Ex-funcionários do Centro Cultural Bom Jardim denunciam gestora por assédio moral e sexual
O grupo também relata uma série de perdas de direitos trabalhistas e de oportunidades de crescimento somente por desejo pessoal da gestão
Um grupo de pelo menos oito ex-funcionários do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), equipamento do Governo do Ceará, se uniu em uma ação coletiva no Ministério Público do Trabalho (MPT) no último mês de novembro para denunciar uma gestora do local por assédio moral e até sexual, e alegam conivência por parte do órgão e do Instituto Dragão do Mar (IDM), que divide a gestão do local e é responsável pelos recursos. Questionadas, as entidades afirmaram que um Comitê de Ética atuou nos casos e disseram priorizar "eficiência, a transparência, a ética e o cuidado com as pessoas em sua atuação".
As denúncias datam desde o ano de 2021, e segundo as vítimas há relatos de constrangimentos para que eles não façam reclamações. Conforme os denunciantes - que terão a identidade preservada por motivos de segurança - uma gestora do CCBJ, cujo nome também será mantido em sigilo em razão do processo estar em andamento, destratava funcionários e tentava descredibilizá-los constantemente. Em alguns casos, ela teria impedido possibilidades de crescimento na empresa, não renovando o contrato de pessoas por "motivos pessoais".
O MPT confirmou que há pelo menos três processos trabalhistas contra o CCBJ e o IDM, que estão em sigilo. Pelo menos dois deles estavam em investigação ativa. O Diário do Nordeste entrou em contato por telefone com a gestora, mas ela preferiu não comentar as denúncias.
Assédio moral e sexual
O caso mais grave relatado é o de um ex-técnico-administrativo, que contou à reportagem ter sofrido assédio sexual pela gestora durante alguns meses, entre o fim de 2021 e o começo de 2022. A gestora começou a oferecer caronas ao colaborador, que morava longe, e teria iniciado uma série de investidas.
"Ela começou a relatar experiências sexuais dela e deu a entender estar disponível para mim, pois já havia feito sexo com outras pessoas que tinha dado carona. Ela chegou a colocar a mão dela em seu órgão sexual quando o carro parava nos sinais", relata.
O assédio escalonou quando, segundo a vítima, ela o chamou para dormir na casa: "Sempre em investidas veladas e querendo me passar mensagens". Ele relatou o fato em Boletim de Ocorrência (B.O) feito no 30º Distrito Policial, no bairro São Cristóvão.
Em nota, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) informou que investiga uma denúncia de assédio moral e sexual feita por um homem de 31 anos, "que teria ocorrido em seu ambiente de trabalho, localizado no bairro Bom Jardim". O caso está no 32° Distrito Policial (DP), unidade policial que conduz as investigações na região.
O denunciante relatou ainda que a situação o deixou "constrangido e sem saber o que fazer". "Minha ficha foi caindo aos poucos, pois foi ficando mais grave. Depois conversei com psicólogos e o advogado e me senti envergonhado". Ele informou que abriu um processo judicial pela violação.
"[...] Eu nunca demonstrei qualquer comportamento que estimulasse as investidas ou insinuações sexuais da supervisora. Também principalmente por não me sentir atraído física ou sexualmente por mulheres, fato esse que era do conhecimento de todos da instituição, inclusive da própria supervisora", comenta a vítima.
Meses após as investidas de cunho sexual findaram, pois a gestora e o funcionário tiveram uma discussão quando ele passou em uma seleção para ter sua carteira assinada e ela tentou mudá-lo de setor. Ele conta que o assédio passou a ser moral, e que ela o destratava e o perseguia no ambiente de trabalho. A vaga era para o setor administrativo, o denunciante foi um dos selecionados, como consta em um e-mail institucional de 4 de maio de 2022.
Eventualmente, ele ficou no setor como CLT após não aceitar ser trocado, e relembra que a gestora passou a ignorá-lo e dificultar seu trabalho. Ele acabou demitido por ela, em novembro de 2022, por "não entregar atividades e relacionamento interpessoal ruim com a equipe de trabalho".
"Após a minha saída da empresa, os antigos colegas de trabalho me relataram que a supervisora continuou difamando a minha imagem profissional e o meu nome, afirmando falsamente que eu havia dado prejuízos financeiros à empresa, que eu não entregava as demandas de trabalho e que meu relacionamento interpessoal com os colegas de trabalho era péssimo", relata.
'Ambiente adoecedor'
Outra ex-funcionária corrobora a denúncia de assédio moral por parte da gestora. Ela, que foi a primeira do grupo a acionar a Justiça, também afirma que outros gestores do CCBJ e do IDM receberam os relatos, mas não tomaram providências e chegaram até a tentar intimidar colaboradores que denunciavam comportamentos inadequados.
"Fizemos denúncias ao código de ética do IDM e sempre que fazíamos eles faziam reuniões conosco nos coagindo pedindo para quem fez aquilo se identificar", comenta a ex-colaboradora. Em resposta ao Diário do Nordeste, a entidade disse que o Código de Ética publicado em 2022 garante "demandas anônimas ou identificadas" e que tem um canal "formado por uma comissão isenta com autonomia para apuração.
A ex-colaboradora, inclusive, ganhou um processo trabalhista na 1ª Vara do Trabalho de Fortaleza em 28 de outubro contra o IDM, por exercer o trabalho de CLT sendo prestadora de serviços por meio da figura Microempreendedor Individual (MEI). A condenação resultou em um valor de R$ 47,980,92, mas o Instituto recorreu.
O começo desse processo veio após o contrato dela acabar em março de 2023, depois de tentativas de pleitear um contrato permanente e com carteira assinada serem frustradas pela gestora, que a "descredibilizou" e tinha "motivos pessoais" contra ela.
"Tem uma pessoa que está adoecida mentalmente e fisicamente e continua lá atualmente. Todo mundo trabalha sob pressão, todo mundo faz terapia. É um ambiente adoecedor e bastante pesado. Falam muito em relação ao trabalho periférico, mas não valorizam o trabalho dos periféricos, dos pretos e dos LGBTs. Era para ser um ambiente leve, mas não era", desabafa.
Uma das pessoas que faz parte do grupo que se juntou para a ação coletiva no MPT, também trabalhava sob o comando da gestora e foi demitida no 9º mês de gravidez e, antes, chegou a trabalhar em área externa, no sol e em condições pesadas. Ela também sofreu com abusos psicológicos da gestão e diz que teve várias crises de ansiedade.
"Me colocaram em condições precárias para trabalhar, onde pegava chuva caso chovesse, muita luz e o que tinha de apoio era uma mesa de plástico e cadeira de plástico. Na última semana da minha gravidez, me chamaram e disseram que iam fazer a rescisão do contrato. Sendo que um mês antes eu entrei em contato com a profissional de recursos humanos do equipamento para saber como ia ficar meu contrato e ela tinha me alegado que estava vendo com o jurídico, mas que possivelmente ia ter um aditivo para pausar o contrato na licença maternidade. Mas não foi o que ocorreu", conta.
Sobre os processos trabalhistas, o IDM disse que à medida que é notificado, "os setores envolvidos atendem e encaminham com transparência e diálogo, encarando novamente os fatos e condições".
"No caso de quaisquer decisões sobre profissionais da rede, todas são feitas com escuta, avaliação técnica da pessoa profissional envolvida, sendo esta realizada por diferentes figuras da gestão, desde o setor direto até a gestão do equipamento, evitando a possibilidade de perseguição ou personalização no processo", pontua o Instituto.
Entidade confirma denúncias
Conforme nota do IDM, que administra o CCBJ, o Comitê de Ética confirma que recebeu denúncias "sobre questões de assédio moral e relacionamento com a equipe".
O caso de assédio sexual envolvendo a colaboradora, entretanto, não chegou ao conhecimento do Instituto, "seja através de escutas realizadas pela equipe de Gestão de Pessoas do IDM, pela gestão do próprio CCBJ nem nos canais de denúncia existentes".
"Em 2023, três visitas foram realizadas pelo Comitê ao CCBJ e mais de 10 pessoas de diferentes setores foram ouvidas", aponta a nota.
Ainda segundo o IDM, um profissional alvo de denúncia foi afastado, mas eles não confirmaram se foi a gestora em questão: "Um dos encaminhamentos, por exemplo, foi o afastamento de profissional envolvido na denúncia. Importante destacar que a CLT estabelece direitos para quem denuncia e para quem é denunciado, de modo que é imperativo a garantia do contraditório e da ampla defesa. O IDM segue também atento aos avanços das decisões do Supremo Tribunal Federal e outras instâncias, usando-as como referência para pautar suas condutas".
Leia a nota do IDM na íntegra:
O Instituto Dragão do Mar (IDM) é a instituição responsável pela gestão do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), equipamento público da Secretaria da Cultura do Ceará. O IDM tem priorizado, especialmente, nos últimos anos a eficiência, a transparência, a ética e o cuidado com as pessoas em sua atuação.
Nos últimos anos, o CCBJ ampliou seus recursos e uma parcela considerável deste montante foi destinado a investimentos na gestão de pessoas, com ações desde a contratação de celetistas até reorganização de equipes. Essa ação segue sendo prioridade do equipamento e seguirá sendo feita em 2024.
A gestão do IDM tem se aproximado e acompanhado mais de perto a sua rede, que hoje conta com 16 equipamentos, chegando a participar inclusive das reuniões do Fórum no caso do CCBJ. Segue realizando investimentos na modernização dos processos administrativos - novos processos, tecnologias e treinamentos - de modo a viabilizar melhores formas de trabalho para a ponta. Especificamente para Gestão de Pessoas, o IDM conta hoje com uma consultoria especializada que auxilia na reorganização de setores, desenvolvimento de lideranças, reformulação de processos e práticas ágeis para modernizar a área. Por parte do CCBJ, nesta mesma área, foi contratada uma consultoria de clima organizacional, que encaminhou planos de ações que foram e seguem sendo atendidos, reconhecendo a importância desta questão.
Em julho de 2022, o IDM publicou seu Código de Ética, que se encontra disponível no site do IDM, e iniciou os trabalhos do Comitê de Ética, que recebe demandas anônimas ou identificadas, de toda a rede ou em sua própria sede, formado por uma comissão isenta com autonomia para apuração.
Neste Comitê, chegaram denúncias relacionadas ao CCBJ, todas apuradas e encaminhadas, algumas com citação ao Setor Administrativo-Financeiro sobre questões de assédio moral e relacionamento com a equipe. Para as denúncias recebidas, as apurações são feitas através de escutas com as pessoas envolvidas.
Em momento algum chegou ao conhecimento do IDM nenhuma denúncia relacionada a assédio sexual envolvendo a colaboradora, seja através de escutas realizadas pela equipe de Gestão de Pessoas do IDM, pela gestão do próprio CCBJ nem nos canais de denúncia existentes.
Em 2023, três visitas foram realizadas pelo Comitê ao CCBJ e mais de 10 pessoas de diferentes setores foram ouvidas. Um dos encaminhamentos, por exemplo, foi o afastamento de profissional envolvido na denúncia. Importante destacar que a CLT estabelece direitos para quem denuncia e para quem é denunciado, de modo que é imperativo a garantia do contraditório e da ampla defesa. O IDM segue também atento aos avanços das decisões do Supremo Tribunal Federal e outras instâncias, usando-as como referência para pautar suas condutas.
Sobre os processos judiciais e trabalhistas, conforme o IDM é notificado, os setores envolvidos atendem e encaminham com transparência e diálogo, encarando novamente os fatos e condições. No caso de quaisquer decisões sobre profissionais da rede, todas são feitas com escuta, avaliação técnica da pessoa profissional envolvida, sendo esta realizada por diferentes figuras da gestão, desde o setor direto até a gestão do equipamento, evitando a possibilidade de perseguição ou personalização no processo.
Seguimos na busca da melhoria e qualificação contínua do nosso corpo de gestores e de nossos processos e normativos. Ressaltamos que o IDM vem trabalhando nesse sentido, realizando atividades formativas e de sensibilização sobre boas práticas de gestão de pessoas. Essas ações, em conjunto, visam criar condições institucionais para garantir um ambiente de trabalho saudável, justo, de confiança mútua e transparência.