Erosão e construções irregulares são problemas mais comuns em barragens do Ceará; entenda
Equipamentos públicos são vistoriados pelo Estado antes e depois da quadra chuvosa, mas parte dos açudes privados padece de manutenção
O rompimento de barragens é um dos principais medos de quem vive próximo a açudes do Ceará. Na quadra chuvosa, a preocupação com os equipamentos – públicos ou privados, grandes ou pequenos – reacende o alerta: como está a manutenção dessas estruturas?
Em Itapajé, por exemplo, onde casas de uma rua inteira alagaram após fortes chuvas, neste mês; móveis e roupas secavam nas calçadas enquanto um receio dominava os moradores: “nosso medo é essa barragem aqui perto arrombar e levar tudo”.
O Diário do Nordeste acessou os relatórios de inspeções feitas pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) em 2022 em cerca de 90 barragens do Ceará, e traz, aqui, quais os problemas e reparos necessários mais comuns.
Na barragem de Itapajé, por exemplo, a última vistoria foi feita em junho de 2022, e não foi identificado nenhum problema grave. A ficha de inspeção aponta apenas “árvores e arbustos” que precisam ser removidos, além de construções irregulares em áreas de proteção do reservatório. A barragem foi listada como “prioridade média” para recuperação.
Já a barragem São José II, em Banabuiú, foi classificada como “prioridade máxima”. Além de construções irregulares em áreas de risco, foram identificadas erosões em diversos pontos. Nenhuma, porém, representa nível de perigo elevado à segurança, segundo a Cogerh.
barragens foram listadas com nível máximo de prioridade para receberem reparos. Outras 27, nível médio; e 42 tinham prioridade mínima, segundo relatórios da Cogerh – responsável por monitorar 157 açudes.
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“Prioridade máxima não significa risco”
Inspecionar essas estruturas pelo menos uma vez ao ano é obrigação legal: seja pública, no caso da Cogerh; seja dos proprietários, no caso de açudes privados. No Ceará, os técnicos aplicam um “checklist” para avaliar as estruturas, como explica Itamara Taveira, gerente de Segurança e Infraestrutura da Cogerh.
“Todas as estruturas da barragem são analisadas: taludes, vertedouros, estruturas de saída e entrada. Se tiver problema, o técnico identifica e faz o relatório. Também monitoramos, através da instrumentação, como a barragem está se comportando”, pontua.
A classificação de prioridade é para uso interno: temos de saber onde alocar recursos. Mas se a barragem está com ‘prioridade máxima’ de recuperação, não significa dizer que está em risco, e sim que precisa de reparos de maior porte.
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A gestora frisa que “mesmo que a barragem não esteja com prioridade máxima de recuperação, ela passará por manutenção” todo ano.
“Em algumas das 19 (com prioridade máxima) já estamos fazendo recuperação desde janeiro. Em outras, o nível de prioridade está mais relacionado à necessidade de um estudo, de avaliação da estrutura, e não necessariamente a uma obra de intervenção”, explica Itamara.
Problemas mais comuns
Uma rodovia cearense, a CE-240, está com bloqueio total após “barragens da região” extravasarem e inundarem a via em Miraíma, a cerca de 2km do centro, como informa a Superintendência de Obras Públicas (SOP).
A destruição da estrada é um dos exemplos do impacto que açudes, mesmo pequenos, podem gerar. É justamente nas barragens menores, privadas e fora da agenda de vistoria de órgãos públicos que reside o perigo, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Quase 90 mil barragens foram mapeadas por órgãos estaduais de recursos hídricos do Ceará, entre 2008 e 2019. Do total, só 157 são monitoradas pela Cogerh.
Assis Souza Filho, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), observa que “as grandes barragens sempre são monitoradas, já as pequenas não” – e estas, em alguns casos, “têm problema desde a construção”.
“É um dos maiores desafios. Alguns desses reservatórios não sabemos nem que volume tem. Há uma dificuldade operacional, porque o custo desse acompanhamento pelo Estado seria altíssimo”, lamenta o especialista.
Ele lista, ainda, que requisitos uma barragem precisa ter para ser segura:
- Segurança hidráulica e hidrológica: ter estudos bem feitos, que quantifiquem as cheias que chegam e os riscos associados, para que se possa dimensionar os sangradouros. O correto dimensionamento, com engenheiro capacitado, é importante.
- Segurança geotécnica: boa parte das barragens do Ceará é de terra, então o maciço tem que ser bem compactado. Se não tiver uma boa compactação, ocorre o piping – a barragem fica encharcada e a água começa a sair do lado oposto ao reservatório. Ela perde capacidade e se rompe.
Já tivemos arrombamento de grandes barragens, como no Orós, em 1960, por exemplo; e no Arneiroz, ambas durante a construção. Tanto que foram construídas duas vezes. Mas nas grandes barragens, a probabilidade de romperem é muito baixa.
Sandra Baima, doutora em Engenharia Civil e professora do campus de Russas da UFC, reforça que “essas pequenas açudagens particulares são construídas sem nenhum critério técnico, suporte nem projeto ou acompanhamento por engenheiro, muitas vezes”.
Dessa forma, ela critica, não há um dimensionamento correto, podendo levar ao rompimento. “Elas não são projetadas para suportar o aporte que acontece durante o inverno. 100% dessas barragens que rompem são particulares”, informa a professora.
A barragem precisa ser construída a partir de critérios técnicos, para que suporte as cheias com segurança. Já a manutenção é basicamente a retirada da vegetação, para dar livre vazão à sangria, e o combate à erosão.
Já Assis acrescenta que além do mau dimensionamento, cheias excepcionais – como a que temos visto nas cidades cearense neste ano – podem levar ao rompimento das estruturas.
“Numa cheia muito maior do que o natural no vale do rio, todo o volume estocado é liberado instantaneamente e gera uma enchente significativa. Se as pequenas barragens estiverem em locais mais altos, pode gerar uma cascata: um pequeno açude vai ‘jogando’ água ao outro”, ilustra.
O que fazer para proteger as barragens
Apesar de ser desafiadora, a fiscalização e o aumento do rigor na autorização para construção de novos açudes devem ser os pilares do trabalho do poder público, como avalia o professor da UFC.
Entre as medidas possíveis, ele sugere:
- Durante a construção, qualquer financiamento deve exigir a outorga;
- Que os novos reservatórios, para terem outorga, tenham registro no CREA, com responsabilização de um engenheiro, para se delimitar responsabilidade civil e técnica pelo projeto;;
- Aos já construídos, discutir uma política similar à inspeção predial: de tempos em tempos, o empreendedor precisa enviar ao Estado um relatório de inspeção da barragem.
No Ceará, o decreto estadual nº 31.076/2012 estabelece as exigências e a documentação necessárias para processo de outorga de construção de açudes e outros reservatórios. “Dessa forma, todas as barragens devem ser outorgadas e incorporadas ao Cadastro Estadual de Barragens”, pontua a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), em nota.
Segundo a Pasta, a quem compete a fiscalização das barragens não monitoradas pela Cogerh, a vistoria das estruturas inseridas no cadastro é anual, “priorizando aquelas consideradas críticas”.
“Quando há constatação de inação do empreendedor, a SRH emite notificação exigindo o cumprimento das manutenções. O empreendedor é informado que, perante a legislação vigente, ele é o responsável legal pela segurança da barragem e pela reparação dos danos causados, independentemente da existência de culpa”, completa a secretaria.
Como denunciar barragem irregular
Caso a população precise denunciar uma barragem privada que possa oferecer risco à segurança de uma região, deve fazê-lo por meio dos canais oficiais da SRH:
- Ouvidoria, no site;
- Célula de Segurança de Barragens - (85) 3101-4056 ou e-mail: segurancadebarragens@srh.ce.gov.br