Jessika Moreira: 'quando o Governo não inova, impactamos a vida de milhões de pessoas'

Entrevistada dessa edição do Diálogo Econômico, a coordenadora do laboratório de inovação e dados falou sobre a importância de se criar uma cultura organizacional voltada à inovação

Escrito por Samuel Quintela , samuel.quintela@svm.com.br
jessika moreira
Legenda: Jessika Moreira comenta sobre a importância da introdução à gestão pública a partir da análise de dados
Foto: Governo do Ceará

Conceito, muitas vezes, pouco palpável, a inovação tem sido discutida em várias esferas da iniciativa privada para gerar avanços de eficiência e produtividade.

Mas ela não é um conceito exclusivo dos grandes negócios. Segundo a coordenadora do Iris, laboratório de inovação e dados do Governo do Estado, Jessika Moreira, sem a aplicação da inovação, o setor público pode prejudicar a criação de políticas públicas em todas as esferas e gerar um distanciamento da população a quem essas iniciativas devem ser direcionadas. 

A coordenadora do Iris também comentou sobre a importância da introdução à gestão pública a partir da análise de dados para incentivar gestores a gerar ambientes com culturas mais ágeis e flexíveis.

Além disso, Jessika defendeu a importância de criar, nos órgãos públicos, uma equipe baseada na diversidade para que as melhores soluções possam ser pensadas, fazendo com que a administração pública possa chegar na população mais vulnerável no Ceará. 

A representante do Governo do Estado também comentou sobre o futuro da inovação a partir das transformações digitais no mundo atual e do peso que os algoritmos das "big techs" (grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou outros lugares do mundo) poderão influenciar o poder público e a sociedade. Ela também destacou o potencial de entrega de valor público a partir da colaboração entre iniciativa privada e Estado. 

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Confira a entrevista completa:

A INOVAÇÃO, NO SETOR PRIVADO, TEM UMA RELAÇÃO MUITO GRANDE E RELACIONADA À QUESTÃO DA EFICIÊNCIA E OTIMIZAÇÃO DE PRODUÇÃO. MAS QUAL O PAPEL, HOJE, DESSE CONHECIMENTO PARA O PODER PÚBLICO E COMO ELA PODE COLABORAR NOS FORMATOS DE GESTÃO? 

O Iris é o laboratório de inovação e dados do Governo do Estado e a gente existe a partir de uma visão e uma missão dada pelo governador Camilo Santana em 2019 em que a gente precisava acelerar o processo de transformação digital do Ceará, processo que conseguisse elevar a maturidade analítica dos gestores públicos para que todo servidor consiga trabalhar pautado em dados, usando eles para criar e direcionar políticas públicas que cheguem para quem mais precisa, que é a população mais vulnerável. 

Então, o laboratório trabalha em três eixos principais. O primeiro é gente, porque já entendemos que qualquer transformação ou organização é feita por pessoas e esse é o aspecto mais importante para a tecnologia.

O segundo ponto são os dados, e aí entra o desenvolvimento de sistemas e plataformas, mas também trabalhamos no incentivo à alfabetização em dados porque o big data por si só não é capaz de dizer e direcionar o servidor a tomar a melhor decisão. É preciso haver capacidade analítica para isso.

E o terceiro ponto é tecnologia, mas aí estamos muito mais interessados em como isso é inserido no serviço público do que a tecnologia pela tecnologia, então temos um núcleo forte em experiência de usuário.

Mas quando a gente fala da necessidade da inovação em relação à iniciativa privada, organizações quando elas não inovam, elas saem do mercado.

É preciso inovar como obrigação, então se a empresa não inova, outras chegam, concorrem e ganham o mercado e tiram aquela que não inovou.

Mas no setor público, quando não inova, o que acontece? Parece que nada acontece, mas na minha concepção é muito pior do que na inciativa privada, porque quando o Governo não inova, isso impacta a vida de milhões de pessoas, então o Iris tem incentivado e estimulado a inovação de uma maneira transversal em todos os órgão e esferas da administração pública cearense.  

Legenda: "O objetivo do Iris vai ser colocar as pessoas onde elas merecem estar, que é no centro das decisões e na condução dessas decisões", explica Jessika Moreira
Foto: José Wagner / Governo do Estado

ATUALMENTE, NA SUA AVALIAÇÃO, SE FOR POSSÍVEL MENSURAR, QUAL O NÍVEL DE INOVAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA NO CEARÁ? ESTAMOS AINDA COMEÇANDO OU JÁ AMADURECEMOS BASTANTE?

O estado do Ceará, o povo cearense, na verdade, é muito reconhecido pela criatividade e pela inovação, isso é muito inerente da nossa cultura de uma maneira bem ampla, até pela escassez de recursos a gente acaba precisando pensar em novas formas de resolver problemas e aí isso que gera a necessidade de ser mais criativo e gerar inovação.

Mas o Governo do Estado tem sido também um governo reconhecido pelos avanços na transformação digital, então hoje temos uma vasta gama de serviços digitais em diversos órgãos.

Temos o próprio Iris, temos um aplicativo de serviços digitais com quase 90 serviços e 500 usuários, além de quase 60 mil acessos diários em média. O Estado tem sido referência na estratégia e no avanço da transformação digital. 

E vale ressaltar que o próprio hub da Etice (Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará) e forma pública de inovação é um modelo referência para outros Estados, e ainda temos o Iris, que conseguiu ganhar destaque nacional e se tornou uma referência de política pública bem sucedida entre laboratórios de inovação. 

O QUE FALTA PARA IMPLEMENTAR AINDA MAIS ESSA CULTURA DE INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA, CRIANDO AMBIENTES FAVORÁVEIS EM TODAS AS ESFERAS? É PRECISO REFORMULAR POSTURAS DESDE A BASE, COM POLÍTICAS ESPECÍFICAS DA GESTÃO, OU ISSO PASSA POR UMA DECISÃO SUPERIOR DE "AGORA VAMOS SER MAIS INOVADORES"? 

Eu acredito que a gente precisa investir urgente em mais esforços na transformação de uma cultura organizacional tradicional para uma cultura orientada à inovação, e o papel das lideranças, dos gestores públicos, ela é fundamental nesse processo.

É a liderança que dá o tom, e precisa ter paixão por inovação, ser propositiva, incentivar as equipes e investir recursos em inovação como estratégia organizacional.

Eu reforço a fala de que o papel da liderança é fundamental em um processo de engajamento de times em um processo de transformação cultural para ter essa cultura orientada à inovação, sendo mais aberta e que incentive a cocriação, olhando mais para o problema e menos para a solução, já que temos uma base que nos torna especialista, mas nesse mundo de mudanças constantes nós não temos todas as respostas, é preciso usar esse pensamento de design para ter metologias mais ágeis, flexíveis para que se consiga atender esses problemas complexos da sociedade. 

E essa mudança já começou. Posso citar a Secretaria da Fazenda, liderada pela Fernanda Pacobahyba, que tem investimento em engajamento do servidor e em capacitação e desenvolvimento em inovação, em modernização. Então eu cito esse exemplo sempre com muito orgulho, desse trabalho que a Sefaz tem feito.  

Legenda: Laboratório de inovação e dados do Governo do Estado
Foto: Helene Santos / Governo do Estado

QUAL O PESO DA DIVERSIDADE PARA SE CRIAR UM AMBIENTE DE INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA?

Esse é um assunto que deve prioridade numa organização, principalmente em uma que entende que inovar é uma obrigação no nosso mundo hoje.

As empresa mais inovadoras no mundo têm políticas voltadas para diversidade e direitos humanos.

Isso é forma importante de gerar resultados e reter talentos. Hoje em dia, o que nós temos, e aí eu não tenho dados para comprovar precisamente qual o percentual, mas me parece que temos grupos predominantes e pouca diversidade na composição dos times no geral no setor público.

Precisamos ter dados para entender que cor tem esse governo, que raça, que gênero, que faixa etária, então o Iris apoia e incentiva muito para qualquer projeto que vamos tocar, que consigamos compor um time diverso entre laboratório e órgão parceiro. 

Acreditamos que a partir da soma de várias visões e contextos que a inovação existe. É a partir do diferente, e de um grupo múltiplo de visões e vivências, que se olha para um problema e se começa um processo ou ciclo que vai gerar inovação e vai resolver um problema da população.

E quando a gente tem uma sociedade tão diversa, socialmente, culturalmente, economicamente, de grupos, não tem como o setor público ter um grupo predominante à mesa para tomar uma decisão para tanta diversidade que a população representa.  

CONSIDERANDO QUE O PODER PÚBLICO DEPENDE DE UM SISTEMA ELEITORAL E DE COMPLEXIDADE POLÍTICA MUITO GRANDE, MUITAS VEZES, VOCÊ ACREDITA QUE POSSÍVEL CRIAR UMA PERSPECTIVA DE INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA QUE SEJA CONSTANTE APESAR DE UM MANDATO OU OUTRO? E QUE POLÍTICAS PÚBLICAS NÓS PODERÍAMOS IMPLEMENTAR PARA GARANTIR ESSE INCENTIVO À INOVAÇÃO? 

Isso é um grande desafio para o setor público já que essa mudança de gestão é necessária e acontece, mas, sim, ela é uma barreira para a perenidade das políticas públicas, mas nós acreditamos que quanto mais trabalharmos e promovermos a transparência e o poder do controle social, trabalhando com dados e plataformas abertos, a gente vai conseguir que a própria população exija a continuidade das políticas públicas.

O IRIS, HOJE, TRABALHA PROJETOS DE ACESSIBILIDADE DA COMUNICAÇÃO EM ALGUMAS ESFERAS. QUAL DE PESO E IMPORTÂNCIA DE PROJETOS COMO ESSES PARA O PODER PÚBLICO? PASSA PELO INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO PÚBLICA?

Sim, nós temos um grande objetivo que é acelerar a transformação digital do Estado, mas a gente precisa entender também a nossa realidade, e a gente ainda tem uma terra ainda muito marcada por desigualdades e a transformação digital que nós estamos trabalhando para fazer é acessível e inclusiva. O Iris tem desde o início trabalhado um programa estadual de linguagem simples onde a gente aplica uma técnica pelo direito de entender das pessoas, e essa técnica que vai trabalhar e acabar com os termos técnicos e difíceis de entender. Há um dado interessantes que apenas 12% da população nacional consegue ler e interpretar textos complexos.

Imagina o percentual da população que tem um distanciamento do Governo porque não entende essa comunicação. A linguagem simples, inclusive, consta na lei de governo digital então todos os projetos do Iris tem uma forte vertente desse programa e todos os nossos projetos passam por uma simplificação nessa técnica para garantir o direito da população de entender e entregar uma boa experiência dos serviços públicos. 

Podemos citar a experiência do Plantão Coronavírus, que usa um chat bot que presta atendimento à população e que foi um serviço super importante no início da pandemia, quando as pessoas sabiam pouco sobre a doença, e que teve o fluxo de conversação escrito em linguagem simples.

Imagina usar termos de uma pandemia e um vírus pouco conhecido, com as pessoas sabendo pouco sobre a doença, então tínhamos que garantir que as pessoas teriam informações oficiais e claras, de fácil acesso para que se pudesse entender.

Temos bons resultados e hoje já ultrapassou 1 milhão de acessos nesse serviço e sempre mantivemos uma nota de 9,5 de satisfação do serviço. 

A ANÁLISE DE DADOS SEMPRE ESTEVE PRESENTE NAS PASTAS E PAUTAS MAIS ECONÔMICAS, MAS COMO É POSSÍVEL TRANSFORMAR ESSAS LEITURAS DE INFORMAÇÕES EM FERRAMENTAS DE INOVAÇÃO E QUAL A IMPORTÂNCIA DOS DADOS, CONSIDERANDO ESSE MUNDO DIGITAL EM QUE VIVEMOS, PARA A INOVAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO? 

Não dá mais para se tomar decisões, principalmente no setor público, sem dados. O que a gente espera é que gestores públicos só tenham decisões em dados e evidências e isso é para que se consiga desenvolver serviços e políticas públicas mais efetivas e assertivas para resolver os problemas da população.

O Iris, nesse sentido, tem trabalhado na construção de plataformas analíticas, então entregamos a pouco tempo o big data social do Estado, que trabalha com a exposição de painéis analíticos de políticas públicas de assistência social.

O que nós queremos é evoluir para ter uma plataforma integrada de dados abertos, de dados intersetoriais de várias secretarias para que a gente consiga promover uma melhor eficiência da gestão pública, porque quando se trabalha com dados você estimula os gestores a ter mais cuidado com esses dados para criar uma cultura analítica, e a gente consegue, também, promover mais transparência para a população, que vai fazer com que a gente resgate a confiança nas instituições públicas. 

Imagina um gestor público que precisa tomar a decisão que impacta a vida de milhares de pessoas, e ele tem na mesa uma massa gigantesca de dados.

Então eu acredito que é a partir dessa visão analítica que o gestor público tem o objetivo que sempre estará relacionado à melhoria para a gestão e para a sociedade que é onde entra o aspecto humano.

Ter foco no problema que se quer resolver e ter o cidadão no centro do problema, olhando o contexto. É aí que o gestor público vai conseguir quais os objetivos e quais os problemas que se têm de resolver para então começar a jornada analítica. 

Legenda: "Nós temos um grande objetivo que é acelerar a transformação digital do Estado, mas a gente precisa entender também a nossa realidade, e a gente ainda tem uma terra ainda muito marcada por desigualdades e a transformação digital que nós estamos trabalhando para fazer é acessível e inclusiva", afirma Jessika
Foto: José Wagner / Governo do Estado

COMO IDEALIZADORA DO IRIS, QUE META PESSOAL VOCÊ GOSTARIA DE DEIXAR PARA A GESTÃO NO GOVERNO DO ESTADO E EM QUAL PATAMAR VOCÊ GOSTARIA DE VER O LABORATÓRIO NO FUTURO? 

O objetivo do Iris vai ser colocar as pessoas onde elas merecem estar, que é no centro das decisões e na condução dessas decisões.

Então, a partir dessa promoção dessa cultura organizacional orientada à inovação as pessoas trabalham coletivamente de forma completa, são mais ágeis, flexíveis, tendo uma liderança com uma visão apaixonada por inovação, conseguindo cocriar junto com a população em todas as áreas as políticas públicas.

Quando isso se tornar o normal, trivial, eu acredito que esse será um grande resultado. Mas problemas sociais são graves e são urgentes então quando mais o Iris puder trabalhar em cooperação com diversos órgãos, de uma maneira inovadora na própria forma de trabalhar, e a gente disseminar esse conhecimento e formas de trabalho, nós teremos o objetivo de aproximar o Governo mais próximo das pessoas. 

O MUNDO VEM PASSANDO POR UMA GRANDE TRANSFORMAÇÃO DIGITAL, COM VÁRIAS QUESTÕES E PARÂMETROS SENDO MUDADOS CONSTANTEMENTE. QUE TIPO DE TENDÊNCIAS OU CONHECIMENTOS DEVEM INFLUENCIAR MAIS OS CONCEITOS DE INOVAÇÃO NA SUA OPINIÃO E COMO ISSO INFLUÊNCIA O PODER PÚBLICO? 

A gente precisa elevar muito a nossa maturidade analítica no setor público. Eu li um livro recentemente chamado "Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política" e eu indico fortemente para que todos os gestores públicos leiam.

A gente precisa entender rápido sobre esses novos modelos de negócios das empresas de tecnologia, que estão aí dominando uma grande massa de dados da população e entender para onde que essas organizações estão indo, para onde as inovações estão indo, e para onde está caminhando o futuro da sociedade para que se possa sentar na mesa e se consiga refletir sobre os problemas sociais de uma maneira atual. 

O setor público precisa amadurecer bastante sobre esses novos modelos de negócios que os gigantes da tecnologia operam. 

QUE INICIATIVAS PÚBLICAS DE INOVAÇÃO, CONSIDERANDO NÃO SÓ O GOVERNO DO ESTADO, VOCÊ ACREDITA QUE DEVERIAM SER IMPLEMENTADAS NO SETOR PRIVADO ATUALMENTE?

Inovação pública é entregar valor público. Quando a gente entrega valor público, a gente resolve uma dor da população.

O setor privado deve se unir com o setor público para inovar junto de uma maneira que a gente consiga entregar valor público e gente consiga melhorar a vida das pessoas. Essa união é muito importante para impulsionar ainda mais os resultados que a população precisa. 

 

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