Stênio Gardel, o cearense vencedor de prêmio literário internacional: 'Tem o peso da minha história'

Romance de estreia do limoeirense ganhou o National Book Award na categoria Literatura Traduzida; troféu foi entregue na última quarta-feira (15), em Nova York

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Stênio Gardel sobe ao palco para receber o troféu do National Book Award: "Ganhar só deixou tudo mais especial ainda"
Foto: Reprodução/National Book Award

Dos sonhos que Stênio Gardel não dizia nem a si mesmo, ganhar um prêmio internacional era um deles. Mas aconteceu. Na última quarta-feira (15), o cearense de Limoeiro do Norte venceu o National Book Award, uma das mais importantes honrarias literárias dos Estados Unidos, concedida anualmente aos melhores livros escritos ou traduzidos para o inglês.

A cerimônia aconteceu em Nova York e laureou “A palavra que resta”, romance de estreia de Stênio, lançado pela Companhia das Letras em 2021. O troféu foi para o autor e para a tradutora, Bruna Dantas Lobato, que verteu o texto para inglês na edição da New Vessel Press, intitulada “The Words That Remain”.

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Ao Verso, Gardel expressa a emoção e detalha como ocorreu a cerimônia. “Recebi o anúncio com muita surpresa, espantado; a Bruna também. Depois de um tempo é que pudemos perceber com mais clareza e felicidade o que estava acontecendo”, confidencia.

“Houve duas cerimônias, na verdade. No dia 14, todos os finalistas receberam medalhas e uma placa, bem como fizeram leitura de trechos dos livros. No caso de literatura traduzida, que era minha categoria, tive a oportunidade de ler o primeiro capítulo do livro em português, e depois a Bruna leu o mesmo trecho em inglês. Dia 15, foi a cerimônia de premiação mesmo, num lugar muito bonito, com muitos convidados e até tapete vermelho”.

Legenda: Da esquerda para a direita, Michael Z. Wise, editor e co-fundador da New Vessel Press; Bruna Dantas Lobato, a tradutora do livro; e Stênio Gardel: emoção conjunta
Foto: Arquivo pessoal

Segundo ele, não imaginava que ganharia. A vontade era grande, claro, mas esperar realmente que acontecesse era outra coisa. “Daí a surpresa, que foi ótima de vivenciar também. Eu já estava bem feliz de estar entre os finalistas, com minha medalha e placa, ao lado da Bruna e do Michael (da editora New Vesse Press), e em Nova Iorque. Ganhar só deixou tudo mais especial ainda”.

Além da maior visibilidade ao livro, Stênio e Bruna também ganharam R$10 mil dólares, divididos igualmente entre os dois. É a primeira vez que um livro brasileiro vence o National Book Award. Na categoria conquistada por “A palavra que resta”, entre as indicações havia livros de Pilar Quintana, David Diop e Bora Chung.

O peso de uma história

Gardel dedicou o prêmio à mãe, Irene – quem, na visão dele, abriu todos os caminhos, deu todas as oportunidades e sempre acreditou, mais até do que ele mesmo.

O escritor diz que o troféu é bem pesado, embora o peso não seja apenas físico. “Tem o peso de toda minha história para chegar ali, do meu trabalho durante a escrita, a responsabilidade com esse projeto. Tem o peso de me afirmar como nordestino, cearense e homossexual”.

Legenda: Capa e título da edição em inglês de "A Palavra que Resta"
Foto: Divulgação

Para ele, não são pesos ruins, mas que fortalecem e possuem imensos significados. Quanto ao futuro, o cearense acredita ficar o peso da expectativa, uma vez que o público aguardará um novo romance de um vencedor do National Book Award. “Mas também tem um reconhecimento da minha literatura. Espero que ela leve o livro pra mais pessoas e lugares”.

“A palavra que resta” é o primeiro romance de Gardel, e foi escrito durante os Ateliês de Narrativa ministrados pela escritora Socorro Acioli em Fortaleza. O livro narra a trajetória de Raimundo, homem analfabeto que na juventude teve o amor secreto brutalmente interrompido e que por cinquenta anos guarda consigo uma carta que nunca pôde ler. 

Com uma narrativa forte, sensível e corajosa, o autor nos leva pelo passado de Raimundo, permeado de conflitos familiares e da dor do ocultamento da própria sexualidade, mas também das novas relações que estabeleceu depois de fugir de casa e cair na estrada, ressignificando o destino mais de uma vez.

“É um livro que me transformou totalmente. Primeiro porque deixei de ser aquele que queria escrever e me tornei aquele que escreveu e escreve. Isso por si tem grandes dimensões – pessoais, principalmente. E depois, os inúmeros encontros que o livro me trouxe com tantos leitores. Essa parte também é especial”.

Muito a ensinar

Criadora e coordenadora da especialização em Escrita e Criação na Universidade de Fortaleza, Socorro Acioli assistiu à premiação ao vivo e estava falando com Stênio nos dias anteriores à cerimônia. Ela gritou bem alto quando o anúncio foi realizado. “O resultado saiu perto de uma hora da manhã; acordei o prédio inteiro”, diz.

“Estava receosa porque os indicados eram todos muito bons, mas quando o apresentador subiu ao palco eu tive a certeza de que ele ia ganhar. E a certeza se confirmou”.

Olhando em retrospecto para a jornada de Stênio, a escritora afirma que o caminho trilhado por ele tem muito a ensinar, sobretudo àqueles e àquelas que desejam se lançar em uma carreira literária.

“Ele fez a especialização que eu criei e coordeno na Unifor, e faz curso comigo desde 2013. Sempre foi um grande leitor. Teve muita paciência na elaboração desse texto. Foram vários anos de escrita, reescrita, revisão... Quando eu mandei para a Companhia das Letras, foi com muita certeza de que era um grande livro, assim como quando enviei para a Agência Riff. Tô muito feliz em ver o Stênio reconhecido porque ele merece. Merece isso e muito mais”.

 

> Leia, na íntegra, o discurso de Stênio Gardel na cerimônia:

Obrigado à National Book Foundation e aos jurados.

Eu dedico esse prêmio à minha mãe, Irene. Ela não está mais com a gente, mas sempre acreditou em mim, e eu não estaria aqui se não fosse por ela. Ela era a melhor mãe, e eu sinto muita saudade.

Eu quero agradecer ao meu irmão, Jardel, minha família e meus amigos. Socorro Acioli, Vanessa Ferrari, Julia Bussius. Também o Fernando Rinaldi, Stéphanie Roque e todo mundo na Companhia das Letras, minha editora brasileira, e Lucia Riff, Julia Wähmann e todos na Agência Riff.

Finalmente, dois agradecimentos especiais. À Bruna, por capturar o coração e a respiração do livro e escrevê-los nas suas próprias e lindas palavras. E a Michael Wise, editor e co-fundador da New Vessel Press, por toda sua dedicação e trabalho e por dar ao meu romance uma casa maravilhosa.

Crescendo como um menino gay no interior do nordeste do Brasil, era impossível para mim sonhar com uma honra como esta. Mas estando aqui esta noite, recebendo este prêmio por um romance sobre a jornada de outro homem gay até sua autoaceitação, eu quero dizer a todas as pessoas que já se sentiram erradas em relação a si mesmas que seu coração e seu desejo são verdadeiros e vocês são tão merecedores, como todo mundo, de ter uma vida realizada e alcançar sonhos impossíveis.

Obrigado, tenham uma excelente noite!

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