitar em relação a qualquer juízo de valor. Há muita incerteza, mas tudo o que depender do Governo do Estado, vamos fazer para evitar que haja qualquer prejuízo para os cearenses”, declarou Chagas Vieira.
Protagonismo não deve ser retirado
O especialista em telecomunicações e presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, afirma que a busca por essas regulamentação e ampliação nas áreas que podem receber os cabos no país "não vai tirar o protagonismo nem do Ceará e nem de São Paulo".
"Não há motivo de alarme como se isso fosse afetar o que está acontecendo hoje no Ceará que, sem dúvidas, é um polo muito importante para o Brasil".
Ele explica que o movimento de expansão para outros pontos já ocorre e deve ser incentivado pela política que está sendo estudada pelo MCom.
"Isso já está acontecendo tanto do lado do Sul, com cabos indo mais para a direção de Porto Alegre, da Argentina, como para o Norte, com projetos que estão sendo desenvolvidos pelos governos do Pará e do Maranhão para que os cabos também cheguem nas capitais desses estados. Agora, esses processos são muito lentos".
Tude reforça a necessidade de se ter rotas redundantes que permitam que a internet fique no ar mesmo em caso de uma falha ou acidente.
"Os polos de Fortaleza e São Paulo estão consolidados e levaram anos para ser construídos. Com o tempo, teremos rotas alternativas para em um caso, muito remoto, mas possível de acontecer algum desastre. Esse é o esforço que está sendo feito (pelos órgãos brasileiros competentes)", comenta.
Na análise do especialista, este é um esforço que não vai afetar os investimentos já feitos no Ceará. "Quem já está aí vai continuar investindo, mas a tendência natural, até independente do que o ministério está promovendo, é que essas infraestruturas também cheguem em outras capitais do país. O país tem uma costa muito grande e isso é bom, porque dá mais resiliência à rede".
Aumentar locais que recebem cabos submarinos é "estratégia de segurança"
O Hub Tecnológico de Fortaleza faz com que a cidade seja a mais conectada de todas as Américas, e ponto fundamental para a passagem de internet e demais informações de telecomunicações por meio das estruturas.
A segurança desse espaço, portanto, passa a ser um desafio, conforme analisa Yuri Melo, professor do curso de Engenharia da Computação da Universidade Federal do Ceará (UFC-Sobral). Com pontos restritos de cabos submarinos, eventuais problemas podem pressionar a questão da conectividade, e mais locais de ancoragem podem reduzir essa questão.
"Fortaleza tem uma infraestrutura muito sólida, são vários cabos submarinos, data centers modernos, empresas especializadas e uma posição geográfica privilegiada. Isso tudo não se desmonta da noite para o dia. O que o governo quer, na verdade, é reduzir a dependência de um único ponto — o que é uma medida de segurança e estratégia", avalia.
Caso avance a temática no MCom, Yuri Melo acredita que Fortaleza terá que se posicionar ainda melhor para concorrer com demais cidades do País que também tentarão atrair os cabos, indo além da infraestrutura física do que chama de "ecossistema consolidado", e partindo para o fornecimento de conhecimento técnico, parcerias e inovação.
Pode haver alguma redução do volume de investimentos novos, se eles forem atraídos exclusivamente para outras regiões, mas isso não significa prejuízo direto. Na verdade, o Ceará pode assumir um papel de articulador dessa expansão. Temos know-how, temos estrutura, então por que não liderar esse processo de forma cooperativa? Se o Ceará souber se posicionar, essa política pode fortalecer o papel de Fortaleza como referência nacional e internacional em conectividade.
"Ter vários pontos de entrada de cabos aumenta a segurança da nossa rede, evita apagões digitais e amplia a cobertura para regiões que hoje são carentes de conexão. O importante é garantir que tudo isso seja bem coordenado, com padrões técnicos e boa governança para não virar um sistema desorganizado", alerta o especialista.
Para Anatel, protagonismo do Ceará permanece fundamental
Conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a posição de hub estratégico de cabos submarinos do Ceará no Atlântico Sul não está sendo enfraquecida com a proposta de descentralizar as estruturas, mas sim complementada.
"A proposta do MCom busca incentivar pontos alternativos de aterragem, principalmente nas regiões Norte e Sul, o que poderá conferir maior redundância e segurança à rede nacional de telecomunicações. Em outras palavras, o protagonismo do Ceará permanece fundamental, mas o objetivo é garantir um sistema mais distribuído e resiliente frente a riscos físicos e lógicos", afirma a agência em nota.
A Agência declara participar do recém-criado Comitê Brasileiro de Proteção de Cabos Submarinos (CBPC) e, no âmbito internacional, ser membro do órgão consultivo sobre resiliência de cabos submarinos da União Internacional de Telecomunicações (UIT), onde são discutidas diretrizes globais para o aumento da resiliência, segurança física e cibernética das infraestruturas de cabos submarinos.
"Nessas instâncias, a Anatel contribui com sua experiência regulatória e técnica, visando alinhar as políticas nacionais às melhores práticas internacionais, promover a cooperação entre países e fortalecer a governança sobre esses ativos estratégicos para a conectividade e soberania digital".
Apenas 18 cidades litorâneas recebem as estruturas
Atualmente, Fortaleza concentra a maior infraestrutura de cabos submarinos no Brasil. Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Santos (SP) e Praia Grande (SP) também possuem estruturas robustas, além de outras 12 cidades litorâneas no Sudeste e Nordeste.
A nova política quer mudar esse cenário, ampliando a quantidade de pontos de ancoragem, por meio da criação de áreas que recebem os cabos, chamadas Zonas de Interesse para Ancoragem (ZIAs) para localidades ainda não contempladas no país.
“Com isso, a infraestrutura de internet no Brasil terá mais capacidade, velocidade, segurança e redundância. Isso vai nos preparar para o futuro, com um planejamento à altura do desafio”, ressaltou o ministro Frederico.
Como participar da Consulta Pública
A consulta pública aberta pelo Ministério das Comunicações estará disponível até o dia 27 de junho. A participação se dá por meio da plataforma Participa + Brasil.
As sugestões podem ser nos seguintes eixos temáticos:
- Localização estratégica de novas ZIAs;
- Governança e articulação entre entes federativos;
- Incentivos fiscais e regulatórios;
- Sustentabilidade ambiental e social; e
- Segurança, resiliência e capacitação técnica.
Praia do Futuro monitorada
Sobre a situação específica da Praia do Futuro, a Anatel afirma estar acompanhando o caso da usina de dessalinização, em articulação com o MCom e demais autoridades, "defendendo que eventuais empreendimentos considerem as zonas de proteção dos cabos existentes de forma a não comprometer sua integridade e continuidade de serviço".
"A Praia do Futuro segue como um ponto importante de conexão, e a Agência monitora ativamente a qualidade, segurança e ocupação dessa infraestrutura".
Melhorias necessárias no sistema apontadas pela Anatel:
- Maior clareza nas normas de licenciamento e ocupação do solo marítimo e terrestre;
- Criação de zonas especiais de proteção física e lógica para cabos submarinos;
- Incentivos à duplicação de rotas e diversificação geográfica;
- Fortalecimento dos mecanismos de monitoramento e resposta a incidentes, inclusive com uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial e satélites.
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