Casarão em Fortaleza erguido por indígenas nos anos 1700 está ‘abandonado’, aponta MPCE

Imóvel histórico tombado sediou órgãos públicos e uma cadeia da cidade, na região onde hoje fica o bairro Parangaba

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Antiga Casa de Câmara e Cadeia da Villa de Arronches, atual bairro Parangaba
Legenda: Antiga Casa de Câmara e Cadeia da Villa de Arronches, atual bairro Parangaba
Foto: Reprodução/MPCE

Quem cruza o casarão antigo no cruzamento entre as vias General Osório de Paiva e Carlos Amora, no bairro Parangaba, em Fortaleza, talvez não imagine a carga histórica que ele carrega. Construção datada dos anos 1700, o prédio é tombado provisoriamente desde 2006, mas sucumbe à falta de manutenção e se encaminha para um desgaste irreversível.

No dia 8 deste mês, o Ministério Público do Ceará (MPCE) cobrou da Prefeitura de Fortaleza, em audiência extrajudicial, que acelere o processo de tombamento definitivo da construção e comprove a realização de medidas de preservação física do espaço.

Hoje, a Casa que foi Câmara e Cadeia da Villa de Arronches e Intendência Municipal da Villa de Porangaba, está envolta por vegetação crescida, com acessos lacrados e quase nenhum traço visível do tempo em que foi erguida.

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A promotora de Justiça Ann Celly Sampaio, titular da 135ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza, afirma que o tombamento provisório do casarão, em 2006, deveria ter garantido a manutenção dele pelo Poder Municipal: “e não foi o que aconteceu”.

“Foi tombado e continuou descuidado, foi só no papel. Não houve intervenção, escoramento nem limpeza para proteger o bem. Na audiência, percebemos um descaso geral de todos os órgãos da Prefeitura”, aponta a promotora, estimando que a Casa da Câmara é um dos imóveis mais antigos ainda de pé em Fortaleza.

Reconstituição aproximada da fachada da Casa de Câmara e Cadeia da Villa Arronches no século XVIII (esquerda) e início do XX (direita)
Legenda: Reconstituição aproximada da fachada da Casa de Câmara e Cadeia da Villa Arronches no século XVIII (esquerda) e início do XX (direita)
Foto: Reprodução/CPHC

O Diário do Nordeste contatou a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) em busca de posicionamento sobre o caso e para saber se:

  • O Município – por meio da Secultfor ou de outra Pasta – executou quaisquer medidas de preservação do imóvel, nos últimos anos;
  • A situação atual do imóvel, inclusive estrutural, é monitorada;
  • Há algum planejamento sobre restauro e novo uso possível para a Casa.

A Pasta não enviou as respostas até a publicação desta reportagem.

A promotora de Justiça frisa que o MPCE solicitou acesso ao histórico de comprovantes de manutenção da Casa, o que não foi enviado pela Secultfor, e aponta que o poder público pode ser responsabilizado judicialmente caso haja perda definitiva do bem patrimonial.

“Se dentro de 1 mês isso não for resolvido, vamos entrar com uma ação judicial. Não vou esperar a casa cair, porque está bem deteriorada. Não queremos que aconteça como no Edifício São Pedro”, compara Ann Celly.

Neste ano, um parecer técnico emitido pela Coordenação do Patrimônio Histórico-Cultural (CPHC), vinculada à Secultfor, registra que, em 2021, a CPHC solicitou à Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) “o desenvolvimento do projeto de restauro da antiga Casa da Câmara da Vila de Arronches para instalação de novo equipamento cultural, Pinacoteca Municipal de Fortaleza”.

O parecer lista, ainda, uma série de tentativas de comunicação entre os próprios órgãos municipais, solicitando entre si a limpeza do bem tombado, a fiscalização de invasões e a viabilização de um estudo sobre as condições do prédio.

Por fim, neste mês, a CPHC solicitou novamente à Seger “a abertura da Vila de Arronches para fim de limpeza”, e pediu à Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf) um “projeto de restauro para da Vila de Arronches e laudo estrutural assinado por profissional habilitado”.

O que funcionou no casarão histórico

Reconstituição aproximada da planta-baixa do casarão
Legenda: Reconstituição aproximada da planta-baixa do casarão
Foto: Reprodução/CPHC

Na casa de quase 300 anos funcionava um antigo aldeamento jesuítico, elevado à categoria de vila, a Villa Nova de Arronches, por volta de 1759 – e, então, adquirindo maior autonomia político-administrativa em relação ao colonizador.

“O edifício que marcava a instituição dessa autonomia era a Casa de Câmara e Cadeia, uma vez que nela eram atendidos os serviços de administração e justiça. A Casa foi instituída em 27 de outubro de 1759”, resgata outro parecer técnico da CPHC, emitido em 2022.

Praça Alfredo Weyne, atual Mano Albano, e ao fundo a Casa de Câmara e Cadeia
Legenda: Praça Alfredo Weyne, atual Mano Albano, e ao fundo a Casa de Câmara e Cadeia
Foto: Acervo de João Ribeiro Pessoa / Reprodução CHPC

A Casa foi extinta em 1835, quando Arronches foi incorporada à capital da Província do Siará, Fortaleza. Em 1889, com a instauração da República no Brasil, Arronches foi novamente emancipada, sob o nome de Villa de Porangaba – e Casa de Câmara, então, passou a funcionar como Intendência Municipal da vila.

Já em 1925, o prédio foi instituído legalmente como Prefeitura e Sub-Prefeitura responsável pelo distrito de Parangaba, condição administrativa abolida em 1987, segundo registro da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult).

Hoje, o edifício é situado próximo à Igreja do Bom Jesus dos Aflitos e à Praça Mano Albano, que também é incluída pela CPHC na poligonal histórica do entorno, “por ter sido, provavelmente, o antigo largo do pelourinho do local, praxe na fundação das municipalidades coloniais”.

Importância de restaurar

Ladrilhos originais da Casa de Câmara e Cadeia da Villa de Arronches
Legenda: Ladrilhos originais da Casa de Câmara e Cadeia da Villa de Arronches
Foto: Acervo CPHC/Secultfor

A promotora Ann Celly Sampaio define o contexto histórico da casa como “apaixonante”, e destaca a importância de conhecê-lo e preservá-lo como símbolo de respeito à memória da cidade.

“A Parangaba era uma vila, independente de Fortaleza, e se chamava Porangaba. Era uma aldeia indígena, depois jesuíta, e subiu à qualidade de vila. É uma história muito bonita que mostra como viviam os nossos antepassados e que faz parte da nossa memória”, sentencia.

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