O hub de hidrogênio verde (H2V) do Ceará está sendo desenvolvido a partir da demanda já demonstrada pelos países europeus pelo combustível, de forma que o H2V seria majoritariamente enviado ao velho continente.
No entanto, o barateamento dos custos da cadeia pode propiciar que o hidrogênio acabe sendo utilizado localmente, atraindo siderúrgicas de aço verde ao Estado.
É o que aponta Jesse VanGriensven Thé, CEO da Lakes Environmental, empresa canadense que desenvolve soluções de software ambientais. Ele explica que grande parte do hidrogênio verde produzido pelas empresas interessadas em se instalar no Ceará será destinada à produção de aço verde a ser fornecido para montadoras de veículos.
O planejamento atual prevê a produção do H2V no Ceará e o envio do produto para o Porto de Roterdã, onde seria distribuído aos compradores, que devem utilizar o combustível como matéria-prima na obtenção do aço verde.
No entanto, ele alerta que o transporte do hidrogênio será caríssimo, elevando de forma expressiva o custo da cadeia.
A desvantagem ocorre uma vez que, para ser transportado, o hidrogênio precisa passar por um processo de resfriamento, saindo do estado gasoso para o líquido, e pelo processo inverso no destino. Essa preparação é o que demanda recursos elevados, além de causar perdas energéticas.
Tendo isso em vista, Jesse propõe que as siderúrgicas de aço verde se instalem no Ceará, utilizem o hidrogênio no próprio Estado e exportem as placas já prontas.
Além da redução dos custos, a ideia geraria um efeito multiplicador de desenvolvimento no Estado superior ao da exportação do combustível.
A Mercedes Benz, por exemplo, vai precisar do vidro, da borracha, dos assentos, e por aí vai. Uma fábrica de carro gera um efeito multiplicador muito grande. Produzir o aço aqui vai causar um efeito multiplicativo muito grande e digo mais, uma vez que se instale uma indústria de aço verde, pode crescer o polo metalmecânico do Pecém, que também vai precisar de outras indústrias".
"Eu invisto R$ 1 bilhão em uma fábrica de carro e vão ser pelo menos R$ 5 bilhões de outras fábricas entrando", acrescenta.
Ele conselha que, no início da produção, 20% do hidrogênio verde fique no Ceará para ser utilizado aqui, parcela que deve ir aumentando conforme as empresas envolvidas na cadeia percebam a otimização do modelo.
Uma das siderúrgicas que poderiam se instalar aqui e que já possui protótipos de plantas de aço verde na Europa é a Thyssen, que planeja fornecer aço verde à Mercedes Benz. Jesse também pontua que a ArcelorMittal, que iniciou o processo de compra da CSP, também já está atenta a esse nicho.
Os aportes bilionários projetados devem mudar a realidade socioeconômica do Ceará, tendo em vista o volume de empregos especializados com remuneração elevada que será demandada. Uma renda maior, atrai mais produtos e serviços e de maior valor agregado, conforme Jesse.
Disponibilidade de mão de obra
A proposta também prevê ganhos para os países europeus além da redução dos custos. Jesse recorda que a população da Europa está envelhecendo, diminuindo a parcela de pessoas em idade para trabalhar. Essa tendência gera questões como a falta de mão de obra e mesmo preocupações relacionadas à manutenção da previdência dessas nações.
"Como na Europa a população está ficando velha e está entrando no mercado de trabalho menos gente do que está saindo, é de benefício para a Alemanha, por exemplo, e para o Brasil que, ao invés de exportar o hidrogênio, se produza o aço verde e entregue para a Mercedes Benz, que é uma das grandes compradoras", afirma.
Ele compara a situação com a do Japão, que desde a década de 1990 instalou suas indústrias em países com maior disponibilidade de mão de obra e utiliza os lucros para lubrificar o sistema previdenciário.
Conforme o especialista, países como a Alemanha e Holanda terão de tomar decisões semelhantes, que podem começar pelo hidrogênio e aço verde no Ceará.
"No momento, não existe nenhum outro modelo a não ser pegar as empresas alemãs, que vão perder funcionários e botar em outros países. É um processo que não estou inventando agora, estou apenas alertando para otimizar usando as metodologias que já funcionaram no passado e, portanto, dão menor risco ao investidor em potencial", argumenta.
O que é o aço verde
A diferença do aço verde para o convencional é a utilização de uma matéria-prima no processo que deixa de emitir gases do efeito estufa.
Jesse explica que, para se produzir o ferro, é necessário que se pegue o minério de ferro, que é ferrugem, o esquente e misture com um produto que reaja com o oxigênio do minério de ferro e forme o ferro metálico.
Atualmente, esse produto é o carbono que, nessa reação química, acaba produzindo CO2, um gás do efeito estufa.
No aço verde, o carbono é substituído pelo hidrogênio verde, que em vez de emitir CO2, produz água.
"8% de tudo que se emite para a atmosfera de gás de efeito estufa vem exatamente do processo de desenferrujar o minério de ferro. Nesse sentido, se elemina 8% de todas as emissões de gás de efeito estufa, se dá emprego aqui e salva a situação na Alemanha que não tem mais esse emprego disponível", ressalta Jesse.