Pesquisadores criam planos para definir uso de cada açude do Ceará frente à iminente seca em 2024
Ao Diário do Nordeste, o pesquisador Assis de Souza, da UFC, falou sobre a ideia que já foi aplicada a 6 reservatórios e deve chegar aos 157 monitorados.
A ocorrência de seca no Ceará é um fenômeno secular que, de tempos em tempos, dado o grau de severidade faz com que o Estado fique em alerta frente aos impactos. Em 2024, as evidências até agora, indicam que haverá novamente o fenômeno e, portanto, o momento agora é de planejar medidas preventivas que possam mitigar efeitos, como a restrição de acesso à água, com a ocorrência de poucas chuvas e a baixa recarga dos reservatórios no Estado. Essa semana, o Governo do Estado deve, inclusive, apresentar um plano estratégico para atuação em 2024.
No sentido de prevenção, uma das medidas, já em curso, que nasceu da parceria entre a academia e a gestão pública, mas precisamente entre a Universidade Federal do Ceará (UFC) e órgãos como a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), é a produção dos chamados: Plano de Gestão Proativa de Seca de cada um dos 157 reservatórios de água monitorados pela Cogerh no Estado.
Com ele, cada açude terá um documento normativo no qual constará, dentre outros, as características das vazões, a relação oferta-demanda e os riscos toleráveis.
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Em entrevista ao Diário do Nordeste, o engenheiro civil e pesquisador Francisco de Assis de Souza Filho, que é professor do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC, cientista-chefe da área de Recursos Hídricos da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) e membro do Comitê Assessor de Engenharias e Ciências Ambientais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), falou sobre o andamento dessa proposta.
No plano, explica ele, são projetados cenários de níveis do reservatório, divididos em normal, alerta, seca e seca severa. Munidos desse conjunto de dados, as comissões gestoras dos reservatórios, os comitês de bacias e a comunidade do entorno poderão definir, por exemplo, como será a alocação negociada da água, ou seja, estabelecer os parâmetros adotados diante das demandas por diferentes usos como o abastecimento humano, a indústria e a agricultura e a pouca disponibilidade.
São exemplos de sistemas que já possuem o plano: Patu, Fogareiro-Quixeramobim, Tejuçuoca, Carnaubal, Jaburu e Missi.
1. Na última grande seca que tivemos no Ceará, entre 2012 e 2016, um conjunto de medidas que vai desde a infraestrutura com eixos de integração e grandes obras, até políticas como a tarifa de contingenciamento foram adotadas. O que temos diferente hoje que pode nos preparar melhor diante do risco de uma quadra com poucas chuvas?
O primeiro ponto importante é que essa questão das secas no Ceará elas não são uma questão setorial de recursos hídricos, elas são uma questão sistêmica geral pro Estado em função dos impactos econômicos, na qualidade de vida das pessoas que a seca tem gerado.Em função disso, o Ceará vem construindo, ao longo de muitas décadas, um conjunto de infraestruturas físicas e infraestruturas institucionais para lidar com essa questão.
Hoje, no Estado, nós temos uma estocagem de água com capacidade de estocagem de água razoavelmente grande, 18,5 bilhões de metros cúbicos armazenados. A gente tem uma rede de adutoras importante no Estado para levar água, as transposições de bacias internas ao estado do Ceará e agora também a Transposição de São Francisco.
Então, no decorrer desse período foi construída essa infraestrutura física e também, e principalmente, uma infraestrutura institucional. Aí tem a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos, a Funceme, os comitês de bacia. Mecanismos para lidar com a escassez, como é o caso da alocação negociada de água em que vão discutir os usuários, a sociedade civil e o poder público municipal, estadual e federal o que se faz em cada um desses reservatórios.
O que aconteceu de novo, nesse último ciclo que a gente está vivenciando, é que em vários reservatórios do Estado estão tendo agora o que a gente chama de planejamento proativo. O planejamento proativo de seca é exatamente não esperar que a seca chegue para poder definir quais medidas serão adotadas.
Vários reservatórios estão tendo o plano proativo que é definir zonas no reservatório e assim que a água começa a diminuir vai ter uma zona que é normal; aí libera água pra muita gente. Depois se o reservatório entrar em alerta, então a gente já reduz essa água.
Para cada um dessas zonas, além de definir faixas de liberação que vão ser discutidas depois como se dará a utilização dessa disponibilidade pela alocação negociada de água, temos medidas e ações para mitigar os efeitos da seca.
2. Esses planos são desenvolvidos por bacia? Por reservatório?
É por reservatório. Cada reservatório tem seu plano. Então, já tem alguns que foram feitos. Ainda não se universalizou. Acho até que esse processo tem que ganhar mais velocidade, mas a Cogerh, juntamente com a UFC, as comissões gestoras de açudes e os comitês de bacia estão desenvolvendo esses planos que eu acho que é um avanço.
Vai ser lançado pelo Governo um plano com ações estratégicas para conviver com a seca. Estamos antecipando um ponto importante. Estou falando se houver essa seca de 2024.
Tem outras ações estruturantes que o Ceará está desenvolvendo, como é o caso do Projeto Malha D'água também, que vai tentar trabalhar melhor essa questão da distribuição de água para as populações. Tem avanços. E essas ações são complementares a essa infraestrutura física e essa infraestrutura institucional.
Essa alocação negociada de água é exatamente para a sociedade discutir qual seria a forma de apropriação, da forma de utilização daquela água, como é que vai ficar o racionamento de cada um dos usos.
3. Há alguns anos, no escopo do Programa Cientista-Chefe Recursos Hídricos, se falou na produção do Plano de Seca do Ceará. É esse trabalho? Em que pé está?
Nesse planejamento de secas no Ceará, um dos documentos dentro do Cientista-Chefe é exatamente o plano proativo de seca por reservatório. Pressuponha que tem um reservatório, então a gente agora vai definir esse reservatório por zonas. Vai ter uma zona que a gente vai chamar de normal; uma zona de alerta; uma região que é de seca e outra seca severa.
Quando o reservatório está no estado normal, tem uma quantidade de água que você libera e algumas ações que você vai realizar nesse reservatório. Quando ele entra em alerta, aí indica que tem que ter cautela. Reduz aquela vazão liberada pros outros usos, até um certo racionamento, e você começa a ter medidas de conservação. Avisar a população, aumento da fiscalização nos trechos de rio. Tem um conjunto grande de medidas que podem ser adotadas.
4. Quantos reservatórios estão com esses planos já feitos?
Atualmente, tem por volta de 8 a 9 reservatórios que a gente já tem esse processo de planejamento.Tudo dentro de plano que é mais perene. Ele pode ser utilizado por vários anos.
E ele é complementar essa alocação negociada de água. Porque no plano já dá vazões de referência, quanto de água poderia tirar e que medidas têm. Mas quem decide para quais são os usos que vão utilizar aquela água e se flexibiliza um pouco mais a retirada ou não, é a alocação negociada de água com as comissões gestoras e com os comitês de bacia.
5. A ideia é fazer com que todos os reservatórios monitorados pela Cogerh ganhem esse plano?
E a ideia é obviamente expandir. Estamos discutindo com o Governo a possibilidade de fazermos essa universalização dessa ferramenta que são os planos proativos de seca. É viável fazer essa expansão, a partir do que a gente já vem desenvolvendo com a Cogerh. Tudo vai depender dos recursos financeiros. A gente imagina que em até um ano e um ano e meio a gente consegue fazer para todos.
A UFC, trabalha junto com a Cogerh, trabalha a quatro mãos na parte técnica e a tomada de decisão e a construção é muito discutida com as Comissões Gestoras de reservatórios e os Comitês de bacia.
6. No atual momento, se fala muito sobre a implantação do processo de dessalinização da água do mar em Fortaleza. Qual a dimensão desse projeto no processo de garantia de acesso à água e na diversificação da matriz de abastecimento de água no Ceará?
Hoje, por exemplo, temos do ponto de vista de águas superficiais, temos 157 reservatórios monitorados pela Cogerh, um estoque de água 18,5 bilhões de metros cúbicos mas, por exemplo, armazenado atualmente no Ceará a gente tem 7,5 bilhões. É um percentual de 30% a 40%. Se a gente olhar algumas áreas no Estado, pegar o Sertão de Crateús, temos só 20% do estoque de água. Mesmo esse ano de 2023 tendo sido o melhor ano, do ponto de vista de aporte de água dos reservatórios, dos últimos doze anos.
Você pega o Curu, com 27%. O Médio Jaguaribe, inclusive com Castanhão, com 24%. Então, tem regiões do estado que são razoavelmente fragilizadas. Em função disso é importante exatamente o que você está dizendo, a ampliação da matriz de abastecimento.
Primeiro, os mananciais superficiais são essenciais e estratégicos. Há uma complementaridade aí, mas principalmente para a parte Leste do Estado e para Fortaleza das águas oriundas do São Francisco. Essas águas do São Francisco, vamos ter por volta de 10 metros cúbicos por segundo, que é uma oferta menor do que a demanda de Fortaleza antes dessa última seca.
Fortaleza e Região Metropolitana até o Pecém, em 2012, chegou a demandar 12 metros cúbicos por segundo. Então, o São Francisco, sem contar com as perdas, que vão ser também importantes, é 10 metros cúbicos por segundo. O São Francisco é um manancial importante, no entanto, ele não contempla toda a demanda instalada, nem mesmo a de Fortaleza. Precisamos mesmo pensar em ampliar essa matriz de abastecimento do Estado.
Na ampliação, onde houver possibilidade, cabe utilização de água subterrânea, principalmente no Apodi e no Araripe. Temos que avaliar, de forma mais precisa, a disponibilidade hídrica desses aquíferos. Mas eles estão mais na borda do Ceará. Na parte central e também na costa, não vamos ter uma uma oferta hídrica tão importante quanto a desses dois. Então, vamos ter que pensar na utilização de mananciais não convencionais.
6. Nos quais se inclui a dessalinização do mar?
Esses mananciais assim não são tão convencionais no dia a dia, a gente tem que pensar muito fortemente em reuso da água. Reconhecer que o esgoto não é o resíduo, mas é um recurso. Esse conceito é importante. Esgoto não é um regido, ele é um recurso, ele é um recurso que pode vir a ser utilizado de forma mais ampla e aí podemos pensar nesse reuso tanto do ponto de vista do sistema geral de Fortaleza, da rede coletora, como o que a gente vai chamar de águas negras.
A Cagece tem pensando nisso. A primeira vez que se pensou nisso foi em 1998 no Plano de Bacias da Região Metropolitana. E a Cagece fez um avanço importante recentemente numa nova concepção de reuso, porque para se ter ideia, de cada dez unidades que entram em uma casa, oito unidades voltam na forma de esgoto. Hoje, através do emissário submarino ou através de outros locais, uma parte importante dessa água de retorno que vai para o mar.
Poderíamos reutilizar essa água. Para a indústria, refrigeração de caldeira, para alguns usos menos nobres. Então, eu acho que devemos considerar o reuso da água negras e também das águas cinzas, que são aquelas águas que a gente lava mão, toma banho em casa. Às vezes, com um pequeno tratamento dentro de casa mesmo.
E não obstante para ter reuso tem que ter o uso. Se não tem uso não tem reuso. Então, em uma seca mais geral, não tem água para se utilizar e não vai ter tanta água para se reutilizar.
Nesse caso, de secas mais gerais, de maior escala e mais e mais longas, pensar no reuso e em alguns outros mananciais que não estejam relacionados de forma direta à oferta hídrica, as ofertas das bacias hidrográficas do Ceará.
Isso retorna a importância da utilização da Transposição do São Francisco, que vai ligar a gente a outro sistema, outros estoques de água. E entra também na equação a questão da dessalinização de água do mar, como sendo também uma possibilidade de um outro manancial, não muito convencional.
Com isso, avaliamos o que reduz significativamente os riscos de colapso de água e aumenta de forma importante a segurança hídrica dos grandes centros urbanos do Ceará, no caso aqui, Fortaleza e Região Metropolitana.
Com relação ao interior e até mesmo as regiões metropolitanas do interior, eu avalio que um projeto importante venha a ser o Malha D'água, porque ele pretende ligar de forma mais direta o abastecimento das sedes municipais dos principais distritos aos reservatórios. Isso reduz de forma importante as perdas de transporte de água que ocorrem.
O transporte espacial da água está sendo feito por adutores e aí essas adutoras também vão estar associadas a reservatórios com capacidade de transportar água por muitos anos à frente, que são esses grandes reservatórios plurianuais.
Com isso, eu acho que também vai dar possibilidade importante e é uma possibilidade boa de reduzir os riscos de falha do abastecimento e aumento da segurança hídrica para cidades do interior do Ceará e região metropolitana dos municípios do interior.
7. A UFC anunciou recentemente a criação do Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (CEPAS), o qual será presidido pelo senhor. O que é esse Centro que agrega diversos laboratórios e o que ele tem para oferecer ao poder público e a sociedade para mitigar possíveis efeitos da seca?
Foi criado pela UFC como órgão suplementar da Reitoria. Ele vai abrigar vários laboratórios e uma das questões centrais para a criação do Cepas é que esse problema de recursos hídricos não é somente ligado a parte geográfica, às ciências da natureza, engenharia, são problemas lidado à geociência e às dimensões sociais, dimensões políticas, com processo de participação social. Então, a questão de recursos hídricos requer uma atuação transdisciplinar.
Esse Centro ele inova no sentido de a gente, pela 1º vez, a gente juntar tantas áreas de conhecimento para poder analisar, pensar e propor políticas públicas para determinados problemas. Ele é singular do ponto de vista da abordagem multidisciplinar. Essa questão, dada a complexidade, requer o aporte de conhecimento.
O segundo ponto é que o Cepas e que ele tem como proposta não só desenvolver estudos básicos associados a essa questão, ele pretende apoiar a construção de políticas públicas na área de recursos hídricos. É um centro de conhecimento aplicado. É essa ação de extensão da universidade se relacionar com a comunidade, com um amplo diálogo com as instituições do Estado, para melhorar o processo de gerenciamento de recursos hídricos e melhorar a qualidade de vida das pessoas.