Amputação de membros inferiores triplica em 10 anos no Ceará; diabetes e cigarro são maiores causas
Hábitos de vida e diagnóstico rápido podem evitar a perda de pés e pernas, como indica cirurgião vascular
No último ano, todo dia, cerca de 4 cearenses precisaram amputar membros inferiores e a recorrência com que isso acontece preocupa: o número de procedimentos praticamente triplicou nos últimos 10 anos. Enquanto em 2012 foram 573 cirurgias, o total passou para 1.409 em 2021 no Ceará.
O balanço foi elaborado pela Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) com base nos dados do Ministério da Saúde. O índice alto permanece neste ano - nos 3 primeiros meses de 2022 foram 360 amputações.
Isso acontece devido ao envelhecimento da população e associação com diabetes e hipertensão, por exemplo, além do hábito de fumar. Para completar, a pandemia atrapalhou o atendimento desses pacientes nos últimos dois anos.
Quando se observa o mapa nordestino, o Ceará aparece em 2º lugar no aumento de casos no período analisado. Alagoas foi o estado com maior crescimento percentual, porque passou de 182 procedimentos, em 2012, para 497 no último ano, ou 173%.
Mas, quando o critério são os números totais, Bahia (2.208) e Pernambuco (1.749) aparecem na frente do Estado com mais amputações feitas no último ano. No Brasil, foram 28.906 procedimentos.
Na velhice, há um maior sofrimento e calcificação das artérias com o comprometimento da circulação sanguínea nas pernas e nos pés. Mas a diabetes e o uso de cigarros despontam como as principais causas do procedimento.
“Quando junta os dois, então, é catastrófico. A gente vê pacientes jovens com complicações arteriais”, frisa o cirurgião vascular Frederico Linhares. Quando há um corte ou machucado, então, o organismo encontra uma barreira no processo de cicatrização.
Por isso, o tempo se torna um fator determinante no tratamento para evitar que as lesões se agravem a ponto de comprometer o membro.
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“Apareceu uma lesão no pé que não cicatriza, evoluindo com aquela área preta, que a gente chama de necrose, tem que ser feito o mais breve possível. É um sinal que não tem mais circulação suficiente para cicatrizar a lesão”, explica.
Esse atendimento adequado também depende de uma estrutura de alta complexidade, com Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de hemodinâmica, que faz parte do processo de desobstrução das artérias.
O outro fator é a questão do investimento, porque muitos pacientes estão com acesso extremamente difícil ao sistema de saúde. Pacientes com isquemia da perna por falta de circulação ficam esperando, às vezes, um mês e meio para conseguir atendimento
A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) foi procurada sobre como a rede se adequa para atendimento dos pacientes com o aumento da demanda registrado nos últimos anos. Até a publicação desta reportagem, não foi enviada resposta.
Pandemia agravou a situação
Em 2019, o Ceará registrou 1.216 amputações - retrato anterior à pandemia. Os números cresceram levemente para 1.288 no ano seguinte até chegar em 1.409, em 2021. Na pandemia, a rede de saúde se mobilizou para atender os pacientes com Covid.
Além disso, o público mais vulnerável à doença evitou procurar unidades de saúde com receio da infecção viral.
“Eu atendi paciente que chegou com oclusão severa da perna, em fase final, porque estava com medo de ir para o hospital e pegar Covid. Nesses dois anos, a gente teve esse quadro que contribuiu”, lembra Fernando Linhares.
Outro impacto da pandemia está na doença em si, que também afeta o funcionamento do corpo prejudicando a circulação sanguínea.
“A Covid é uma doença que alterou as artérias, aumentou a incidência de trombose e favoreceu o aumento desses casos. Uma série de fatores em conjunto que justificam isso”, completa o médico.
Como evitar amputação
O atendimento no posto de saúde tem uma importância de destaque para evitar as complicações de doenças crônicas. A avaliação do quadro de saúde e o cuidado para regular o açúcar no sangue e o colesterol, por exemplo, previnem a amputação.
“Aos poucos o paciente vai apresentando a formação de placas, que vão aumentando e em determinado momento acaba obstruindo uma artéria importante. Inclusive, mais de 70% desses pacientes não têm sintoma nenhum”, explica Frederico.
Machucados simples do cotidiano, como uma lesão causada por um sapato apertado ou cortes no trabalho, ganham um destaque maior em pacientes com dificuldades na circulação.
Orientações para evitar amputação
- Parar de fumar
- Manter alimentação adequada
- Não remover cutículas das unhas dos pés
- Usar hidratante nos pés
- Usar calçados confortáveis e que protegam contra cortes
- Buscar atendimento logo que houver corte nos pés
Fazer automedicação com o uso de antibióticos, por exemplo, é muito arriscado. A medicação pode não chegar na dosagem adequada, justamente, pela falta de irrigação sanguínea nos membros inferiores.
E os avanços na medicina permitem o tratamento adequado com rapidez. “A gente consegue desobstruir grande parte dessas artérias com procedimentos pouco invasivos, mas precisa ser feito o mais breve possível”, frisa.