Após 20 anos da morte da ovelha Dolly, saiba como estão vacas, cabras e veados clonados no Ceará

Iniciativas são destinadas à produção de medicamentos e até ações contra extinção de espécies usa técnica celular

Escrito por
Lucas Falconery lucas.falconery@svm.com.br
(Atualizado às 08:35, em 23 de Fevereiro de 2023)
Legenda: Cabras são clonadas para produção de medicamento a partir do leite
Foto: Ares Soares

Há 20 anos a ovelha Dolly – primeiro clone de mamífero, criado na Escócia – precisava ser sacrificada e atraía a atenção do mundo para o tema científico. Em solo cearense, as primeiras cabras e vacas clonadas nasceram há quase 10 anos numa pesquisa destinada à criação de medicamentos contra vários tipos de câncer.

Além disso, especialistas cearenses também analisam como embriões clones de veado-catingueiro podem reduzir o risco de extinção da espécie. Dessa forma, a clonagem acontecem com próposito de contribuir para a saúde humana e preservação ambiental no Ceará.

Em ambas as iniciativas, a técnica aplicada parte do mesmo princípio do que deu origem à Dolly. Com o avanço da tecnologia, os animais clonados apresentam boa saúde e vivem como os gerados naturalmente.

Os laboratórios da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece) são as “maternidades” dos bichos clonados no Ceará.

Em 2014, a cabra “Gluca” nasceu como resultado de clonagem animal para a produção da substância glucocerebrosidase, na primeira leva de clones da Unifor. Para isso, foi feita uma modificação genética a fim de gerar essa proteína no leite.

Legenda: Gluca foi um dos primeiros animais clonados no Ceará
Foto: Ares Soares/Divulgação Unifor

Naquele ano, 3 vacas da raça guzerá também foram clonadas. Os estudiosos, nesse caso, avaliam como os animais podem servir para a criação de biofármacos, que são medicamentos gerados por meio de algum organismo vivo.

Entre eles, uma alternativa para o tratamento da doença de Gaucher, que compromete o funcionamento do baço e fígado, além de combater câncer de pulmão, rins, ovários e do tipo colorretal.

O trabalho acontece para aperfeiçoar a plataforma e adequar aos parâmetros de agências reguladoras. Essa é a base para buscar futuras parcerias e poder disponibilizar medicamentos, como explica o pesquisador Leonardo Tondello.

Legenda: Vacas também foram clonadas para a criação de biofármacos
Foto: Ares Soares/Divulgação Unifor

Leonardo, que faz parte do Núcleo de Biologia Experimental (Nubex) e ensina no curso de Veterinária da Unifor, aponta que os testes in vitro e em camundongos são positivos na redução dos tumores e metástases.

“Tem alguns biofármacos que nós já produzimos e nos apresentaram cenários bem interessantes, como o anticorpo monoclonal. Tem uma versão comercial utilizada contra câncer de pulmão, rim, ovários, colorretal e uma série de outros tipos”, completa.

Nós continuamos utilizando a clonagem como ferramenta para a geração de animais geneticamente modificados dentro desse objetivo maior da produção de biofármacos a partir da plataforma animal
Leonardo Tondello
Professor de veterinária

Novos animais transgênicos foram produzidos em 2016 e em 2019 e os cientistas atuam na continuidade da pesquisa.

“Quando nós iniciamos esse trabalho, em 2009, nós imaginávamos que a plataforma seria dominada facilmente, mas ainda há pontos cruciais que ainda precisam ser dominados. É nisso que estamos trabalhando no momento”, conclui.

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Clonagem contra extinção

Há cerca de 4 anos a preocupação com a possibilidade de extinção da espécie conhecida como veado-catingueiro, Mazama gouazoupira, motivou trabalhos para a clonagem do animal na Uece.

"Essa espécie é a única da região Nordeste e está diminuindo bastante devido ao tráfico e às atividades da humanidade, como a redução da área desses animais", como alerta Vicente Freitas, pesquisador e professor da Faculdade de Veterinária da Uece.

A técnica utilizada pelos cientistas não depende dos óvulos da espécie, sendo o material de vacas, cabras e ovelhas também funcionais. Nesse caso, do bicho ameaçado de extinção é preciso apenas de células da pele

Legenda: Clonagem pode evitar a extinção do veado-catingueiro na natureza
Foto: Divulgação Uece

O grupo, integrado ao Programa Cientista-Chefe da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), já conseguiu produzir embriões e a próxima etapa, de gerar um animal vivo, deve acontecer esse ano. Para isso, é preciso uma fêmea de veado-catingueiro para a gestação de 7 meses.

Nós pretendemos fazer no decorrer de 2023 e acreditamos que o conhecimento adquirido pelo grupo, estamos aptos a fazer essa transferência, mas tudo depende das condições para produzir os embriões e encontrar as fêmeas receptoras
Vicente Freitas
Professor de veterinária

Esse é um esforço que pode repovoar alguns espaços com os animais para manter a presença da espécie na natureza.

"Parece muito simples, porém é um processo muito delicado e de baixíssimo rendimento, mas que tem sido usado para salvar algumas espécies da extinção”, frisa Vicente.

Como acontece a clonagem

Os dois exemplos cearenses de clonagem acontecem com algumas similaridades. Para a produção de cabras, é feita uma biópsia da pele do animal a ser clonado e essa amostra passa por um processo de multiplicação de células.

O material é congelado em nitrogênio líquido até o momento adequado. “Para a clonagem em si precisamos de um lado dessas células e de óvulos, que tem a maquinaria necessária para a produção de um embrião”, completa Leonardo.

Legenda: Pesquisadores usam clonagem para evitar a extinção do veado-catingueiro
Foto: Acervo Uece

Na sequência, é feito um processo parecido com o que o espermatozóide faz para ativar o óvulo e dar início ao desenvolvimento embrionário. Por fim, o embrião é colocado numa fêmea receptora.

Os procedimentos são parecidos com os passos adotados para a clonagem de veado-catingueiro, mas nesse caso, os especialistas conseguem usar óvulos de outras espécies. O material das vacas tem apresentado um bom resultado.

Legenda: Os estudiosos produziram uma arte para explicar o funcionamento da clonagem animal
Foto: Acervo Uece

"O material genético da vaca é retirado durante o processo e vai só a genética do veado-catingueiro. O embrião é transferido para o útero de uma "mãe de aluguel", uma receptora, que vai levar a gestação", explica Vicente. A receptora precisa ser da espécie Mazama gouazoupira.

Relembre a ovelha Dolly

Dolly nasceu a partir da técnica de clonagem por transferência nuclear no Instituto Roslin, na Escócia, em julho de 1996. Ali surgiu o primeiro clone de um mamífero.

O animal, contudo, foi sacrificado no dia 14 de fevereiro de 2003, aos 6 anos, após ser diagnosticado com um câncer de pulmão. Os pesquisadores da época informaram que a doença não estava relacionada à clonagem.

Em geral, a espécie vive o dobro do período de Dolly. Mas o clone, inclusive, sofria de doenças típicas de bichos mais velhos, como artrite nas patas.

Legenda: Ovelha Dolly está em museu na Escócia
Foto: Shutterstock

Leonardo explica que, na verdade, os clones de animais vivem da mesma forma que um fecundado de forma natural.

“Existe um mito após o nascimento da Dolly que os clones têm o envelhecimento precoce, que nascem com a idade biológica do animal clonado, mas isso foi completamente comprovado como mito”, reforça.

O tema também acende discussões sobre ética e o uso de animais para estudos. Existem muitas opiniões pessoais, mas as pesquisas são conduzidas com base em critérios técnicos, como destaca o especialista. 

“Nós utilizamos a clonagem dentro de uma esfera científica, muito mais complicado seria relacionar com a clonagem de humanos. Esse é um tema polêmico e algumas pessoas tendem a fazer esse tipo de raciocínio”, finaliza Leonardo.

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