Cearense transforma dura realidade da periferia em dança contemporânea e leva espetáculo para Suíça

Projeto de Wellington Gadelha chegará aos palcos da cidade de Zurique, nesta semana. E, ao final do mês, retornará para apresentações em Fortaleza

Escrito por Wolney Batista , wolney.santos@verdesmares.com.br
Legenda: No palco, artista considera que não está só, mas junto às mensagens emitidas por meio dos materiais
Foto: FOTO: PRISCILLA SOUSA

Definido pelo autor como uma "ação cênica, preta, favelada, urbana e transversal", o espetáculo de dança contemporânea "Gente de lá", do cearense Wellington Gadelha, toca em uma ferida que sangra cotidianamente nas favelas da capital cearense mas também em lugares à margem de outras grandes cidades brasileiras.

"Venho trabalhando a dança, atravessando com as artes visuais, que parte de uma pesquisa que eu estou chamando de 'corpo roleta russa', que discute e reflete questões no que dizem respeito às chacinas cotidianas aqui da cidade de Fortaleza e pensar também no massacre estrutural da população negra no nosso País", situa Wellington.

O trabalho se debruça a propor uma nova forma de ver o negro na dança, explica o artista. "Sobretudo de pensar e repensar territórios de violência, circuitos de segregação no contexto urbano", acrescenta.

Contemplado pelo edital Rumos Itaú Cultural 2017-2018, o projeto chegará ao palco Tanzhaus Zürich, em Zurique, na Suíça, nesta semana. E, ao final do mês, retornará para apresentações em Fortaleza.

Foto: FOTO: SAN CRUZ

"A partir do momento em que foi aprovado no Rumos, soou com mais força coisas que até então a gente tinha deixado engavetadas", recorda Wellington sobre a criação do espetáculo em 2017, dentro de um laboratório da Escola Porto Iracema das Artes, ao lado dos artistas baianos Luiz de Abreu e Leonardo França. Hoje, ele trabalha junto com Priscilla Sousa e a  interlocutora dramatúrgicaThereza Rocha.

As tais "coisas" citadas pelo cearense, hoje complementam a atuação dele no palco. "O trabalho mudou no sentido dramatúrgico. Quando saí do laboratório, tinha células de cenas, um breve roteiro. Atualmente, há um diálogo, especificamente com as materialidades, que é algo que comprei muito forte. Porque eu tô entendendo esses materiais enquanto corpo dentro do trabalho. Eu busco explorar esse aspecto relacional do corpo que é som, é música, é objeto, é ação, é espaço, é iluminação. Isso, pra mim, é corpo e materialidade dentro do trabalho".

Em cena ao lado de sacos, cordas, sirenes e areia, ele conta que tenta enfatizar os aspectos simbólicos dos objetos. "Eu trabalho com um saco preto, onde ele, dentro da leitura da favela, é um local no qual a gente tá sempre direcionado a ir. O preto dentro do saco preto. E aí eu tento reinventar pra que essas materialidades falem de outras coisas, sobretudo falar de vida, de como é que eu entro e reinvento esse saco".

Morador do Autran Nunes, Wellington detalha que sempre leva a areia do bairro para utilizar no espetáculo, junto a grãos da orla. "Comecei a pensar esse 'corpo roleta russa' dentro dos circuitos que passo pela cidade, porque circulo entre vários coletivos (de arte). Pelo fato de circular por esses locais todos, sempre tinha um local-útero pra mim, que é onde eu moro. E aí eu trabalho com dois tipos de areia: a vermelha, o barro do meu bairro, e a areia de praia, porque geralmente esses coletivos estão localizados no litoral de Fortaleza. Durante o desenrolar cênico, essas areias se encontram e produzem a 'macumbinha' do trabalho".

Foto: FOTO: PRISCILLA SOUSA

Questionado sobre quem é essa gente de lá, ao qual o título se refere, o cearense desfia. "Primeiramente sou eu: preto, favelado e urbano. Mas essa gente de lá é justamente esse local que muitas das vezes a gente é colocado. Que não necessariamente são locais, são pessoas que possuem memórias, que são totalmente silenciadas e propositalmente exterminadas. Porque, pro outro, é sempre aquela pessoa de lá", conta.

A gente é o todo

Na estreia, em março, no Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), Wellington teve a percepção que o espetáculo ainda não estava fechado e caberia mais um importante ato. Ao fim da apresentação, com o microfone aberto para a plateia, houve participação com diálogos e poesias.

"É tão massa, porque permite essa abertura também. Eu entendo, hoje, dentro do campo da dança, que a minha dança é o cotidiano, o espetáculo cênico é só um dispositivo. Porque esse espetáculo não é só eu dançando lá, é esse depois. É isso que fica e perpetua".

Serviço

Espetáculo Gente de lá

Data: 27 de abril 
Horário: 18h30
Local: Centro Cultural Chico da Silva (Rua Nossa Senhora das Graças, 184, Pirambu)
Gratuito

Data: 11 de maio
Horário: 18h
Local: Cuca Barra do Ceará (Av. Presidente Castelo Branco, 6417, Barra do Ceará)
Gratuito

Data: 18 de maio
Horário: 19h
Local: Cuca Mondubim (Rua Santa Marlúcia, s/n, Mondubim) 
Gratuito

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