5G pode diminuir acesso ao sinal de TV pelos mais pobres; novas antenas parabólicas são distribuídas
A nova tecnologia de internet opera na mesma faixa de frequência que transmitem canais de televisão
A chegada massificada de novas tecnologias costuma provocar um aumento da desigualdade social tendo em vista as diferenças de domínio dos recursos e mesmo de disponibilização do serviço ou produto por um período de transição.
Além da limitação de aparelhos homologados para receber a quinta geração para redes móveis, a chegada do 5G também pode limitar e impossibilitar o acesso à rede aberta de televisão para as famílias mais vulneráveis e ainda invisíveis ao poder público.
Isso porque o 5G opera na faixa de frequência de 3.6 GHz a 3.7 GHz, a mesma na qual estão hospedadas as antenas parabólicas de Banda C Satelital.
Os dois sinais na mesma frequência geram interferência um no outro, de forma que é necessária a limpeza da Banda C para a operação total do 5G.
Além de adequação das emissoras, o processo também requer a troca das antenas instaladas na casa dos consumidores. Em pesquisa rápida na internet, a reportagem encontrou os aparelhos sendo vendidos até por R$ 949,99.
Veja também
Tendo em vista os alto valores, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou a criação da Siga Antenado, entidade instituição não governamental e sem fins lucrativos formada pelas operadoras Claro, TIM e Vivo, vencedoras do leilão do 5G, responsável por auxiliar a população durante a migração das tecnologias.
A entidade está distribuindo e instalando as novas antenas parabólicas gratuitamente para famílias cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico) que ainda reportaram o uso das parabólicas antigas.
Em Fortaleza, Capital à qual o 5G foi liberado no último dia 5, está prevista a entrega de 2 mil kits nos próximos 90 dias.
Primeiras entregas
Carlos Eduardo Silva Rodrigues (43), morador de Messejana, foi um dos primeiros beneficiados da Cidade do programa. O antenista autônomo revela interesse pelo universo das antenas parabólicas desde criança e utiliza o equipamento em casa desde 2007.
Ele pontua que desde o ano passado acompanha as discussões que falam da necessidade da troca do equipamento. Dessa forma, fez a solicitação para receber o kit gratuito ainda em agosto e foi contemplado como um dos primeiros beneficiários.
Carlos relata que o tempo entre a solicitação e a instalação foi de menos de um mês.
"Me inscrevi e com cerca de dois dias ligaram para mim confirmando as informações, o tipo de equipamento que usava, etc. No dia agendado, o técnico veio pontualmente, a instalação foi rápida, ele fez os testes e já deixou tudo pronto", conta.
Com uma rotina incerteza de demanda, o técnico revela que, caso não fosse o programa, provavelmente não teria condições de realizar a trocar com recursos próprios.
Sou técnico avulso, não trabalho para empresa nenhuma, então hoje eu ganho, mas amanhã não. Foi muito bom ter sido um dos primeiros a receber. Queria até que divulgassem mais (a iniciativa), porque muita gente não sabe, está por fora"
Sobre o que mudou na experiência com a troca dos aparelhos, Carlos indica melhor qualidade de imagem e de som, apesar da quantidade de canais ainda ser menor. Segundo ele, a expectativa é que o número aumente.
A Siga Antenado esclarece que serão contempladas as famílias de menor renda inscritas em Programas Sociais do Governo Federal, que têm uma parabólica tradicional instalada e em pleno funcionamento.
Aqueles que utilizam outros sistemas de transmissão para assistir televisão, como antena digital espinha de peixe (instalada no alto da casa), antena digital interna e TV por assinatura, não sofrerão qualquer tipo de alteração.
Para efetuar o agendamento para a instalação do kit gratuito, as famílias devem ligar gratuitamente para o número 0800 729 2404 ou acessar o endereço eletrônico da Siga Antenado e inserir o CPF ou NIS.
"A Siga Antenado está preparada para atender todas essas famílias. Mas é importante salientar que, pra receber o kit gratuito, as famílias precisam estar cadastradas em Programas Sociais do Governo Federal e ter uma parabólica tradicional instalada e em funcionamento. Essa verificação é feita em três níveis: no momento do agendamento, em verificação por telefone e no momento da visita do técnico", reforça a entidade por meio de nota.
A troca dos equipamentos está prevista para ser concluída até o final de 2023. Ao todo, devem ser investidos R$ 6,3 bilhões em todo o País no processo. Os recursos são provenientes de parte do que as operadoras pagaram no leilão do 5G.
Aumento da desigualdade
O coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vitor Hugo Miro, alerta que dificuldades de acesso contribuíram para excluir pessoas, à exemplo do que aconteceu durante a pandemia com o acesso à internet de qualidade, que acabou limitando oportunidades de trabalho e ensino a uma parcela da população.
"A tecnologia 5G poderá estabelecer um novo patamar na forma como produzimos, armazenamos e acessamos informações, com impactos significativos nos mais diversos setores da sociedade. No entanto, como toda tecnologia nova, ela apresenta custos mais elevados no início do seu ciclo, e isso pode aprofundar desigualdades de acesso aos seus benefícios", ressalta.
Ele lembra que as antenas parabólicas convencionais ainda são bastante comuns em áreas com menor acesso aos sinais digitais, como em municípios do Interior do País e em áreas rurais.
Pensamos que o acesso ao sinal de TV é um bem supérfluo, direcionado apenas ao entretenimento, mas a TV aberta representa mais do que isso, constituindo ainda no principal acesso à informação de um contingente considerável da população"
O pesquisador avalia que, sem uma iniciativa que evite essa exclusão do sinal de TV, como é o caso da distribuição gratuita dos kits com antena digital, a desigualdade gerada pode ser relevante. Ele afirma que iniciativas como o Siga Antenado ainda não teve divulgação prévia ampla.
"É importante uma divulgação ampla, que atenda ao público que pode ser beneficiado, que está cadastrado no CadÚnico, e mesmo para os domicílios que não são elegíveis, uma vez que substituição dos equipamentos podem representar um custo inicial inesperado", argumenta.
Procura satisfatória
O gerente regional substituto da Anatel no Ceará, Wanderson Moreira Brito, afirma que a procura pela solicitação dos kits gratuitos tem sido satisfatória.
Neste primeiro momento, como Fortaleza é a primeira e única cidade do Ceará por enquanto a receber o sinal do 5G, o número de antenas parabólicas analógicas a serem trocadas é baixo, tendo em vista a boa cobertura e qualidade do sinal digital.
À medida que o serviço comece a chegar em cidades do Interior, o trabalho de divulgação e substituição dos equipamentos ultrapassados deve ser intensificado.
Quando teve a chegada da TV Digital no Interior, que tinha a distribuição dos aparelhos de conversão, o trabalho foi no Interior foi mais complexo que Capital, precisava de atenção maior. Conforme formos interiorizando o 5G, a divulgação em jornais, carros de som, prefeituras, vai ser maior"
Ele detalha que, até julho de 2023, o 5G e a troca das antenas parabólicas sejam iniciadas em cidades com população a partir de 500 mil habitantes, e até o fim do mesmo ano para municípios de 200 mil a 500 mil habitantes.
"As últimas cidades do Ceará que vão receber a cobertura do 5G, de acordo com a meta, são aquelas de até 30 mil habitantes. Isso está previsto para acontecer até dezembro de 2029, mas acreditamos que seja antecipado, já que é uma tecnologia que vai acrescentar muito na sociedade. As operadoras seguem os clamores do mercado, que está ávido", ressalta.