Tempo mano velho
Espaços em Fortaleza se tornam referência quando utilizam a decoração e outras abordagens para mesclar antiguidades e contemporâneo
Reviver memórias ou até mesmo embarcar em uma experiência por meio de espaços que carregam histórias. Essa proposta tem se tornado cada vez mais comuns em terras alencarinas. As referências às décadas 1950 e 1960, além dos objetos que pertenceram a outras pessoas e a outros tempos enchem os olhos por transparecer a resistência aos anos que passam sem parar.
Em Fortaleza, a Praia de Iracema e o Centro abrigam cantinhos nos quais essa ideia ganhou forma: o Demodé, um café e antiquário; o Café Couture, que abriga brechó e uma cafeteria; e o Salão das Ilusões, espaço mais alternativo instalado em um dos prédios antigos da Capital. A sensação ao adentrar cada um desses lugares é de imersão no passado sem, no entanto, abandonar por completo o presente. O nariz coçando, os dedos empoeirados e o deslumbramento com peças que, até então, se achava nem existirem mais, é algo em comum entre esses lugares.
A memória e a importância dela são latentes quando se fala de viver algo que já passou. Inclusive, foi a rua da própria infância o local exato pensado por Roberto Markan para dar vida à proposta do Démodé, além das inspirações buscadas em brechós de São Paulo. Perto do mar de Fortaleza, o empresário já havia aberto um restaurante, em que outrora morou ao lado dos pais. Agora, com ar de novidade, são as redes sociais que se tornam vitrine para a proposta. Integrados, o café e o acervo das "antiguidades" se abrem para o olhar de quem chega pela primeira vez.
"Nós inauguramos o espaço há pouco mais de um mês, com bazar realizado por nosso amigo e decorador Dito Machado. Por enquanto, a gente está investindo nessas redes sociais e na propaganda do boca a boca entre os nossos conhecidos", explica Carla Cardoso, responsável pelo marketing do espaço na Rua Xavier de Castro. Ao abrir a porta pesada e os portões de ferro, chega-se a um lugar que transparece a novidade, porém transmite em cada prataria, no telefone com fio e até mesmo no piano uma sensação de aconchego e casa de avó.
Antigo e moderno
A tendência não é tão vanguardista assim: projetos de arquitetura e design, casas mais intimistas e estabelecimentos pelo mundo já utilizaram da mistura entre o velho e o novo para acender a nostalgia. Foi justamente assim que surgiram definições para o que é vintage, retrô e antigo, coisas bem diferentes quando o assunto é decorar, por exemplo. Entretanto, Fortaleza parece ainda estar descobrindo esse tipo de empreendimento. "A gente tentou trazer algo bem autêntico", explica Nélida Mourão, 32 anos, uma das criadoras do Café Couture, na Rua dos Tabajaras. Conhecido também como um espaço musical, ele aposta no brechó Roxie Vintage para consolidar a ideia.
"Essa cara do vintage sempre teve no Roxie, que veio de dentro da minha casa, em que eu vivia com a minha mãe", ressalta. Entre uma xícara de café e outro, quem visita o lugar pode desfrutar de uma arquitetura típica dos anos 1970. "Essa casa, para época em que foi feita, era moderna. Hoje, é visto como antigo porque a gente tem materiais bem mais avançados. Se você olhar, a arquitetura tem essas linhas retas nos traços, os detalhes em madeira", comenta.
Viver além
Para Nélida, a questão ultrapassa o simples fato de ser retrô: se torna uma mistura de vivências. "Nossa cidade é linda e precisa desse resgate histórico urgente. Sempre tivemos muito pouco isso, e as pessoas viajam e acabam vendo essas inspirações lá fora", opina. Sobre o Couture, ela conta que a ideia era ir além disso. "Por aqui a gente trouxe a questão desse conceito de ser plural, de trazer o nosso diferencial que é esse conceito de ser uma casa de show".
Enquanto isso, entre prédios históricos preservados e, alguns deles, mais deteriorados, resiste o Salão das Ilusões, na Rua Coronel Ferraz, no Centro. Frequentado pelo público jovem ativo na noite, ele utiliza desse ponto retrô para se mostrar como um local de resistência e representatividade. As fachadas do lugar escancaram tudo isso. "Acredita em si mesma, bixa" e "Vote nu" são algumas das colagens na parede que parece descascada pela ação dos dias.
"Até então o nosso espaço se modela a partir da economia criativa, com as marcas que ocupam efetivamente as salas de produção com o Brechó Arara, Salão Experimental, Hysteria Tattoo, Pretérita e de demandas espontâneas do circuito local e nacional". Por lá, os discos antigos à venda, as roupas de outras décadas e a casa, na qual são realizados eventos e shows, dispensam adornos para mostrar o que é "velho".
Atualmente, sendo poucos os espaços que oferecem esse tipo de temática, quem se propõe a apostar nesse tipo de estabelecimento e, por que não, experiência interna, fica na expectativa para que o público compre de vez a ideia. Nesse meio tempo, os fortalezenses vão descobrindo que nem só de tecnologia e inventividade extrema sobrevivem os espaços por aqui.