Segredos e histórias: os fatos pouco conhecidos do Cineteatro São Luiz e do Theatro José de Alencar

Visitas guiadas aos equipamentos revelam cenários e informações super curiosas, além de apresentar as diferentes fases da cultura de Fortaleza

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Um passeio pelo Theatro José de Alencar: guias conduzem público a lugares e experiências inesquecíveis
Foto: Ismael Soares

Não vale estar em Fortaleza e desconhecer a história dos principais lugares da cidade. Dito isto, visitas guiadas a equipamentos feito o Cineteatro São Luiz e o Theatro José de Alencar são obrigatórias para quem quer ir além da fachada. Realizamos o percurso e a dúvida que certamente ficará em você é: “Por que não fiz antes?”.

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A preço acessível e realizados periodicamente, os passeios convocam ao apaixonamento. Impossível saber de tantas informações e visualizar os locais da mesma forma, não se encantar ainda mais com eles. Permeados de detalhes, carregam a trajetória de si mesmos, mas também da capital cearense, palco de inúmeras transformações ao longo das décadas.

Comecemos pelo Cineteatro São Luiz. Encravada no coração da metrópole e atualmente mantida pelo Governo do Estado, a obra do cearense Luiz Severiano Ribeiro é marco simbólico, afetivo e patrimonial da cidade. Foi inaugurada em 26 de março de 1958 e conserva boa parte da estrutura e, claro, da vocação para incentivar as artes e a cultura. 

Legenda: Trajeto no Cineteatro São Luiz inicia no hall de entrada, todo feito em mármore de Carrara, uma província italiana
Foto: Guilherme Silva

É também o único remanescente de uma era de ouro dos cinemas de rua em Fortaleza, tendo sido tombado como patrimônio histórico e cultural estadual em 1991 após negociação para preservar não apenas a parte física, mas a manutenção das atividades culturais. Ficamos sabendo de tudo isso já no início do trajeto, no hall de entrada – ele mesmo um diamante.

Esse pedaço do equipamento é todo feito em mármore de Carrara – província italiana –  e contém três lustres de cristal da antiga Tchecoslováquia, um deles tal qual no tempo da inauguração. Além desse objeto, sofás, urnas de ingresso, expositor e espelhos permanecem os mesmos desde que o São Luiz abriu as portas. Já pensou?

Legenda: Visita no São Luiz dura em média uma hora, adentrando desde o interior da casa de espetáculos até os bastidores
Foto: Guilherme Silva

“A visita guiada fornece ao público não só informações relativas à história do equipamento, mas também aos primórdios do cinema cearense, tendo em vista o São Luiz ser um legado de Luiz Severiano Ribeiro, um dos pioneiros e maior nome da trajetória do parque exibidor brasileiro”, contextualiza Duarte Dias, programador e curador do cinema.

Segundo ele, a visita dura em média uma hora. Tempo muito bem aproveitado, tendo em vista o acesso tanto ao interior da casa de espetáculos –  hall, mezanino e sala de exibição – quanto aos bastidores, a exemplo do palco e dos camarins, localizados no subsolo do equipamento. É tudo bastante bonito de ver.

Sobreviventes ao tempo

Da próxima vez que entrar lá para assistir a um show ou espetáculo, repare nas minúcias. Contam histórias também. A decoração lateral do salão de cinema, por exemplo, incorpora referências da art-déco – a mesma presente em toda a arquitetura do Cineteatro – e, por isso, ressalta formas geométricas e lineares, além de uma infinidade de cores e texturas.

Outra dica: preste atenção ao lugar de onde os artistas partem para adentrar o palco, a dinâmica de tudo aquilo. Ao longo da visita, funcionários falam e mostram tudo direitinho. De repente, deixamos de ser espectadores e palmilhamos o tablado, temos a visão de toda a plateia e compreendemos o funcionamento das coxias, das luzes. Somos artistas junto.

Legenda: Em certo momento da visita, temos a visão de toda a plateia e compreendemos o funcionamento das coxias, das luzes e do som do Cineteatro
Foto: Guilherme Silva

“A grandiosidade do Cineteatro pode ser medida tanto do ponto de vista histórico quanto patrimonial, considerando-se ainda a destacada dimensão arquitetônica. Ela oferece 1.050 lugares aos visitantes, havendo ainda outros fatores de mensuração dessa grandeza, como o público das atividades desde 2015: já ultrapassou um milhão de espectadores”, diz Duarte.

As visitas guiadas, contudo, acontecem desde 2019 e, ainda assim, já ofereceram grandes instantes ao espaço. É oportunidade perfeita para que nós o ocupemos e, mais que isso: possamos preservá-lo e expressar orgulho. 

Legenda: Essa belíssima parede com cartazes de filmes e espetáculos já exibidos no São Luiz é um presente à parte aos visitantes
Foto: Guilherme Silva

“Significa reconhecer, nesse usufruto, a necessidade de que essa experiência possa ser compartilhada com as futuras gerações, o que implica na valorização e preservação desse legado de nossos antepassados”. Vá!

Habitar o TJA

Vá também ao Theatro José de Alencar. Pertinho do São Luiz, o equipamento igualmente oferece um belo giro por uma das casas culturais mais tradicionais do Ceará. A visita guiada dura entre 50 e 60 minutos. Começa no Pátio Nobre, sobe até a Sala Izaíra Silvino (Foyer), adentra os setores do balcão, frisas, camarote e torrinha, e desce para a plateia.

Na sequência, subimos ao palco e descemos para o porão para conhecer camarins e o fosso da orquestra. Fora da estrutura simbólica da caixa cênica, seguimos para os jardins de Burle Marx e terminamos no Anexo Cena para saber um pouco sobre a estrutura formativa do TJA. Passeio completo para ninguém colocar defeito.

Legenda: Do letreiro principal aos espaços mais internos, todos os detalhes do Theatro José de Alencar são explorados durante passeio
Foto: Ismael Soares

“É uma experiência simbólica conhecer o Teatro Monumento do Estado do Ceará e entender de onde vêm as estruturas, como foram feitas as pinturas, que tipos de espetáculos são apresentados, qual a flora do Jardim de Burle Marx e tantas outras informações importantes”, observa Natália Escóssia da Rocha Pitta, diretora do lugar.

Por sinal, ainda durante o passeio, no Anexo Cena - Padaria Espiritual, conhecemos o Teatro Morro do Ouro, a Praça Mestre Pedro Boca Rica e a Galeria Ramos Cotoco. É um encanto, e todos têm a chance de tirar dúvidas com os guias. Algumas das perguntas, claro, dizem respeito a uma suposta bailarina fantasma.

Legenda: Público atento às minúcias da Sala Izaíra Silvino (Foyer)
Foto: Ismael Soares

A lenda virou até livro de mesmo nome, escrito por Socorro Acioli. O romance parte da premissa de que teatros antigos são cheios de mistérios. Assim, funcionários e artistas contam sobre o fantasma de uma bailarina jovem e bonita que tenta fazer contato com alguém. No fim das contas, a trama é sobre o amor.

Mas há mais, bem mais nesse percurso. Inaugurado em 1910, o TJA antes era destinado às classes nobres e, apenas com o tempo, foi abrindo as portas para outros estratos sociais. Partes da estrutura de ferro do equipamento vieram de Glasgow, na Escócia, e os vidros da vidraça original têm origem alemã.

Legenda: Camarins coletivos podem ser visitados por visitantes
Foto: Ismael Soares

O uso da letra “t” no nome do equipamento é outra peculiaridade: permaneceu assim porque, na época em que foi inaugurado, a grafia correta de “teatro” era aquela. Uma vez que se deseja manter o legado da casa, optou-se por esse diferencial. Não à toa, na visão de Natália, “a visita guiada por um patrimônio tombado nacionalmente é uma experiência histórica e sensorial que descortina palco, sons e sonhos”.

Democratizar o saber

Motivos, então, não faltam para se surpreender. A grandeza da estrutura física da caixa cênica e dos jardins – a Tumbérgia e os oitis centenários são um show à parte – além do “mistério” que está por trás das cortinas do Theatro, fascina. O maquinário, as varas cênicas, as coxias e os camarins também. 

Há um terceiro ponto de encantamento que é o prédio Anexo à caixa cênica. Segundo Natália, a maioria das pessoas que faz a visita não sabe que o Anexo Cena Padaria Espiritual existe e que ali são formadas pessoas pelos cursos livres que o Theatro José de Alencar oferece anualmente, a exemplo do Curso Princípios Básicos de Teatro.

Legenda: Os oitis centenários no jardim do TJA, projetado por Roberto Burle Marx: tudo é história
Foto: Ismael Soares

“O TJA abre as portas para a visita guiada desde a reinauguração no ano de 1991. Espaços culturais e monumentos históricos costumam ser sinais dos sentimentos coletivos de uma comunidade. Esses espaços, centros de difusão e formação de arte e cultura, possuem a missão de serem territórios para a convivência democrática da população”.

E reforça: “A história dos equipamentos culturais públicos da cidade faz parte da história de Fortaleza e do Ceará. Visitar um equipamento público de cultura proporciona ao público uma imersão no simbolismo do espaço, conhecimento sobre história e programação artístico-cultural tanto do espaço quanto da cidade”. Convite feito.


Serviço
Visitas guiadas ao Cineteatro São Luiz e ao Theatro José de Alencar
No Cineteatro São Luiz, as visitas acontecem duas vezes por mês, geralmente no primeiro e último sábado, pela manhã e em três horários: 9h30, 10h30 e 11h30. Ingresso nas bilheterias físicas e no Sympla. Entrada: R$5 (meia)/R$10 (inteira). Limitação de 25 visitantes por sessão. Endereço: Rua Major Facundo, 500, Centro.

No Theatro José Alencar, as visitas acontecem às quartas, quintas e sextas (9h, 10h, 11h, 14h 15h e 16h) e aos sábados e domingos (14h, 15h e 16h). Entrada: R$5 (meia)/R$10 (inteira), pagamento somente em espécie. Nos dias 17 de cada mês, a visita guiada é gratuita em comemoração ao “mêsversário” do TJA. Visita gratuita para ONGs, escolas e instituições públicas. Endereço: R. Liberato Barroso, 525 - Centro. Agendamento e outras informações: (85) 99238-8122 (Wpp e ligação direta) 

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