Da ciência ao turismo: saiba por que a repatriação de fósseis no Ceará mobiliza pesquisadores

Nos últimos 3 anos, 1.036 peças foram recuperadas de outros países e 1.200 foram devolvidas pela própria população

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Legenda: As peças serão usadas para divulgação científica e estudos na Universidade
Foto: Acervo Urca

São vestígios de dinossauros, insetos, peixes e tartarugas, dentre outros, preservados em pedaços de rochas: os fósseis estão em abundância no Ceará. Parte desse patrimônio cearense foi levado embora para comércio em outros países, mas 1.036 peças foram recuperadas e 1.200 foram devolvidas pela própria população nos últimos 3 anos.

Os registros são do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, na Região do Cariri, que abriga o maior acervo de fósseis do Estado. Essas peças registram a história da vida na Terra e podem embasar estudos sobre a mudança no Planeta.

Nesta semana foi comemorada a maior repatriação da história brasileira com 998 peças avaliadas em 1 milhão de euros pela Justiça da França, onde estavam.

Ainda neste ano, o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, um representante raro da espécie, voltou ao Estado após ter sido levado ilegalmente para a Alemanha. Em 2021, uma peça também foi recuperada na Itália. Em 2021, 36 fósseis cearenses foram repatriados dos Estados Unidos.

Legenda: Cerimônia reuniu autoridades locais e regionais no Cariri
Foto: Acervo Urca

Além disso, a própria população do Cariri que possui fósseis decorando a casa ou guardados entre os móveis contribui devolvendo as peças com a campanha “Lugar de Fósseis é no Museu", desde 2019, recuperando 1.200 fósseis nesse período.

Essa retirada dos fósseis de ambientes naturais, comercialização em feiras locais e tráfico para outros países se fortaleceu na década de 1990. Os paleontólogos estimam que ainda há milhares de peças cearenses espalhadas pelo mundo com cerca de 15 processos de repatriação em aberto.

“É uma riqueza nossa, é um bem da união, um patrimônio que não devemos abrir mão e são fósseis que explicam a história da vida na Terra, de aproximadamente 110 milhões de anos”, resume Carlos Kleber Nascimento de Oliveira, reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca).

Confira o balanço

  • Lugar de Fósseis é no Museu: 1.200 
  • Operação Santanaraptor: 254
  • Campanha força-tarefa: 210 
  • Universidade do Kansas: 36
  • Polícia Federal: 29
  • Polícia Ambiental: 570

O Museu de Paleontologia do Cariri está vinculado à Urca que dispõe de pesquisadores mobilizados para acompanhar essas tratativas e para identificar os fósseis do Ceará distribuídos pelo mundo.

Os fósseis são colocados à venda na internet e são comprados, principalmente, por colecionadores europeus. Pessoas “que têm interesse nas peças para ter um quadro na sua casa”, como define Kleber.

Esse processo de repatriação, contudo, não é algo simples. O conjunto encontrado na França, por exemplo, foi encontrado em 2013, mas demorou a voltar para o local de origem devido à disputa judicial e burocracias para o transporte.

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“Foi uma carga apreendida no norte da França, quando estava passando como se fosse quartzo (mineral), desconfiaram e viram que eram fósseis. Houve a apreensão da carga e começou todo o processo judicial”, detalha o reitor que celebrou a chegada nesta semana.

“A justiça demorou bastante para tomar essa decisão, também existem taxas da carga para sair, seguro, e nós tivemos que transportar (as peças) por avião e não por navio. Existe uma burocracia para pagamento e foi feita uma licitação para uma empresa cuidar de tudo”, acrescenta. 

Relevância dos fósseis para o Ceará

Os pedaços de “pedra” estampadas por plantas, animais e insetos são como joias ao olhar de Kleber Oliveira. “Vemos preservadas as ranhuras da asa de uma borboleta com muita qualidade”, aponta. Isso também desperta o fascínio de crianças e adultos que passam pelo museu.

Essa movimentação, do turismo ambiental, fortalece a economia da cidade e de uma região onde a população já chegou a comercializar peças de alto valor por um custo baixo. “O museu é em Santana do Cariri é importante para o desenvolvimento da região”, completa o reitor.

Além disso, o cuidado para essa área da ciência faz com que o Estado ganhe projeção no mundo. Isso porque o material é uma mostra da história da vida na terra e fonte rica de estudos sobre o assunto.

Legenda: Pesquisadores usam as peças para estudo dos animais
Foto: Acervo Urca

“O Ceará pode se projetar para o cenário mundial, vamos trazer mestrados e doutorados em paleontologia para o interior”, adianta o reitor. Equipamentos de ponta também são esperados para os universitários.

Essa realidade é vista com otimismo por Allysson Pinheiro, diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens.

“Caso contrário, muitos dos nossos pesquisadores nunca teriam acesso e isso serve como alimento para nossa ciência atual e para as novas gerações de pesquisadores com os melhores materiais disponíveis do mundo”, analisa.

Legenda: Várias espécies são estudadas a partir dos fósseis
Foto: Acervo Urca

O diretor enxerga os fósseis como patrimônio dos brasileiros e um bem cultural ligado à história dos povos tradicionais. As peças aparecem em artesanato, cordéis e outros elementos da identidade do Cariri.

“Para além disso tem a questão científica porque contam a história de vida do nosso planeta, quais espécies viveram e qual o contexto que a gente consegue entender a partir da análise desses organismos”, conclui.

Como identificar um fóssil cearense?

Entre tantas peças de diferentes lugares do mundo, como saber que um fóssil tem origem no Ceará? Para isso, é feita uma investigação das características, como explica Allysson Pinheiro.

“Alguns aspectos, como a textura, a cor, a matriz da rocha nos ajuda na identificação de que esse material é daqui. Vemos esses sites nos Estados Unidos, onde permitem serem vendidos, que são muito bonitos e tem um valor agregado”, acrescenta o diretor.

Por isso, os grupos de paleontólogos visitam os países e conferem os fósseis para produção de um laudo sobre o local de origem do material.

Legenda: Catálogo de fósseis avaliados na Urca
Foto: Acervo Uece

“Elas retornam como saíram, tanto pelo cuidado de quem está tentando vender, como pelos processos de repatriação, que têm um cuidado. Não tivemos nenhum caso de fósseis que retornaram prejudicados”, frisa.

Allysson também reforça o contexto em que a população local protege as peças e das ações de fiscalização que envolvem também a Polícia Federal. 

Estamos no meio do semiárido, com índice de desenvolvimento humano ainda baixo e, imagine há 50 anos quando não tinha entendimento de que são bem valiosos e que é crime vender, então era algo corriqueiro pela quantidade de fósseis que ocorrem aqui
Allysson Pinheiro
Diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens

“Há estrutura especializada de tráfico para retirar peças mais importantes, muito ligado a colecionadores europeus, é algo escondido e mais profissional”, explica sobre o cenário atual.

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