De dores no corpo a estresse tóxico: que efeitos o uso excessivo de telas gera em crianças e adultos
Novas gerações são mais vulneráveis, mas múltiplos prejuízos da hiperconexão também chegam com força aos mais velhos
As luzes e cores das telas são, hoje, guias da nossa rotina. Quantas das 24 horas passamos diante de celular, computador e TV? A resposta pode ser indigesta, assim como os prejuízos dessa hiperconexão – que afetam do corpo à mente de crianças e adultos.
Em 2050, metade do mundo será míope, segundo a Academia Americana de Oftalmologia. No Ceará, obesidade e doenças crônicas, potencializadas pelo sedentarismo, têm avançado em todas as idades – assim como insônia e transtornos mentais.
Num nível ou em outro, parte dos problemas está relacionada à corrida sem freio que fazemos rumo às telas, cujo uso excessivo gera efeitos nocivos à saúde ocular, ao corpo, ao sono e à própria capacidade de socializar.
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Danos à visão
A chegada de pacientes com “cansaço visual e as síndromes do olho seco e do desconforto ocular relacionados ao uso do computador” é frequente nos atendimentos da oftalmologista Sarah La Porta Weber, professora de Medicina da Universidade de Fortaleza.
“Usando computador ou celular, a pessoa pisca menos, o olho resseca e ela força mais a visão”, explica a médica, reforçando que “dor de cabeça e sensação de areia no olho” são as queixas mais comuns entre os cearenses.
Muitas vezes, a dor de cabeça está relacionada à necessidade de grau de óculos, mas em outras não: é só pelo uso excessivo. Tem gente que tem essas queixas e não precisa de lentes.
Para o pequeno Marcelo, 7, dois fatores se somaram: a predisposição à miopia e o uso precoce e excessivo do celular. O resultado foram 5 graus de óculos para corrigir a dificuldade extrema de enxergar de longe.
“Ele começou a usar as telas desde muito pequeno, mas na pandemia aumentou muito: como eu ia manter uma criança de 5 anos entretida, em casa direto? Ele ficava de manhã na aula online e de tarde vendo vídeos”, relembra a mãe, Samanta Sales, 31.
Samanta diz que ela mesma tem problemas de visão, mas acredita que as telas aceleraram o aumento do grau de miopia de Marcelo. “Começou a afetar no colégio, ele não enxergava o que estava no quadro. Levei ao médico e fiquei sem reação com o resultado”, pontua.
Duas horas são o tempo máximo que crianças de 2 a 5 anos podem passar diante das telas. Para as mais novas que isso, o uso deve ser proibido, alerta a oftalmologista Sarah La Porta. Para os adultos, há dicas importantes para manter a saúde ocular:
- Regra dos 20: a cada 20 minutos usando uma tela, olhar por 20 segundos para algo que esteja a uma distância de 60 metros. Isso relaxa a musculatura do olho;
- Fazer avaliações periódicas anuais com um oftalmologista;
- Usar antirreflexo especial com filtro de luz azul nos óculos de grau;
- Parar o uso de telas pelo menos 1 hora antes de dormir.
Sedentarismo e saúde do corpo
À exceção de alguns jogos de videogame, estar diante de uma tela se opõe à ideia de movimento. “As práticas corporais, que principalmente na infância são extremamente necessárias, ficam impossibilitadas”, como destaca Ricardo Hugo Gonzalez, professor do Instituto de Educação Física e Esportes (Iefes/UFC).
O sedentarismo, então, se torna chave para diversos problemas de saúde, “desde as doenças crônicas não transmissíveis até aquelas relacionadas a estresse, ansiedade e depressão, cita o pesquisador.
Em relação aos cearenses, um dos problemas é a falta de espaços suficientes para essa prática de forma segura. Os hábitos mudam e as pessoas ficam muito mais tempo à frente das telas como atividade de lazer.
Além disso, a ergonomia imposta pelo uso dos smartphones, por exemplo – cabeça baixa, costas curvadas –, é um risco importante para crianças, adolescentes, adultos e até idosos. Entre os possíveis efeitos nocivos à saúde corporal, como lista Ricardo Hugo, estão:
- Prejuízos à postura;
- Problemas precoces na coluna cervical e no pescoço;
- Danos à visão;
- Alterações no sono e no estado de humor.
Danos à saúde mental
Somada ao corpo, as mentes infantil, juvenil e adulta também podem sucumbir aos danos do uso excessivo das telas, resultando num sentimento perigoso, segundo analisa a psicóloga Carolina Ramos: a solidão.
“Ali, na tela, você não precisa de ninguém. E isso em excesso pode trazer um grande prejuízo social, emocional e cognitivo. Quando a criança está diante da tela, por exemplo, não é estimulada a buscar o outro, a criar brincadeiras, resolver problemas, se comunicar.”
É entre os pequenos, aliás, que residem os principais riscos, embora alguns se apliquem também aos adultos:
- Atraso na fala;
- Dificuldade no controle inibitório (agir por impulso);
- Deficiência em desenvolver habilidades sociais, que podem perdurar até a vida adulta;
- Egocentrismo acentuado, com dificuldade de lidar com situações que a contrariem;
- Ansiedade;
- Irritabilidade;
- Imediatismo, já que nas telas tudo é “agora”.
A psicóloga chama atenção ainda para um conceito importante que pode ser potencializado pela imersão num mundo mediado por telas: o estresse tóxico, que ocorre quando a situação ou contexto que causa o adoecimento mental se prolonga por muito tempo, “interrompendo o funcionamento saudável do cérebro” – como na pandemia.
“A criança pode começar a sentir mais medos, ansiedade, insônia, terror noturno, comportamento agressivo, desregulação alimentar. Quando o estresse comum se prolonga, atinge o nível tóxico. E os adultos estão expostos também”, pontua Carolina.
O adulto pode ficar mais irritado, diminuir a tolerância à frustração, ter ansiedade mais elevada, irritabilidade, insônia, sensibilidade mais aguçada. Adultos que não se viam chorando se percebem mais sensíveis.
Uma pesquisa da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, sob consultoria da Kantar Ibope Media, mostrou que o uso de celulares e tablets em todas as classes sociais saltou de 15% para 59% entre crianças de 0 a 3 anos, durante os meses de isolamento.