A essas horas, o fóssil do Ubirajara jubatus já está no território cearense, de onde foi retirado na década de 1990 em circunstância certamente irregular, já que a norma que proíbe transporte desse tipo de material para o exterior é getulista.
A repatriação dos vestígios do animal pré-histórico de mais de 100 milhões de anos poderia até passar discretamente, realizando-se nos meios universitários, esses ainda pouco dados à extensão, que têm dificuldade de comunicar-se conosco, o povo, elemento formador do Estado, uma das razões da existência da própria Universidade.
Mas com o Ubirajara jubatus está sendo diferente e isso é bom. Houve cerimônia oficial em Brasília, haverá outra em Fortaleza e espera-se que o retorno ao Cariri também seja ritualístico. Explica-se por quê.
A repatriação do Ubirajara jubatus, considerado um fóssil raro por ser possível ancestral das aves modernas, é considerada uma vitória sobre o colonialismo. A própria imprensa europeia andou analisando dessa forma. Já eu, sertanejo que sou, posso dizer mais: é comemoração dupla, por superar também o colonialismo à brasileira. Vamos aos detalhes.
O fóssil estava na Alemanha, país que concentra um acervo imenso de artefatos do Sul Global, inclusive fósseis do Cariri, um dos maiores sítios paleontológicos do mundo, legítimo Lagerstätten, como cunharam os próprios germânicos.
A volta do Ubirajara jubatus é uma espécie de símbolo de que já não há mais espaço para tratar os países em desenvolvimento como terra a ser explorada por países desenvolvidos. Os sinais estão por todos os lados e dentro dos museus também.
Nesta semana mesmo, houve outro exemplo disso. O rei da etnia Bamum, de Camarões, visitava um museu em Berlim quando reencontrou exposto o trono do seu bisavô, que havia sido retirado da África há 115 anos. O que ele fez? Sentou-se, constrangendo curadores do acervo roubado.
O fóssil cearense terá melhor destino. Está de volta, para ser exposto aqui, no museu de paleontologia Plácido Cidade Nuvens, professor que tive o prazer de conhecer pessoalmente e que foi incansável na defesa da cultura do Cariri. O Ubirajara jubatus superou os resquícios do colonialismo. Agora falemos do seu resíduo, o subcolonialismo brasileiro.
O fóssil não ficará em museu do Rio de Janeiro ou de São Paulo, as duas maiores cidades do país, onde, infelizmente, ainda vivem tantos que sequer visitam o Norte e o Nordeste e que ainda não perceberam que aqui podemos estar revolucionando a educação com o relativo pouco recurso que temos.
Nasci no Cariri. Vivi em grandes cidades, como as duas citadas e também em Porto Alegre. E, com 4 décadas de vida, ainda impressiona-me o quão brasileiros de capitais menosprezam o Brasil do Interior, onde a vida borbulha, floresce, desenvolve-se, sem que se percam horas no engarrafamento.
Ubirajara jubatus, esse bípede pré-histórico, chega solenemente para ensinar aos bípedes humanos que justiça é princípio obrigatório de qualquer nação que se arvore civilizada.
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