Bombeiro desaparecido no CE ficou 4h se 'acalmando' para nadar de volta: 'peixes me mordiam'

Jairo Oliveira Amorim, de 33 anos, contou, em entrevista ao Diário do Nordeste, como se sentiu e como se preparou para se salvar

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: Desaparecido em Jericoacoara, sargento Jairo realiza auto salvamento e retorna à praia em Tatajuba, em Camocim
Foto: Divulgação

"Realmente tive medo de morrer". A frase que abre esta matéria é do sargento do Corpo de Bombeiros, Jairo Oliveira Amorim, de 33 anos, que ficou à deriva no mar durante a noite desta terça-feira (6), na praia de Jericoacoara, litoral Oeste do Ceará.

O militar realizou uma operação de salvamento de um estrangeiro que praticava Kitesurf e, após este ato, não conseguiu retornar à sua moto aquática usada no resgate do turista francês.

Começava ali uma batalha pela vida. Os relatos a seguir foram narrados pelo Militar ao Diário do Nordeste, em entrevista exclusiva. O sargento que por 13 anos atua como guarda-vidas no salvamento de pessoas, agora teria que lutar pela própria sobrevivência. Uma luta no escuro, em mar aberto. Uma batalha solo. E que teve final feliz. Tudo começou na noite da última terça, quando Jairo participou de um resgate. A ação foi bem sucedida.

Ele conseguiu resgatar o turista, mas voltou, em uma moto aquática, para pegar os equipamentos da vítima, que acabaram se enroscando na hélice do veículo, que parou de funcionar. Nesse momento, diante da agitação do mar e da moto com a hélice inoperante, ele não retornou.

"A maré estava puxando para trás. Pela minha experiência, eu sabia que se ficasse na moto não conseguiria me salvar", conta. A presunção dele parece estar correta, tanto que até o momento a moto aquática ainda não fora encontrada. 

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"Decidi pular da moto. Quando pulei, iniciei uma preparação psicológica. Eu sabia que seria muito difícil chegar à terra firme. Fiquei entre 3 e 4 horas me preparando, tentando me acalmar e focando em um plano de ação. Não podia nadar verticalmente devido a força das ondas, só iria me cansar e as chances de sobreviver cairiam. Tinha que nadar para o lado", ilustra.

O preparo físico exigido em uma situação extrema com esta, que eleva ao máxima a tensão e mexe com o psicológico, foi adquirido ao longo de quase toda sua vida. Logo aos 12 anos Jairo começou a se aventurar no surfe, "pegando pequenas ondinhas", conforme rememorou Jairo, em entrevista telefônica concedida no caminho de volta para casa. Casa essa que não saía da sua mente.

Legenda: A distância entre a praia principal de Jericoacoara e Tatajuba em Camocim, em linha reta é de 21,3 km.
Foto: Divulgação

"Eu realmente tive medo de morrer. Mas a medida que ia nadando, aumentava minha esperança de que iria sobreviver, até que depois de um tempo ouvi o barulho das ondas quebrando. Era indício de que eu estava próximo da terra firme", detalha. O que aparentemente seria o início de um momento de alívio, foi revertido diante de novas "adversidades" -- como se o alto mar e escuridão solitária da noite já não fossem elementos dificultosos o suficiente.

"Em determinado momento vários peixes me rodearam. Eu senti que eles me mordiam. Águas-vivas também batiam em mim. Foi aquele o momento em que tive mais medo. Ali, pensei em que iria morrer", conta o sargento do Corpo de Bombeiros. Há 12 anos ele ingressou na corporação. Em mais de uma década de ofício, aprendeu técnicas, ganhou experiência e, interiorizou em sua mente que, diante da profissão que escolheu, o verbo "desistir" não poderia ser mencionado em qualquer que fosse a situação.

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E assim ele o fez. Não desistiu. Pelo contrário, prossegui. Foram 9 km de nado até chegar em terra firme. Enfrentou peixes, águas-vivas, maré e escuridão. Ao pisar os pés na praia de Tatajuba, sua batalha ainda tinha o último ato: encontrar um meio de se comunicar com alguém. O militar então iniciou uma caminhada que durou cerca de 40 minutos. A força para nadar 9km e depois caminhar por quase uma hora foi extraída da vontade de rever "os seus".

Ao chegar em uma casa, se identificou aos moradores e pediu para fazer uma ligação. Pergunto a ele qual foi o primeiro nome que veio em sua mente. Com uma súbita resposta, ele diz: "Minha mãe". Telefonema feito. Quando sua mãe atende e ouve a voz do filho, até então com paradeiro desconhecido, as palavras deram espaço para as lágrimas. 

Após um hiato de silêncio, ela diz, do outro lado da linha: "meu filho, é você?! Você está vivo", e volta a chorar. A casa da genitora, a essa altura, estava repleta de familiares, amigos e a namorada de Jairo. Todos faziam uma corrente de oração e emanavam positividade para que o experiente sargento conseguisse sair ileso do mar. Deu certo.

"Eu renasci", finaliza o guarda-vidas que, na noite desta quarta-feira precisou se salvar para, nos próximos dias, voltar a salvar tantas outras vidas como tem sido ao longo de mais de uma década.

Entenda

Na noite da última terça-feira, dia 6, Jairo ficou à deriva durante o resgate de turista francês que estava praticando Kitesurf na praia de Jericoacoara. O sargento resgatou o turista, mas voltou para pegar os equipamentos da vítima e, então, não mais conseguiu retornar. 

Foram acionadas equipes de busca e resgate do quartel de Itapipoca e também de Fortaleza. Na tentativa de localizá-lo, foi solicitado o apoio da Capitania dos Portos do Ceará (CPCE) e da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (CIOPAER).

Em nota, os bombeiros agradeceram pela parceria, no trabalho de buscas, à Capitania dos Portos de Camocim, às guarnições de guarda-vidas de Jericoacoara, além de voluntários, mergulhadores e outras equipes de salvamento de Itapipoca, Sobral e Canindé.

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