Homem desaparecido é enterrado como indigente em Fortaleza; família só foi comunicada 6 meses depois

Irmã foi chamada para receber laudo pericial 192 dias após a morte de Anselmo Filho

Escrito por Felipe Mesquita, Nícolas Paulino e Lucas Falconery , ceara@svm.com.br
Legenda: Família articulou o andamento da investigação com apoio da Secretaria dos Direitos Humanos e Defensoria Pública
Foto: Acervo pessoal

Seis meses após o desaparecimento de Anselmo Domingues Nunes Filho, em Fortaleza, a família finalmente recebeu a informação oficial sobre seu paradeiro: a vala de um cemitério, onde está enterrado como “indigente”. O homem de 51 anos estava morto desde o mês em que sumiu, e a família denuncia a demora das autoridades de segurança em identificar o corpo e aponta uma falha no cruzamento das informações genéticas. Um procedimento judicial será necessário para que a família possa sepultar o ente.

Segundo a irmã, Gladys Silveira, em entrevista ao Diário do Nordeste, Anselmo Filho desapareceu no dia 3 de agosto de 2023. Avistado pela última vez no bairro Monte Castelo, ele tinha esquizofrenia e Parkinson, e enfrentava outras complicações de saúde. Como morava sozinho com a mãe, de 81 anos, pode ter escapado num momento de descuido.

"Ele estava num processo de troca de medicação, e a gente acredita que ele teve um surto”, aponta a irmã. Após o registro do desaparecimento, diz ela, houve poucas movimentações da investigação junto à 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), unidade especializada em desaparecidos da Polícia Civil cearense. 

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"Todos os dias, nós da família e os amigos colocamos cartazes em vários municípios do Estado e nas ruas de Fortaleza", frisa sobre a intensa campanha para divulgar o caso também nas redes sociais.

Foram espalhados cartazes em postes e ônibus; câmeras de segurança foram mapeadas, e buscas por diversos bairros foram realizadas até durante as madrugadas.

Em meio à movimentação, o material genético de uma irmã de Gladys foi colhido para facilitar a identificação caso algum corpo desse entrada na Perícia Forense do Ceará (Pefoce). Após uma audiência pública que discutiu a situação de desaparecidos no Estado, no fim de agosto, o material genético da mãe de Anselmo também foi colhido, com a promessa de um resultado mais certeiro.

Legenda: Família pede justiça para o caso
Foto: Acervo pessoal

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que, devido ao avançado estado de decomposição do corpo, o tempo para processar a amostra dentro dos padrões adequados foi prolongado. Além disso, apontou que foram realizadas buscas e divulgação do desaparecimento. 

Família aponta falha nos procedimentos

A família da Anselmo não precisou fazer nenhum reconhecimento de corpos encontrados sem identificação devido à coleta do material genético. Contudo, no dia 29 de janeiro deste ano, a família foi surpreendida com uma ligação para colher o DNA da mãe do desaparecido (procedimento feito em setembro do ano passado).

"Por volta de 35 dias depois do desaparecimento, a Polícia Civil e a Secretaria de Direitos Humanos solicitaram à Pefoce que fosse colhido o DNA da minha mãe para ter 100% de acerto. A Pefoce foi na casa da minha mãe, e um médico colheu o material”, lembra Gladys. 

Apesar dos procedimentos realizados, houve uma falha no cruzamento das informações, como acredita a irmã. A solução desse problema veio pela insistência da família em entender a situação com o apoio da Defensoria Pública e da Secretaria de Direitos Humanos.

Legenda: Campanhas foram realizadas para solucionar o caso
Foto: Acervo pessoal

Com a articulação feita por Gladys, que nesse período passou a visitar constantemente às instituições envolvidas no caso, o material genético colhido ainda em setembro foi analisado e, a partir disso, o corpo de Anselmo foi identificado. 

"O material da minha mãe não foi para o banco, e eles não cruzaram as informações. Durante todos esses meses tivemos o sofrimento da minha mãe e da minha família. O nosso sofrimento não seria evitado, mas por que prolongar tanto? Quem assume o erro?”, questiona.

Desfecho do caso

Esse sofrimento pela espera de uma resposta durou até a última sexta-feira (24), quando a Pefoce entrou em contato com Gladys para esclarecer que Anselmo havia sido sepultado sem identificação. Ela compareceu ao local achando que iria reconhecer um corpo, conforme a convocação.

Na nova visita, Gladys descobriu que o corpo sem vida do irmão foi localizado no dia 16 de agosto, apenas 13 dias após o desaparecimento. Ainda faltariam outros 192 até a família ser comunicada sobre o destino do parente. Segundo o laudo pericial, ele teria sido vítima de um mal súbito. Como não tinha documentos, foi sepultado numa vala comum do Cemitério Público do Bom Jardim.

Na saída do local, Gladys gravou um vídeo demonstrando toda sua indignação: "As famílias que sofram, que busquem justiça por conta própria, porque não existe justiça aqui", desabafou na publicação.

Centenas de famílias vivem a dor de procurar por justiça e passam por uma verdadeira maratona de humilhação. Humilhação de pedir à Polícia para fazer o trabalho dela e de bater de porta em porta para fazer com que os direitos prevaleçam.
Gladys Silveira
Irmã da vítima

Após assimilar a série do que considera “erros”, a irmã afirma que outra luta está começando: a de conseguir justiça pelo caso e obter a autorização para levar o corpo do irmão para o jazigo da família. “Nada vai apagar esses dias difíceis que vivemos”, relata ela, que convive com depressão e ansiedade.

O que diz a Secretaria de Segurança 

A Secretaria da Segurança Pública informou ao Diário do Nordeste que “devido às condições de deterioração, não foi possível a identificação do corpo através da papiloscopia, método técnico, na qual a identificação é realizada por meio das papilas dérmicas".

Após a realização de exames e avaliação necroscópica pela Coordenadoria de Medicina Legal (Comel/Pefoce), não foram encontrados sinais de violência. A causa da morte não pôde ser determinada devido ao estado do corpo, completou a SSPDS.

A Secretaria acrescentou que a coincidência genética no banco foi obtido com o material genético da irmã da vítima, mas o resultado não foi considerado adequado. Por isso, conforme a SSPDS, foi feita a análise com o material genético materno. O laudo foi liberado no dia 23 de fevereiro, confirmando a coincidência genética.

Sobre o apoio dado aos familiares, a Secretaria afirmou que “desde o registro do desaparecimento até o momento a família vem sendo atendida e acolhida pelos órgãos de Segurança Pública”

A Pefoce esclarece que a identificação genética de corpos em situação mais delicadas ocorre empregando métodos técnico-científicos mais complexos que requerem um tratamento mais específico para a identificação do perfil genético e a devida identificação através do DNA. A Pefoce reforça, ainda, que realiza todos os procedimentos legais relacionados a exames cadavéricos para subsidiar a Justiça e as investigações. 

Já sobre a investigação do desaparecimento, a Polícia Civil apontou que foram realizadas “diligências ininterruptas, inclusive aos finais de semana e feriados. Os trabalhos policiais, que estavam a cargo da 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), contaram com a realização de busca ativa, oitivas e encontros com a família que ocorreram desde o momento em que a 12ª Delegacia do DHPP tomou conhecimento do desaparecimento”, detalhou.

Além das diligências, conforme a Polícia Civil, a “unidade especializada buscou apoio para os trabalhos de busca, contando com o auxílio do Departamento de Inteligência da Polícia Civil (DIP), e com delegacias de todo o Estado, bem como de policiais civis de outros estados da federação”, pontuou.

Legenda: Família compartilha a angústia do período de buscas
Foto: Acervo pessoal

Os trabalhos policiais contaram também, de acordo com a Polícia Civil, com a divulgação em telões de led de uma empresa parceira na divulgação do banner oficial do homem desaparecido em diversos terminais de ônibus, em estacionamentos de shoppings e outros espaços públicos. E, também, após uma parceria com a Secretaria de Esporte (Sesporte) do Governo do Ceará, ocorreram exibições de banners de pessoas desaparecidas, durante o Campeonato Brasileiro em partidas na Arena Castelão. 

“Por fim, sobre esse caso e outros que chegam à 12ª Delegacia do DHPP, a PCCE esclarece que, são realizados todos os esforços de investigação e de busca com o auxílio das Forças de Segurança e de órgãos parceiros até a localização da pessoa desaparecida”, concluiu a SSPDS.

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