Por que a dengue é uma das maiores preocupações para a saúde do CE em 2026?

Sorotipo da doença não circula com força no Estado há cerca de duas décadas.

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
Um agente de endemias da Prefeitura de Fortaleza coleta amostras de água em um reservatório azul, durante inspeção de rotina para combate ao mosquito Aedes aegypti.
Legenda: Visitas de rotina de agentes de endemias e limpeza de reservatórios devem ser estimulados em todos os municípios do Ceará.
Foto: Fabiane de Paula.

Após um ano de baixa transmissão de dengue em todo o Ceará, a principal preocupação das autoridades de saúde para 2026 é o retorno do sorotipo 3 (DENV-3), que voltou a circular em municípios do Interior neste ano. 

A informação é do secretário-executivo de Vigilância em Saúde do Estado, Antonio Silva Lima Neto (Tanta), em entrevista ao Diário do Nordeste. O epidemiologista alerta para o risco de uma nova epidemia diante da ausência prolongada desse tipo viral no território cearense.

“Nós tivemos um ano espetacular, de muito baixa transmissão, com surtos muito localizados”, explica o gestor. “Mas houve a reintrodução do vírus dengue 3, e essa é a nossa principal preocupação para 2026, porque é um sorotipo que há muito tempo não circula no Estado”.

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A partir de junho de 2025, a vigilância laboratorial do Estado detectou novamente o DENV-3 em áreas de Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte e Barbalha, municípios das regiões do Vale do Jaguaribe e do Cariri, próximas à divisa com Pernambuco - estado que já havia registrado surtos recentes com predominância do mesmo sorotipo. 

Segundo a Sesa, a reintrodução desse tipo interrompeu nove anos sem registros no Estado. “Isso nos acende o alerta. Pernambuco teve surtos importantes, e como estamos ao lado, precisamos estar muito atentos”, reforça o secretário.

Os primeiros casos autóctones, ou seja, transmitidos dentro do próprio território cearense, foram identificados após o fim da quadra chuvosa. Segundo o secretário, os registros ocorreram em áreas rurais com baixa densidade populacional e vetorial, o que contribuiu para conter a propagação. 

“Os casos ocorrem ali, mas não há um adensamento populacional grande. Se eles tivessem acontecido em um período de chuvas, com alta infestação do mosquito, o cenário poderia ser outro”, aponta.

Até a semana epidemiológica 43 (até o dia 25 de outubro deste ano), o sorotipo 3 foi isolado 20 vezes no Estado, segundo a plataforma IntegraSUS.

Cenário de transmissão no Estado

Até a semana 41 deste ano (dia 11 de outubro), foram confirmados 4.097 casos de dengue no Ceará, sendo oito casos graves e nenhum óbito. No mesmo período do ano passado, foram 10.946 casos, com 15 casos graves e seis óbitos. As informações são da Planilha de Notificação Semanal (PNS) da Sesa.

Ainda conforme os levantamentos, outras duas arboviroses tiveram redução: a chikungunya passou de 711 casos, em 2024, para 561, em 2025; já o zika permanece com registros zerados, após dois casos em igual período do ano passado.

De transmissão mais recente, a febre do oropouche foi a única com aumento: em 2024, foram 231 casos, sendo seis em gestantes; já neste ano, está com 706 casos, sendo três em grávidas.

Quatro tipos da dengue

A dengue é causada por quatro sorotipos diferentes do vírus (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). A exposição prévia a um deles gera imunidade específica, mas não impede a infecção por outro tipo. Infecções de sorotipos distintos, aliás, aumentam o potencial de formas graves da doença.

Segundo Tanta, boa parte da população cearense nunca teve contato com o DENV-3, o que aumenta a vulnerabilidade coletiva. O último registro significativo de circulação dele no Ceará ocorreu entre 2003 e 2007, quando o vírus provocou surtos regionais, mas sem alcançar a amplitude das grandes epidemias causadas por outros tipos. 

De acordo com a Sesa, desde então, os casos foram esporádicos e controlados. “O dengue 3 nunca provocou uma epidemia imensa como o dengue 1, o 2 ou o 4”, lembra Tanta.

Ou seja, já são cerca de duas décadas sem registros mais intensos. Ainda assim, a Secretaria monitora de perto as condições climáticas e a presença do vetor Aedes aegypti, especialmente no início das chuvas, quando o risco de disseminação aumenta. 

“Estamos pensando em fazer alertas especiais, inclusive no Cariri, porque já começou a chover esporadicamente. A atenção agora é redobrada”, reforça Tanta.

Mão de homem segura um recipiente laranja com água parada mostrando larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya.
Legenda: Vigilância de focos do mosquito é essencial diante de surtos em estados vizinhos.
Foto: Nah Jereissati.

Medidas de contenção

O gestor destaca que o enfrentamento depende sobretudo do trabalho cotidiano das equipes municipais e da colaboração da população. 

“O que mais importa é o dia a dia. Quando você tem aumento de infestação súbita, às vezes você não está com a rotina em dia ou tem muitas áreas descobertas, então você tem que ter esse diálogo claro com a comunidade”, afirma.

Entre outras medidas em estudo estão o uso de tecnologias biológicas, como os mosquitos com Wolbachia - bactéria que impede a transmissão da doença -, e a ampliação da vacinação contra a doença, por enquanto exclusiva para o público de 10 a 14 anos. 

“A gente teve um ano de baixíssima transmissão, mas temos que estar muito atentos porque o DENV-3, de fato, é uma ameaça sanitária para vários estados da região Nordeste”, conclui o secretário-executivo.

Saúde Única

Para Tanta, o combate à dengue e outras doenças depende cada vez mais da integração entre diferentes áreas de atuação, seguindo o conceito de Saúde Única (ou One Health). Cada vez mais discutido entre especialistas, ele parte da ideia de que a saúde humana está interligada diretamente à saúde animal e ao equilíbrio ambiental. 

Trata-se de um paradigma adotado por organismos internacionais e pela Medicina Tropical para prevenir e enfrentar novas pandemias de forma mais eficiente. 

A lógica é simples: o próximo vírus de relevância, por exemplo, pode circular entre animais silvestres e, à medida que o ser humano se aproxima desses ambientes, cria oportunidade para o chamado “spillover”, quando o vírus “salta” de uma espécie animal para o homem e se espalha rapidamente.

Ou seja, ao alterar os ecossistemas e reduzir a biodiversidade, o ser humano expõe a si mesmo a novos riscos sanitários com potencial pressão sobre o sistema de assistência à saúde, como foi no caso da pandemia da Covid-19.

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