Risco de poluição: 118 mil imóveis de Fortaleza com acesso a esgoto não se conectam à rede oficial

Nem todas as ligações são clandestinas, mas nenhuma delas está conectada da forma adequada, explicou a Cagece

Escrito por Thatiany Nascimento e Gabriela Custódio ,
esgoto em rua
Legenda: A falta de conexão pode resultar em ligações irregulares, como quando os efluentes gerados nos imóveis têm destinação inadequada provocando poluição ambiental
Foto: Camila Lima

Ter todos os imóveis de Fortaleza acessando um serviço básico, o esgotamento sanitário, embora seja um direito elementar, ainda é um desafio de grande proporção. Tanto porque uma parte considerável da cidade ainda carece de cobertura, já que em Fortaleza, o esgotamento sanitário alcança 66,63% do território, como porque, em paralelo, dos 631 mil imóveis que dispõem da rede, segundo a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), cerca de 118 mil, o que equivale a 18,7%, não estão conectados ao serviço mesmo que a ação seja um dever do usuário previsto em lei. 

A falta de conexão, na prática, pode resultar, muitas vezes, em ligações irregulares, como quando os efluentes gerados nos imóveis têm destinação inadequada provocando poluição ambiental. É o caso, por exemplo, do esgoto despejado na rede de drenagem (que deve colher águas pluviais). A informação foi apresentada pelo presidente da Companhia, Neuri Freitas, durante coletiva de imprensa na tarde de segunda-feira (4). 

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Na ocasião, a Cagece tornou público um relatório de ações da instituição em relação a 22 endereços listados pela Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), onde existiriam ligações clandestinas à rede de drenagem, gerando impacto nas águas da Praia de Iracema, em Fortaleza. No momento, além da questão específica de comprometimento da rede de drenagem, o presidente da Companhia abordou essa outra dificuldade que precisa ser enfrentada por órgãos da gestão estadual e da municipal. 

Conforme a Cagece, a rede pública de esgoto de Fortaleza alcança 631,6 mil imóveis e desses, somente 513,5 mil estão conectados e outros 118,1 mil a rede está ociosa (não conectados). 

“Para ter ideia, temos 118 mil imóveis em Fortaleza que a rede passa na porta e as pessoas não se interligam. Algumas estão se utilizando desse procedimento de fazer ligação clandestina na drenagem, que identificamos. Outras podem estar jogando esgoto na rua, outras podem estar jogando esgoto em uma fossa, muitas vezes inadequada. E essas pessoas precisariam se interligar à rede de esgoto de forma adequada”.
Neuri Freitas
Presidente da Cagece

O que precisa e deve ser feito?

A Lei Federal do Saneamento, N. 11.445/2007, estipula que a conexão às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis é obrigatória e dever do usuário. Na ausência dessas redes, diz a norma, “serão admitidas soluções individuais de abastecimento de água e de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, observadas as normas editadas pela entidade reguladora e pelos órgãos responsáveis pelas políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos”.

Logo, se há disponibilidade de rede, a conexão é obrigatória. No caso da Cagece, Neuri explica que há um convênio com a Prefeitura, mais especificamente com a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), que deve identificar quem está ligado à rede de esgoto e quem também está lançando água de chuva (drenagem) na nessa rede - fato que não deve ocorrer. “A gente troca informações e fiscaliza para que o município identifique o que é de competência dele. A Cagece fiscaliza a rede de esgoto e o município a drenagem”, acrescentou. 

Questionado sobre o que é possível fazer quando é identificado que, mesmo com a disponibilidade, não existe a ligação, Neuri diz que a Cagece: “vai lá e tenta orientar e educar, mas eu não posso obrigar porque eu não tenho o poder de polícia. Quem tem que fazer isso, se depois de educar, de mostrar, não for feito (ligação com a rede de esgoto), quem tem que fazer isso é o município. Esse é o primeiro ponto. Onde tem rede de esgoto, obrigatoriamente todos deveriam tá interligados. Por quê? Porque tá na lei. É obrigatório. Na lei federal, na estadual e na municipal”. 

Legenda: A Cagece tornou apresentou um relatório de ações em relação a 22 endereços listados pela Seuma, com ligações clandestinas à rede de drenagem, gerando impacto nas águas da Praia de Iracema
Foto: Kid Júnior

No monitoramento dessa conexão, a Cagece, após o trabalho de identificação e contato com os usuários não conectados, diz Neuri, “manda todos os nomes para o município e o município tem que fazer valer o poder de polícia e obrigar a interligar”. 

O Diário do Nordeste entrou em contato com a Agefis, na noite de segunda-feira (4), para saber se a Prefeitura tem ciência dos números apresentados pela Cagece, como é feito o trabalho para garantir que os imóveis devem se conectar à rede de esgoto e qual o panorama constatado pelo município no caso dessa situação. A assessoria da pasta informou que os questionamentos deveriam ser enviados à Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e a reportagem assim procedeu. Mas, até a publicação desta matéria, não obteve resposta às questões enviadas. 

Limites e expansão da rede de esgoto

O fato de a rede de esgoto não ser universal na cidade é uma limitação que gera inúmeros gargalos. Onde não tem rede de esgoto ainda, diz Neuri, “as pessoas deveriam construir fossas”. 

“O esgoto vai chegar, vai, mas tem um tempo. A PPP (Parceria Público-Priva) hoje contratada tem até 2033 para chegar a 90% de cobertura. Precisa de tempo para fazer as intervenções nas ruas de Fortaleza. Você não pode fazer tudo de uma vez porque era um caos dentro da cidade do ponto de vista de logística da cidade e também precisa de muito dinheiro ao mesmo tempo”. 

Segundo o Novo Marco Legal do Saneamento, Lei Federal 14.026, sancionado em julho de 2020, as companhias devem universalizar os serviços até 2033: 90% de atendimento para esgotamento sanitário e 95% para abastecimento de água.

Impactos da falta de ligação à rede de esgoto

Essa falta de conectividade à rede coletora gera impactos econômicos, ambientais e de saúde pública. O primeiro efeito citado pelo professor titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), André Bezerra dos Santos, é a perda de receita para a operadora de saneamento, o que tem reflexo na capacidade de novos investimentos para a melhoria da infraestrutura como um todo.

“Imóveis não ligados à rede coletora não geram receitas para a companhia. Aqueles investimentos que foram feitos na colocação de rede coletora e o próprio tratamento de esgoto contempla o recebimento dessa parcela de edificações de imóveis que não estão ligados”, afirma.

Em seguida, o professor elenca o efeito ambiental, uma vez que muitos desses imóveis são ligados de forma irregular a redes de drenagem. Como não há tratamento atrelado à água oriunda das tubulações de drenagem, resíduos sólidos e redes de esgoto clandestino acabam se misturando e alcançando oceanos, lagos, lagoas e rios, aumentando a poluição. Como resultado, há perda da qualidade da água e sérios impactos nos padrões de balneabilidade.

“Por exemplo, percebemos bastante que, nos períodos de chuva, a primeira coisa que acontece é exatamente que o padrão de balneabilidade divulgado nos boletins já é grandemente afetado, então algumas praias passam a ser impróprias para banho”, complementa o docente.

Há ainda imóveis que adotam soluções individuais de tratamento de esgoto — como tanques sépticos seguidos de sumidouro — previstas para casos em que o local não for atendido diretamente pela rede pública. 

“Essas previsões do saneamento existem exatamente para contemplar essa população mais difusa. Mas, se temos uma rede coletora passando, inclusive o amparo legal obriga essas pessoas a se ligarem (a ela). O grande problema é que não há fiscalização e punição dessas pessoas”, afirma. 

Sousa também cita a falta de incentivos financeiros como possível fator para não realizar a obra de ligação à rede coletora. “(Sem a conexão), ela não vai pagar pelo esgoto. Querendo ou não, há também um impacto na economia das famílias por essa ligação. Por outro lado, tem que haver uma conscientização da importância de saúde pública e ambiental dessa ligação e dessa obrigação legal que não está sendo cumprida.”

Uma vez que os esgotos contêm um conjunto de agentes químicos e microbiológicos que causam doenças, esses imóveis em situação irregular também podem expor as pessoas a riscos de saúde. “Se esses esgotos chegam em uma água subterrânea, a partir de um tanque séptico — popularmente como fossa — ou de uma ligação clandestina em uma rede de drenagem que desemboca em um rio ou no oceano, isso traz também um conjunto de riscos também para a população que entra em contato com esse tipo de dejeto”, finaliza.


 

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