Açude Cedro: da imponente construção ordenada por Dom Pedro II à completa ausência de água há anos

O reservatório está seco há 7 anos, tendo uma sutil recuperação em 2017 e 2018 quando o açude conquistou discreta recarga e chegou a 2% de seu volume

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: O açude tem capacidade para armazenar 126 milhões de metros³ de água
Foto: José Avelino/Diário do Nordeste

Quando construído, há mais de cem anos, o Açude Cedro, em Quixadá, era modelo imponente de arquitetura e, mais que isso, esperança para o fim de uma crise hídrica que assolava o Nordeste brasileiro. Por longas décadas ele abasteceu a cidade, mas, hoje, embora seus traços arquitetônicos ainda impressionem, o reservatório já não tem qualquer importância hídrica.

Há 7 anos ele está totalmente seco - com uma sutil recuperação em 2017 e 2018 quando o açude teve discreta recarga e chegou a 2% de seu volume - e já não abastece mais a cidade de Quixadá, a mais importante do Sertão Central. O Município é assistido, desde meados de 2016, pelo reservatório Pedras Brancas. 

No local em que apenas se trafegava com embarcações, agora é possível caminhar a pé. A água evaporou, restando apenas o solo rachado que denuncia de forma direta e melancólica a longa ausência de qualquer líquido no açude construído em 1906, mas cuja ordem de serviço ocorreu duas décadas antes, ainda no governo Imperial de Dom Pedro II.

4x
Antes de 2015, o açude Cedro só havia secado 4 vezes desde que construído: 1930, 1932, 1950 e 1999.

O secretário de Recursos Hídricos (SRH) do governo cearense, engenheiro Francisco Teixeira, explica que o açude Cedro foi construído com uma capacidade superdimensionada de armazenamento de água e, por isso, poucas vezes verteu.

O reservatório encheu pela primeira vez nos anos de 1924 e 1925, depois em 1974 e 1975, e por último, em 1986 e 1989. "Ele foi construído entre os séculos XIX e XX, portanto, como não existia na época ferramentas tecnológicas para definir bem a capacidade de um reservatório, ele foi construído com um volume superdimensionado, com muita dificuldade de encher", detalha Teixeira.

É um açude de difícil aporte de água. Nesse cenário de mudanças climáticas e construção de centenas de reservatórios a montante dele, ele tem dificuldade de receber água.
Francisco Teixeira
Titular da SRH

Mitos e verdades

A construção do Açude Cedro - a primeira grande obra hídrica realizada pelo Governo Brasileiro, na então Primeira República - além de ter deixado um legado para Quixadá, gerou por muitos anos uma série de suposições, dentre elas, a de que a obra teria tido mão-de-obra escrava. A historiadora Elizangela Martins da Silva Cruz, escritora do livro "Açude do Cedro: Mitos e Verdades", desmente essa versão.

"Como uma obra púbica, na era da República, iria ter a participação de escravos? Naquele ano, o Ceará já havia abolido a escravidão. Claro que existia, assim como ainda existe hoje, trabalhos análogos à escravidão, mas o Cedro foi erguido por retirantes, homens que eram remunerados", explica. 

Legenda: Livro mergulha na história do secular e místico açude Cedro, em Quixadá
Foto: Reprodução

Antes de ter a obra iniciada, Dom Pedro II criou uma comissão e a enviou para a então província cearense para que fosse feito uma espécie de análise do local onde o reservatório seria construído. Liderada pelo engenheiro britânico Jules Jean Revy, a comissão do então Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas chegou a três cidades: Icó, Arneiroz e Quixadá.

"Após estudos, foi definido que o açude seria erguido em Quixadá", pontua Elizangela. Desde a data da assinatura da ordem de construção até à sua inauguração, passaram-se 22 anos e quatro comissões, lideradas por quatro engenheiros diferentes.

Veja também

"Começou pelo Revy, depois, na segunda comissão, veio o engenheiro Ulrico Mursa, posteriormente, em 1895, o José Bento Figueiredo e, cinco anos depois, o Bernardo Piquet Carneiro, que ficou até a data da inauguração do reservatório, em 1906", detalha a historiadora.

Legado 

Conforme avalia Elizangela Martins, a construção do Açude Cedro teve importância que vai além da garantia hídrica para a cidade de Quixadá à época. Ele deixou importante legado para o Município que hoje é a maior economia da região do Sertão Central cearense.

"Ele [o reservatório] ajudou a desenvolver Quixadá, que até então era uma pequena cidade, cuja emancipação está datada no ano de 1870, apenas 14 anos antes da construção do Açude. Imagine um local pequeno passar a receber pessoas de várias partes do Brasil, muitos deles estudiosos. Isso ajudou bastante a desenvolver o local", aponta a escritora. 

Legenda: Antes de 2015, o açude Cedro só havia secado 4 vezes desde que construído: 1930, 1932, 1950 e 1999

Além de ajudar a impulsionar a economia do Município, visto a grandiosidade da obra, a construção do reservatório beneficiou diretamente outros centros. "Eram várias frentes de atuação. Por exemplo, em Baturité, foi construído uma ferrovia. Então podemos afirmar que o [açude] Cedro deixou um importante legado no Ceará", acrescenta Elizangela.

Quanto à questão hídrica da época, a pesquisadora afirma que o açude cumpriu com sua proposta de solucionar a grande seca dos anos de 1877 a 1879. "Por várias décadas o Açude Cedro abasteceu a cidade", confirma Martins. 

"À medida que a população foi crescendo, ele não conseguiu mais abastecer à cidade e, após a recente seca [iniciada em 2012] ele declinou em seu volume até secar totalmente", conclui Elizangela.

Importância histórica

Teixeira corrobora a avaliação da historiadora de que o reservatório hoje servir para qualquer atividade hídrica, mas enaltece sua importância histórica. "Hoje ele é mantido como patrimônio histórico. Mantemos a lâmina de água por conta da paisagem, é um cenário geográfico bastante interessante", diz.

Questionado se há viabilidade de transferência de água de outros reservatórios para o Açude Cedro, Teixeira avalia não ser viável economicamente.

Legenda: O açude cumpriu com sua proposta de solucionar a grande seca dos anos de 1877 a 1879, no Ceará

"Já aconteceu essa tentativa, mas há dificuldade de se construir açudes representativos na região do Sertão-Central. O [reservatório] Banabuiú é o maior deles e se encontra com menos de 10%, portanto também não é viável. Essa é uma região que tem chovido muito pouco nesses últimos 10 anos", detalha.

"Desta forma, deixamos a tomada do Açude Cedro fechada e o pouco de água que ele recebe, serve para manter o espelho d'agua e compor a paisagem", acrescenta.

Abastecimento de Quixadá 

Diante do declínio hídrico do reservatório, a cidade de Quixadá passou a ser abastecida pelo Açude Pedras Brancas. Em meados de 1990 foi construída a primeira adutora ligando o reservatório ao Município. Em 2006, uma nova adutora foi instalada para reforçar a garantia hídrica da cidade que hoje conta com cerca de 89 mil habitantes.

No entanto, nos últimos anos, o Pedras Brancas também teve dificuldade de conquistar recarga hídrica e, atualmente, tem somente 3,81% de seu volume de água armazenado. "Este é um açude também superdimensionado e que teve sua situação hidrológica bastante piorada nesta seca recente. Mas, apesar de seu baixo volume, tem água suficiente para atender Quixadá ao longo deste ano", explica Teixeira.

Para o futuro, o secretário antecipa que a SRH e Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) estudam a viabilidade de projetos para instalação de uma adutora saindo do Açude Banabuiú - o terceiro maior do Estado e que hoje tem 8% de sua capacidade - para reforçar o abastecimento de Quixadá. "Esse projeto é analisado para curto e médio prazo", conclui Francisco Teixeira.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados