Empregado doméstico informal recebe menos da metade que trabalhador formal na pandemia no Ceará

Apesar da recuperação em 2021, Ceará ainda registra a perda de 81 mil vagas no setor e aumento da informalidade

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: Informalidade no Ceará durante a pandemia aumentou para 86,67% e atinge 169 mil trabalhadores domésticos.
Foto: Helene Santos

Historicamente visto com menos relevância que outras atividades e até mesmo desprezo, o emprego doméstico sofreu um novo baque durante a pandemia, piorando as já precárias condições de trabalho e de qualidade de vida.

Além da perda de cerca de 81 mil postos de trabalho no segmento durante a crise sanitária - o equivalente a uma redução de quase 30% -, o Ceará também viu a informalidade subir substancialmente e atingir 86,67% dos trabalhadores domésticos no terceiro trimestre de 2021, dado mais recente do monitoramento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com menor demanda e maior precarização, a remuneração também foi afetada em quase 10% no caso dos informais que, em média, já ganham menos da metade dos formalizados.

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O IBGE aponta que um empregado doméstico formal recebeu cerca de R$ 1.249 mensais entre julho e setembro de 2021. Mesmo com os reajustes do piso salarial, o valor é 2,65% menor que o registrado no mesmo período de 2019, antes da pandemia (R$ 1.283).

A situação se agrava consideravelmente entre os informais. Em 2019, estes recebiam cerca de R$ 587 no Estado, rendimento que caiu para R$ 529 em 2021.

Sendo a grande maioria, os trabalhadores sem carteira assinada puxam a média da remuneração do setor para baixo, ficando em R$ 626, conforme o levantamento mais recente do IBGE.

Brusca queda na demanda

A diarista Maria Conceição Sousa (33) é uma das trabalhadoras que sofrem com a queda na renda. Natural de Tururu, no interior do Ceará, ela se mudou para Fortaleza há sete anos em busca de trabalho.

Sem condições de pagar aluguel, ela mora "de favor" com uma prima. Assim que chegou na Capital, conseguiu um emprego formal de serviços gerais em uma escola, no qual permaneceu durante cerca de sete meses até ser demitida. Desde então, ela passou a fazer faxinas para garantir o sustento.

Cobrando R$ 150 por diária, ela lembra que, antes da pandemia, não faltava serviço e conseguia fechar a semana inteira de trabalho, de segunda a sábado. Mas viu a demanda cair drasticamente durante a pandemia, comprometendo a renda.

"Foi diminuindo para cinco, quatro clientes por semana. Hoje só estou com duas clientes. Caíram bastante as faxinas", lamenta.

Com o sustento comprometido, ela conseguiu um trabalho de cuidadora em novembro do ano passado que hoje é responsável pela maior parte da remuneração de cerca de R$ 1.600 que ela consegue por mês.

No entanto, ela vê a atividade como temporária e se preocupa com o futuro. Isso porque a pessoa a ser cuidada está em uma UTI domiciliar sem perspectivas de reversão do quadro de saúde.

Eu vou de segunda a sábado e quando é dia de faxina eu deixo alguém lá. Mas a qualquer momento ele pode fazer a 'viagem' dele. Então, já estou desesperada atrás de outras faxinas, porque quando ele se for vai apertar mais ainda"
Maria Conceição Souza
Diarista e cuidadora

Demissões e aumento da informalidade

A perda de postos de trabalho no emprego doméstico, assim como o aumento da informalidade, ocorreu em todo País. 

Mesmo recuperando mais de 1,02 milhão de vagas, o Brasil ainda tinha um déficit de 747 mil postos no trimestre entre setembro e novembro em comparação ao final de 2019.

A informalidade também cresceu de 72,15% para 75,72% e alcança 4,24 milhões de trabalhadores domésticos em todo o território nacional.

O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino, pontua que o home office é um dos fatores preponderantes para o aumento da informalidade e a redução dos postos de trabalho.

Ele explica que muitas famílias, por estarem mais tempo em casa, demitiram empregados fixos e estão contratando diaristas, por exemplo, apenas em necessidades pontuais.

Pela metodologia do IBGE, as diaristas entram na conta da informalidade por não terem carteira assinada. No entanto, a lei do emprego doméstico exige a formalização apenas caso o trabalhador atenda um mesmo cliente mais de duas vezes por semana.

"O home office é uma realidade que veio e não vai acabar. As empresas estão voltando em sistema híbrido. Com base na consolidação do home office, eu diria que o emprego doméstico não vai recuperar números de antes da pandemia, mas ainda tem muito a recuperar", avalia.

Legenda: Remuneração dos trabalhadores domésticos caiu quase 10% em 2021 entre os informais.
Foto: Viviane Pinheiro

Impacto social e familiar

Além do próprio orçamento apertado, Conceição ainda sofre com a distância da filha de 12 anos por conta da baixa remuneração.

Ela revela que há sete anos o pai da menina ganhou a guarda dela alegando que a mãe não tinha condições financeiras de cuidar da filha. Assim, a diarista fica com a filha apenas aos fins de semana.

A perda da guarda foi o que a motivou a se mudar do Interior para Fortaleza em busca de emprego e renda melhores. Desde então, ela trava uma luta na Justiça para que a filha volte a morar com ela.

"É muito ruim não poder ficar com a minha filha por falta de renda. A família do pai tem condições melhores e diz que não tenho condições de criar ela. Minha filha chora pra ficar comigo", lamenta.

Legenda: Antes da pandemia, Conceição tinha clientes durante toda a semana, de segunda a sábado. Agora, ela está com apenas dois dias preenchidos.
Foto: Arquivo Pessoal

Apesar dos esforços e de economizar o quanto pode, Conceição afirma que não consegue fazer uma reserva de emergência. 

Ela também detalha que alguns clientes ficaram com o orçamento mais apertado na pandemia e quiseram reduzir o valor do pagamento.

Não compensava pra mim, porque tenho que ajudar nas contas de casa, água, luz, alimentação, transporte, também pago o plano odontológico da minha filha. No fim do mês, não sobra nada"
Maria Conceição Sousa
Diarista e cuidadora

Cenário de fragilidade

Sobre o Ceará, Avelino ressalta que o Estado repetiu as tendências observadas em todo o País, mas com proporções mais graves. 

Enquanto o Brasil ainda registra uma perda de 11,75% de vagas em relação ao período anterior à pandemia, o Ceará está com uma baixa de 29,35%.

O mesmo ocorre com a taxa de informalidade, que é de 75,72% no País e chega a 86,67% no Ceará.

Além do home office, outro fator que tem contribuído para a piora dos indicadores do setor foi a perda de renda geral e o fechamento de empresas durante a crise sanitária.

"Quase 300 mil empresas foram fechadas no País. Então, muitos empregadores domésticos eram donos de empresas, empreendedores, profissionais autônomos, que perderam a renda e demitiram as empregadas. O emprego domestico depende diretamente da recuperação da economia como qualquer segmento", ressalta Avelino.

O presidente do Instituto Doméstica Legal ainda esclarece que o histórico de informalidade predominante no Brasil e de forma mais agravante no Ceará está relacionada mais a uma questão cultural que econômica.

Ele lembra que o trabalho doméstico nasceu da libertação dos escravos, que acabaram trocando mão de obra por suprimentos básicos, como casa, alimentação e vestuário.

"Isso prevaleceu por muito tempo. Tem gente que diz que a família tem empregada e sempre pagou o salário direitinho. Mas não é só isso, tem que assinar a carteira. É um problema cultural".

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