André Siqueira: 'as condições de crédito e de juros ainda nos dão muita insegurança para investir'

Entrevistado do Diálogo Econômico, o presidente do SindiAlimentos comenta sobre os impactos da crise do coronavírus e as melhorias do ambiente de negócios nos últimos anos

Escrito por Samuel Quintela , samuel.quintela@svm.com.br
andré siqueira
Legenda: André Siqueira fala sobre interiorizar as ações do SindiAlimentos

Alguns setores foram, de fato, menos afetados pela crise do novo coronavírus, mas, ainda assim, o cenário não é tão positivo quanto se poderia desejar, segundo defendeu André Siqueira, presidente do Sindicato das Indústrias da Alimentação e Rações Balanceadas no Estado (SindiAlimentos).

Entrevistado do Diálogo Econômico desta semana, o presidente do SindiAlimentos comentou, no entanto, que as condições para tomada de crédito no País e no Estado ainda são uma barreira muito grande para a realização de novos investimentos. 

Segundo Siqueira, alguns bancos atrelaram opções de financiamento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação no Brasil, e a iniciativa tem causado impactos negativos aos negócios nos últimos anos, quando a pressão inflacionária tem sido muito maior. 

Além disso, o presidente do SindiAlimentos elogiou a disposição para o diálogo do Poder Público com a iniciativa privada, ainda que ele tenha apontado a falta de efetividade em aplicar medidas propostas pelo empresariado, destacando as decisões do Governo Federal e resistência em criar uma política de estoques reguladores no País. 

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Confira a entrevista completa

A PANDEMIA TROUXE IMPACTOS DIVERSOS EM TODOS OS SETORES DA ECONOMIA, MAS AS EMPRESAS DE ALIMENTOS ACABARAM TENDO RESULTADOS POSITIVOS DURANTE A CRISE, ASSIM COMO A INDÚSTRIA DESSE SEGMENTO. COMO O SENHOR AVALIA ESSA MELHORA E PREVÊ QUE ELA DEVE SE MANTER NOS PRÓXIMOS MESES OU PODEMOS VIVER COM ALTAS E BAIXAS? 

A gente teve, no passado, uma situação bem atípica porque no meio da pandemia tivemos de produzir continuamente sem deixar faltar nada, e a indústria dos alimentos no Ceará foi bem.

Acompanhei alguns empresários aqui e todos foram bem, se adaptando às novas condições e de maneira geral não faltou nada. A pressão de preços não foi tão grande no ano passado, mas em 2021 tem sido muito grande. 

Saindo um pouco do assunto, desde o governo Temer tivemos uma mudança do modelo de financiamento do FNE, onde o IPCA passou a compor o cálculo do crédito do Banco do Nordeste.

No passado, quando a pressão inflacionária não era tão grande, era tranquilo, mas, agora, quando vamos terminar o ano com 11% ou 12% isso está afetando muito os negócios, já que o IPCA é um índice em que o alimento tem um peso forte.

Isso tem afetado quem pegou empréstimo nos últimos anos e quem quer pegar agora. 

A contratação do FNE caiu muito porque era uma linha de crédito muito vantajosa, mas com a indexação do IPCA, os bancos privados passaram a ter um dinheiro mais barato que o BNB.

Estamos em um momento com preços muito altos em insumos, embalagens, commodities, carnes, ovos, então o cenário não é muito positivo. 

Acabei de ler que o Banco Central reduziu a previsão do PIB para 2021 e 2022, então temos um desafio muito grande porque temos uma linha importante sem competitividade, custos muito elevados, inflação subindo, e isso impacta muito as decisões de investimentos, contratações. 

A gente está envolto na crise. O setor de alimentos talvez tenha sido o que sofreu menos e mais rápido deva sair do problema, com setores em situações mais complexas, mas está todo mundo na mesma economia e não podemos fechar nossos olhos para isso. As coisas estão bem tensas.  

UM DOS FOCOS DESSE NOVO MOMENTO A FRENTE DO SINDIALIMENTOS SERIA A QUESTÃO DE INTERIORIZAR MAIS AS AÇÕES. COMO O SENHOR AVALIA A DECISÃO SOBRE ESSES PROJETOS E QUAL A IMPORTÂNCIA DE ATUAR MAIS LONGE DA CAPITAL?

Na verdade, a gente tem uma situação de empresas que são pouco assistidas pelo SindiAlimentos por estarem distantes ou por não se enxergarem como parte desse sistema. Mas a gente quer mostrar que aqui é o espaço de todos, do médio, do grande, do pequeno.

Hoje, 75% das empresas de alimentos no Ceará são micro e pequenas empresas, então temos de dar uma olhada diferenciada. Sempre tive a vontade de ser muito atuante no Interior, mas isso é muito caro, e o Sindicato não tem capilaridade para fazer um grande projeto.

Mas aprovamos com a Fiec um recurso conseguido junto com o Sebrae para que possamos bater na porta de muita gente no Interior, que é a plataforma de e-commerce b2b (empresas para empresa, na sigla em inglês) que vai estimular o comércio da indústria.

A plataforma tem todo um esforço de eventos regionais, começando em dezembro, lá em Ubajara, envolvendo as empresas da região da Ibiapaba, mais outros cinco eventos que serão realizados no ano que vem. 

A gente quer apresentar o Sindicato, a Fiec, o nosso projeto da plataforma e dar as mãos para o empresário no Interior para que ele se torne pertencente ao movimento todo e se sinta abraçado.

Até a pandemia, não fazíamos reuniões virtuais, não era hábito, mas hoje em dia é tudo virtual, e podemos estar mais perto através da tecnologia.

Nosso esforço é ir em todos os cantos e temos um dado de mais de 600 empresas que não estão filiadas para sermos mais assertivos. Com isso a gente entende que a indústria de alimentos de qualquer lugar possa ter contato e possa entender.

Foto: Helene Santos

E QUAL A REALIDADE, HOJE, DO EMPRESARIADO CEARENSE QUE ATUA NO SETOR DE ALIMENTOS? ESSE PERFIL MUDOU MUITO NOS ÚLTIMOS ANOS? 

Quem produzia ovo de codorna, por exemplo, ficou sem mercado durante a pandemia porque vendia mais para barracas, restaurantes, mas o consumo nos supermercados é pequeno.

Mas temos empresas de castanha que exportam, como o dólar está muito alto, elevou de forma vultuosa o número de empregos porque tiveram ótimos resultados.

A situação no Sindialimentos é muito diversa, porque temos desde empresas de ração à produção de carne. 

Mas uma coisa que percebemos, e essa foi a motivação para ter um canal digital de venda, foi a pandemia, que forçou muita gente a criar canais digitais, vender pelas redes sociais, então a maturidade da indústria de alimentos é relativamente baixa.

Não vemos muita indústria com venda online. Então o Sindicato está propondo criar uma plataforma, onde a empresa vai poder se apresentar, ter um portfólio exposto, e para estar lá será preciso estar filiado, para termos inicialmente uma forma de cotação e de pedidos entre empresas.

Não será uma compra direta, até porque as empresas, para poderem atuar nesse nível, precisam ter uma preparação que não existe hoje. 

Se colocarmos uma realidade que não existe, não teremos adesão. Vamos trabalhar com portfólio digital. 

A gente quer conectar esse acesso à informação na Fiec, por conta do Observatório da Indústria, então nosso objetivo é formatar a indústria de alimentos para conectar com nossos alvos, que hoje é b2b, juntando empresas ou com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes).

Nós vamos ter uma forma digital de chegar até esses clientes e nos mostrar para potenciais clientes.

PELO QUE O SENHOR TEM ACOMPANHADO NO SINDIALIMENTOS, PODE HAVER UMA PRESSÃO MAIOR NOS NÍVEIS DE PRODUÇÃO AQUI NO CEARÁ LEVANDO AO DESNÍVEL DE OFERTA E DEMANDA LEVANDO A NOVAS ALTAS OU ESTAMOS ESTABILIZADOS?

Se olharmos para as commodities, milho e soja principalmente, ambas estão em queda, assim como o trigo, que teve queda de preço de quase 20%.

A avicultura cearense, que consome muitos grãos, importou muitos navios, então isso deve reduzir o preço do milho no mercado, e os setores que dependem das commodities, como o de carnes e ovos, devem ter um alívio muito grande.

Estamos vendo uma queda no preço de insumos, mesmo estando fora do período da safra. Os produtos que estão fora do período de exportação, se beneficiam porque o câmbio está muito elevado e não vejo que a tendência seja de piora dos preços. 

Eu percebo que há uma acomodação de preços e eu espero que isso segure, até considerando a alta demanda por alimentos no fim do ano, mas estamos já chegando no período de chuva, que pode ajudar o setor agropecuário.  

O BRASIL VOLTOU PARA O MAPA DA FOME, COM MUITAS FAMÍLIAS PASSANDO POR DIFICULDADES PARA COMPRAR ALIMENTOS E OUTRAS COISAS. COMO PRESIDENTE DO SINDIALIMENTOS COMO O SENHOR AVALIA AS DECISÕES DO GOVERNO FEDERAL DE NÃO INVESTIR MAIS UMA POLÍTICA DE CONSTRUÇÃO DE ESTOQUES REGULADORES? E QUAL SERIA O PAPEL DO EMPRESARIADO NESSE CENÁRIO NO PAÍS RELACIONADO AOS ALIMENTOS?

Eu tenho uma visão bastante de direita, mas sou a favor do estoque regulador. Eu acompanhei durante muito anos o papel da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) nos últimos anos e como essa política trouxe benefícios para o pequeno produtor.

Se você entra no site da Conab, e acho que vale à pena porque você consegue enxergar os estoques que praticamente não existem, e os preços no balcão do milho são iguais ao do mercado, só que isso é ruim para o pequeno produtor. 

O grande produtor se junta e manda trazer navios, mas o pequeno não tem essa opção. Percebemos que eles tiveram uma redução muito grande porque o preço dos insumos subiu e o valor de venda não acompanhou, então a produção agropecuária ficou desestimulada. 

Se o Governo não quer fazer uma política de estoques mínimos, seria preciso pensar outras estratégias para ajudar o pequeno produtor.

O grande também sofre, mas ele tem maneiras de se resolver sozinho ou com outros pares, coisa que o pequeno não tem. Então eu sou contra a visão do Governo Federal de não manter estoques reguladores de alimentos, que é uma política que trouxe benefícios grandes para o pequeno produtor. 

O diálogo com o Governo sempre foi muito aberto, com Estado e União, e o nosso presidente da Fiec transita muito bem nessas esferas. Quando temos um pleito, a Fiec encaminha. Não há dificuldade de diálogo, a questão é efetividade desses pleitos, como o estoque regulador. 

COMO O SENHOR ENXERGA AS DISCUSSÕES PELOS NOVOS PROGRAMAS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PAÍS, COMO BOLSA FAMÍLIA E AUXÍLIO BRASIL? O AUXÍLIO EMERGENCIAL ACABOU SENDO UM DOS FATORES POSITIVOS PARA TRAZER NÚMEROS POSITIVOS PARA A INDÚSTRIA DE ALIMENTOS DURANTE A PANDEMIA, O SENHOR CONCORDA NA MANUTENÇÃO DE PROJETOS SIMILARES?

Eu concordo com os programas de transferência de renda, e pelo que vi houve uma mudança do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, mas o que eu percebo e acho é que todo programa de auxílio precisa ser transitório para que as pessoas não precisem mais no futuro.

E eu percebi que esse programa novo tem esse olhar, para que a pessoa consiga empregabilidade e não precise mais daquilo.

Foto: Helene Santos

Pensar assim é positivo, até porque se vencermos isso, teremos uma população melhor e com uma renda melhor, mas como, hoje, a gente precisa, o Governo precisa estar presente. 

E é positivo esse apoio que já existiu, e temos uma faixa muito grande da população que não tem renda. Se não houver um auxílio como esse podemos ver cenas de fome como antes era muito comum, com as pessoas vindo do Interior para os sinais de Fortaleza.

Vemos menos hoje, mas porque temos muitas políticas de apoio. O que eu acho é precisamos dar oportunidades para que a pessoa possa produzir ou ter uma atividade para aferir renda. 

ATUALMENTE, OS EMPRESÁRIOS NO BRASIL DISCUTEM O CENÁRIO DE INCERTEZAS POLÍTICAS COMO UM PONTO DE RECUO PARA NOVOS INVESTIMENTOS NESSE MOMENTO. O SENHOR CONCORDA COM A AVALIAÇÃO? E QUE MEDIDAS O SENHOR CONSIDERA QUE SERIAM NECESSÁRIAS PARA DAR MAIS CONFIANÇA AO EMPRESARIADO LOCAL? 

Eu recentemente fui presidente do CIC (Centro Industrial do Ceará), onde a nossa proposição foi a melhoria do ambiente de negócio, com revisão de leis, normas, instigando o Estado a se modernizar e ter maneiras digitais de se relacionar com quem empreende.

Construímos um cenário muito positivo e mapeamos todos os principais gargalos e avançamos muito. O município de Fortaleza, hoje é um ambiente positivo, e o Ceará avançou bastante. Claro que um programa desses nunca tem fim, porque sempre temos o que melhorar, mas o Estado melhorou muito na digitalização. 

Uma das iniciativas é reunir todos os órgãos relacionados a negócios no mesmo ambiente, e isso facilita de quem quer empreender.

Se você vai se relacionar com duas ou três secretarias, você tem de levar todos os documentos duas ou três vezes, como se as coisas não fossem parte do mesmo estado, hoje já é diferente. Mas melhorou muito. Ainda temos burocracias e gargalos, mas melhorou muito. 

No Governo Federal também tem sido assim. A Segov (Secretaria de Governo do Brasil) publicou uma portaria simplificando normas trabalhistas e se analisarmos o trabalho do Ministério da Economia há muitas iniciativas nesse sentido. Esse cenário melhorou muito.

Mas a questão são as condições de crédito e dos juros que ainda nos dão muita insegurança. É muito ruim tomar um crédito sem saber quanto você vai pagar, porque podemos estar fazendo um péssimo negócio sem saber quanto vai pagar no final.

Hoje, eu tenho parcelas no Banco do Nordeste que o juros é maior que o principal, porque os juros que eles nos venderam com a taxa abaixo de 1% tem um IPCA atrelado que é mais de 10% e isso é muito ruim.

Ter um banco de desenvolvimento, mas que está ofertando um recurso atrelado a um indicador que é péssimo para quem quer investir. Isso é negativo. 

De modo geral, precisamos continuar melhorando a relação com quem empreende, pois não faz sentido ter burocracia demais, até porque isso estimula a informalidade. 

Mas temos um cenário positivo no curto prazo, que é a questão do hidrogênio verde, que não está diretamente ligado ao setor de alimentos, mas está ligado à economia do Ceará, então isso deve transformar o nosso Estado em termos de investimento e arrecadação.

E isso não é uma coisa para um futuro distante, mas para acontecer nos próximos anos. Quando temos uma nova economia crescendo, isso impacta tudo ao redor, aumentando consumo, renda e melhora a vida das pessoas.

QUE META PESSOAL O SENHOR GOSTARIA DE REALIZAR ANTES DEIXAR A LIDERANÇA DO SINDIALIMENTOS OU EM QUE PATAMAR GOSTARIA DE VER A INSTITUIÇÃO NOS PRÓXIMOS ANOS?

Hoje, nosso grande objetivo é alcançar o Interior e ser conhecido por todo mundo do setor, tentar filiar o máximo que a gente puder e servir quem está distante, que está esquecido, mas que está resiliente.

Queremos estar perto dessas empresas para mostrar que o Sindicato e Federação tem muito a fazer por eles. É um projeto ousado e não devo ver o fim dessa história como presidente porque o mandato acaba no meio do ano que vem, mas devo continuar na diretoria apoiando quem estiver aqui, torcendo para que esse espírito coletivo que temos possa continuar.

O SENHOR JÁ ATUOU COMO PRESIDENTE DO CIC, QUE SERIA UM BRAÇO MAIS POLÍTICO DA INDÚSTRIA NO CEARÁ. QUAL A IMPORTÂNCIA QUE O SENHOR ATRIBUIU PARA SE TER ESSA ATUAÇÃO POLÍTICA NO MERCADO ATUAL E COMO AVALIA QUE TEM SIDO A RELAÇÃO COM O PODER PÚBLICO NOS ÚLTIMOS ANOS? TEMOS UM CENÁRIO POSITIVO OU AINDA TEMOS MUITO A EVOLUIR NESSA RELAÇÃO? 

Eu acho que a Fiec, o CIC, e os diretores mantêm uma relação muito boa com governos, então não vejo nenhuma dificuldade de interlocução. A gente tem acesso às pessoas de governos.

Não tenho medo do que vem em 2022 porque, independente de quem vier a ser presidente, as instituições são muito fortes e não acho que deva haver ruptura. Há uma defesa de interesses que a Fiec faz aqui no Estado e não acho que há preocupações.

Devemos estar atentos aos candidatos e apresentar as nossas visões para eles entenderem o papel da indústria, do Sistema S e outras instituições.

O MUNDO VEM PASSANDO POR MUITAS TRANSFORMAÇÕES DIGITAIS NOS ÚLTIMOS ANOS, MAS COMO O SENHOR ACREDITA QUE ESSA EVOLUÇÃO TEM CHEGADO NO SETOR DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO CEARÁ E COMO O SINDIALIMENTOS VEM ATUANDO PARA COLABORAR COM O DESENVOLVIMENTO DE INICIATIVAS NESSE SEGMENTO NO ESTADO?

O que eu percebo é que a oferta tecnológica é muito grande. Hoje, eu tive uma reunião com uma empresa cujo negócio dela é de ponto eletrônico.

Ele pode fazer tudo pelo celular, estando em casa ou na empresa. Nós temos muitas soluções. A gente percebe é que nessa nossa ida para o Interior, vamos falar do Sindicato, do nosso projeto da plataforma, e da transformação digital, para abrir a mente do empresário para o que tem hoje no mercado e pode ser utilizado pelas empresas.

Ainda temos muito desconhecimento nesse segmento de tecnologia, então o Sindicato pode ser esse porta-voz, fazendo uma busca das tecnologias que podem favorecer nossas empresas.

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