Como lidar com a saudade de alguém que está vivo e de alguém que morreu?
Ensinou-me meu avô enlutado ao sorrir, dançar e cantar a saudade de quem mais amava.
A saudade dói e nos faz chorar, ensinou-me meu avô ao cantarolar diariamente: “quem parte leva saudades de alguém, que fica chorando de dor [...]”! Cantava meu avô, referindo-se, eu acredito, ao seu filho, meu pai, a quem perdera quando tinha apenas trinta e um anos. Eu, com apenas três anos, tão cedo passei a viver os mistérios da morte e da saudade nunca abrandada.
Hoje, milhões de pessoas estão sem ver seus pais – por razão da necessária quarentena em razão da prevenção da Covid-19 –, estes sem ver os filhos, namorados sem ver namoradas, irmãos, sobrinhos, amigos entre tantas outras relações. Destaco que estão quase todos vivos. Alguns, infortunadamente, mortos.
Às pessoas que não perderam ninguém que amam eu garanto: a dor de agora vai cessar, o desejo de estar junto sem dúvida será agraciado, muitos reencontros serão emocionantes recompensando o tempo de afastamento, o choro engasgado irá acontecer entre lágrimas e sorrisos.
Enquanto isso não for possível de acontecer o que devem fazer os saudosos? Demonstrem sua saudade; liguem e escutem a voz de quem amam; usem a tecnologia e façam chamadas de vídeo; ou usem a delicadeza de uma “atitude vintage” (se assim posso chamar) e escrevam uma carta de próprio punho (mesmo que para lhes entregar após a quarentena); escutem a música que lembra a pessoa amada e lhe diga que logo cantarão e dançarão juntos; comam a comida que te faz lembrar uma data especial em que estiveram juntos e lhe diga que logo poderão repetir; olhem os álbuns de fotos e ria e chore relembrando momentos, mas na certeza de que logo mais fotos serão tiradas porque mais momentos acontecerão.
Façam isso agora. Vejam quão ricas são as possibilidades de quem sente saudade de quem está vivo. Notem quão privilegiados são por sentirem saudade de amores vivos. Fazendo menção à música novamente, que ao final nos fala “[...] o dia já vem raindo meu bem, eu tenho que ir embora”, entendo que se trata de uma pessoa viva e que, se desejar, voltará um dia ao encontro de quem ama. Logo vos digo: novos dias irão raiar e a todos que amam e estão vivos poderão encontrar.
Aos que perderam pessoas para essa doença terrível que os pegou de surpresa sem os permitir compreender o que estaria por vir, sem dar-lhes a possibilidade de despedida ou mesmo de participar dos rituais de luto eu lhes digo que sinto muito, realmente serão lutos dolorosos sem os abraços tão necessários. Eu os entendo e sei que a vida vai parecer ser diferente, passando a ter novos sentidos, assim como a morte também mudará de conotação.
A saudade por vezes ainda os fará sentir dor e chorar como disse a música. Ao contrário do que meu avô talvez em sua fantasia desejasse, sobre um possível retorno, essas pessoas amadas não voltarão para dar-lhes o último adeus. Saber disso pode ser desolador, sem explicação lógica que aplaque essa que parece ser a maior dor humana. Entretanto, lhes digo também, que dias, semanas e meses irão raiar e então sentirão que poderão fazer como meu avô, cada um ao seu modo, cantarolar (ou escrever, ou apenas lembrar, entre outras ações) a dor e saudade, não deixando que a perda de quem lhes era essencial os deixe apáticos à vida, aos que ainda amam e que também os ama, bem como a própria relação de amor consigo.
Assim me ensinou meu avô enlutado ao sorrir, dançar (por vezes ele ensaiava uns passinhos) e cantar a saudade de quem mais amava.
Layza Castelo Branco Mendes
Psicóloga, doutora em Saúde Coletiva e professora da UECE