Custo dos planos de saúde para jovens dobra em cinco anos no Ceará e supera alta entre idosos
A elevação para as empresas foi de 105% para a população de 0 a 18 anos

O custo assistencial dos planos de saúde destinados à população de 0 a 18 anos disparou 105% nos últimos cinco anos no Ceará. O percentual ultrapassou o registrado na faixa etária acima de 59 anos, cuja elevação foi de 58,13%, conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
No Estado, as despesas assistenciais com beneficiários de até 18 anos totalizavam R$ 426,8 milhões em 2019, passando para R$ 877,5 milhões em 2024.
Para o cálculo, são consideradas as internações, consultas, serviços profissionais, exames e terapias, excluindo-se os custos relacionados à assistência odontológica.
O setor atribui o aumento ao crescente número de diagnósticos de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
No entanto, para a advogada Janielle Severo, assessora jurídica da Associação Fortaleza Azul e mãe de uma criança com autismo, essa elevação também reflete os gastos com judicializações.
Segundo ela, diversos tratamentos garantidos por lei são frequentemente negados pelos planos de saúde, obrigando os beneficiários a recorrerem à Justiça (ver análise abaixo).
De acordo com o superintendente do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), José Cechi, o aumento no número de diagnósticos, aliado à escassez de profissionais e centros especializados no atendimento a crianças com TEA, resultou na elevação tanto da demanda quanto das despesas.
Nesse contexto, ocorreu uma inversão na lógica tradicional dos planos de saúde: a faixa etária de 0 a 18 anos passou a apresentar um valor médio superior ao das faixas seguintes, contrariando a tendência histórica de maior custo nas idades mais avançadas.
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A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirmou não haver, até o momento, previsão de alta nos preços dos planos de saúde para o consumidor final dessa faixa etária. A Unimed Fortaleza informou que não cogita a aplicação de reajustes porque segue rigorosamente as normas do órgão regulador e as boas práticas de mercado.
A empresa registrou um aumento de 118% no custo per capita dos beneficiários com idade entre 0 e 18 anos.
"Esse aumento está diretamente relacionado aos custos com os tratamentos do TEA, que vem aumentando ao longo dos anos. A faixa 0 a 5 anos, que possui maior prevalência de TEA possui sinistralidade de 142%, ou seja, mais do que é arrecadado nesta faixa é investido em atendimento. Enquanto na faixa 59 ou +, a sinistralidade encontra-se em 102,40%", disse Flávio Ibiapina, diretor Administrativo-Financeiro da Unimed Fortaleza.
Já o Hapvida optou por não se manifestar sobre o assunto, assim como a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) e a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
De acordo com a Lei de Nº 9.656, é permitido o reajuste por mudança de faixa etária para todos os planos de saúde (individuais, familiares ou coletivos), mas não apenas para uma única faixa e com algumas regras.
Ou seja, embora o preço varie conforme a idade, o índice de variação anual é o mesmo para todas elas. Conforme a Resolução Normativa nº 563/2022, o valor cobrado na última faixa etária (59 anos ou mais) não pode exceder seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18 anos).
Além disso, para os planos contratados a partir de 2004, a norma proíbe que a variação acumulada entre a 7ª e a 10ª faixas etárias seja maior do que a registrada entre a 1ª e a 7ª faixas (ver quadro abaixo).
Para Cechi, a aplicação de um aumento específico para a população mais jovem é complexa. Uma alternativa para as operadoras seria elevar a curva de preços, reajustando os valores em todas as faixas etárias.
No entanto, o preço inicial influencia diretamente os demais, a menos que haja uma alteração nas diretrizes de precificação. Nesse contexto, acredita, a situação pode incentivar o desenvolvimento de planos voltados a esse público.
“O aumento do custo assistencial afeta a questão financeira e a sustentabilidade das operadoras porque essa faixa etária está gerando um gasto muito maior do que o previsto quando a empresa apresentou a nota técnica de avaliação atuarial à agência, solicitando autorização para oferecer o plano com determinada faixa de preço”, avalia.
A ANS informou que fatores de rápida evolução, como a transição demográfica brasileira, decorrente do aumento da expectativa de vida, são questões urgentes a serem enfrentadas. Nesse cenário, afirmou o órgão, o reajuste por mudança de faixa etária, previsto na legislação do setor, se justifica em razão da mudança do perfil de utilização dos serviços de saúde.
"A formação de grupos de idade visa diluir o risco por uma massa maior de usuários, proporcionando um preço mais equilibrado para todos os beneficiários. Caso os preços fossem formados para cada idade, os mais jovens teriam preços mais atrativos, enquanto os mais idosos poderiam ter preços muito elevados ou inviáveis", disse, em nota.
"Isso acontece porque, em geral, por questões naturais, quanto mais idosa a pessoa, mais necessários e mais frequentes se tornam os cuidados com a saúde (frequência de utilização). Desta forma, a distribuição dos beneficiários em faixas etárias busca equacionar esta relação entre diferentes perfis de utilização dos serviços, ao mesmo tempo em que viabiliza a operação de planos de saúde do ponto de vista da sustentabilidade financeira", completou.
Descumprimento das regras por parte das operadoras encarece o custo, diz advogada
A advogada Janielle Severo atribui o aumento dos custos dos planos de saúde para crianças e adolescentes à judicialização.
“As operadoras de planos de saúde lucraram R$ 7,1 bilhões* entre janeiro e março de 2025, um crescimento de 114%. Não é possível afirmar, como os planos costumam alegar, que pessoas com TEA irão falir essas empresas. Trata-se de uma falácia utilizada para negar os direitos das pessoas com autismo e o acesso garantido pela Lei Berenice Piana”, apontou.
Conforme a legislação citada por ela, a pessoa com transtorno do espectro autista possui o direito ao acesso a ações e serviços de saúde, visando a atenção integral às suas necessidades, incluindo atendimento multiprofissional.
De acordo com Janielle, mães de crianças e adolescentes autistas enfrentam frustrações diante da recusa ou da concessão parcial de tratamentos pelos planos, situação que frequentemente as obriga a recorrer à Justiça para garantir seus direitos.
“É comum que os planos de saúde neguem terapias e tratamentos. Quando ocorre judicialização, o processo se torna mais oneroso e esse custo é repassado à empresa, elevando a sinistralidade, as despesas com danos morais e honorários advocatícios. Se as operadoras cumprissem a obrigação de oferecer esses serviços, tais medidas seriam desnecessárias”, frisou.
Desde 1º de julho de 2022, tornou-se obrigatória a cobertura, por parte dos planos de saúde, de qualquer método ou técnica terapêutica indicada pelo médico assistente para o tratamento de pacientes diagnosticados com transtornos incluídos na Classificação Internacional de Doenças (CID) F84, que abrange, entre outros, o autismo infantil (CID-10 – F84.0) e o autismo atípico (CID-10 – F84.1).
Contudo, em diversas situações, segundo Janielle, as mães precisam contratar mais de um plano de saúde para tentar assegurar o tratamento adequado aos filhos.
"Conheço famílias beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que precisam dispor dos poucos recursos que têm para garantir o atendimento básico à saúde, enquanto os planos continuam negando a cobertura. A situação dessas famílias, com uma ou mais crianças com TEA, é extremamente grave”, exemplifica, enfatizando a urgência de políticas públicas que garantam o tratamento adequado tanto no setor público quanto no privado.
De acordo com dados do Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no período de 2020 a 2025, foram ajuizadas 12.482 ações relacionadas à saúde suplementar no estado do Ceará.
As principais demandas envolvem questões como tratamentos médico-hospitalares, fornecimento de medicamentos e insumos, além de pedidos referentes a reajustes contratuais. A ANS informou não ter acesso aos processos judiciais relacionados à saúde suplementar, exceto quando a própria agência é parte na ação.
*Informação foi checada e é oficial da ANS