Secult-CE lança edital de emergência para grupos de Carnaval, Paixão de Cristo, Natal e ciclo junino

Representantes do São João e setor carnavalesco afirmam que ação é incapaz de amenizar a crise da área cultural desencadeada pela pandemia

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Cancelamento do edital Ceará Junino 2020 ainda repercute no movimento de quadrilhas juninas do Estado
Legenda: Cancelamento do edital Ceará Junino 2020 ainda repercute no movimento de quadrilhas juninas do Estado
Foto: Camila Lima

A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) lançou o edital “Fomento para Grupos dos Ciclos da Cultura Tradicional Popular do Ceará”. O objetivo é atender as manifestações ligadas aos ciclos do Carnaval, da Paixão de Cristo, e dos períodos juninos e natalinos. As inscrições, abertas até 3 de maio, são se feitas por meio do Mapa Cultural do Ceará. O processo é todo virtual e gratuito. 

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O recurso é de R$3,3 milhões. A verba é proveniente do Fundo Estadual de Cultura (FEC). A proposta é selecionar 356 projetos do todo o território cearense. O edital determina, ainda, que metade desse aporte seja destinado a trabalhos oriundos do interior do Estado. A outra parte contempla projetos advindos da capital.  

A Secult explica que esta ação é “pioneira” por atender diferentes setores da cultura tradicional. De acordo com a pasta, o edital tem caráter emergencial. Busca movimentar a economia criativa no setor cultural e democratizar o acesso à cultura, em tempo de pandemia. Representantes das expressões atendidas, no entanto, questionam o formato escolhido para o edital. 

Inicialmente, como funciona o certame?  A missão é selecionar e ajudar projetos artísticos-culturais em formatos diversos. Podem ser apresentações, performances, seminários, aulas, oficinas, tutoriais, intervenções, dentre outros, desde que seja possível sua veiculação em plataformas digitais de exibição audiovisual. Os conteúdos selecionados poderão ocupar as programações artísticas dos equipamentos da secretaria.  

Valores do edital 

66 projetos devem compor o “Ciclo do Carnaval”. São R$ 622 mil divididos entre categorias de Maracatu, Escola de Samba, Blocos, Afoxés, Cordão e Bandas de Música. Para o “Ciclo da Paixão de Cristo”, deverão ser contemplados 48 trabalhos. A quantia é de R$ 378 mil, divididos entre as categorias Espetáculo Cênico, Caretas, Procissão de Penitentes, Procissão do Fogaréu e Malhação ou Queima de Judas.  

Para o “Ciclo Natalino”, são 58 projetos, com o recurso de R$580 mil no total, organizados nas categorias de Pastoril; Boi ou Reisado; Dramista; e Lapinha. No caso do “Ciclo Junino”, estão previstos 138 projetos, com um recurso total de R$1,3 milhão, divididos entre as categorias de Grupo Quadrilha Infantil, Grupo Quadrilha Adulta e Grupo de Quadrilha da Diversidade. 

“Esse edital não contempla a realidade do ciclo junino”, avalia o diretor da União Junina do Ceará e membro do comitê gestor Ceará Junino, Tácio Monteiro. 

Nas palavras do representante, reunir expressões distintas numa só ação desrespeita as individualidades de cada um destes setores. No caso específico da cadeia produtiva do São João, trata de uma área que acumula prejuízos. Em 2020, o ciclo, pronto para acontecer, precisou ser cancelado. 

Legenda: Abrangendo diferentes públicos de participantes e apreciadores, festejos juninos movimentam cultura e economia do Ceará

cancelamento do edital voltado ao “Ceará Junino” continua reverberando negativamente. Como o trabalho das quadrilhas começa um ano antes do São João, toda uma rede de trabalhadores ficou sem poder arcar com as quantias já gastas. Nem o apoio da Lei Aldir Blanc foi capaz de amenizar a contento as baixas.  

Segundo Tácio, o ciclo junino não se restringe ao período das festividades. “Nós temos os promotores de festivais, as entidades juninas, a mídias juninas, os pesquisadores da cultura, o corpo de jurados das três entidades que compõem o movimento. Temos toda uma cadeia produtiva. É muita gente que foi prejudicada por conta da pandemia”, descreve.  

Redução do apoio 

O edital de 2020, voltado exclusivamente para o setor junino, prometia cuidar de 138 projetos. A verba gira na casa dos três milhões (R$ 3.014,800). Em 2021, com o edital conjunto, o valor cai consideravelmente. O atual documento quer atender a mesma quantidade de atrações, porém, com o caixa de R$1.330.000. 

A diminuição da verba atingiu todas as expressões que constam no edital “Fomento para Grupos dos Ciclos da Cultura Tradicional Popular do Ceará”. No caso de quem organiza o Carnaval, os valores passaram de R$ 1.234.716 (2020) à atual proposta de R$ 622.000.  

Sem uma resposta efetiva da Prefeitura Municipal quanto ao ciclo carnavalesco, trabalhadores do Carnaval de Fortaleza ficam só com a opção do edital estadual
Legenda: Sem uma resposta efetiva da Prefeitura Municipal quanto ao ciclo carnavalesco, trabalhadores do Carnaval de Fortaleza ficam só com a opção do edital estadual
Foto: Camila LIma

Nesse intervalo de um ano de pandemia, na falta de desfiles, escolas de samba do Cariri ficaram sem o que fazer. A situação na capital é grave, explica o presidente da Associação Cultural das Entidades Carnavalescas do Estado do Ceará (ACECCE), Raimundo Praxedes. "Todo dia eu preciso apagar um fogo, conversar com o pessoal", anuncia o entrevistado. 

Praxedes critica o fato de o edital não suprir a real necessidade do momento. Sem ação específica da gestão municipal de Fortaleza para o ciclo carnavalesco 2021, a esperada iniciativa da esfera estadual era a oportunidade de amenizar a dura realidade. 

“Temos 14 maracatus (o edital ajuda até 9 em Fortaleza), o que eu digo para os outros cinco? É uma discriminação. Se é um edital de fomento do Carnaval, tem que entrar todo mundo”, lamenta Raimundo Praxedes.

Tácio Monteiro salienta os esforços de toda a comunidade que faz o período junino. “Estamos em todas as regiões do Estado”, explica. São mais de 350 grupos juninos no Ceará, contabiliza.  

“Já fomos prejudicados ano passado. Fizemos um São João virtual, com ‘lives’, podcast, festivais de dança competitiva, várias atividades, sem apoio nenhum de Secult e Secultfor. A Aldir Blanc era para nos ter inserido na 'categoria prêmio'”, argumenta. 

Acerca do futuro, o profissional da cultura tradicional é incisivo. “A perspectiva é que muitos grupos parem de fazer suas atividades”, finaliza Tácio Monteiro.

Secult fala em novos editais

Em nota, a Secult detalha que os editais relacionados aos quatro ciclos da Tradição Popular (Carnaval, Paixão de Cristo, Junino e Natal) aconteciam separadamente, todos os anos. Cada um, era lançado conforme o calendário oficial brasileiro, "atendendo projetos culturais em formato majoritariamente presencial, envolvendo a participação de inúmeros mestres da cultura, grupos de tradição, artistas e profissionais da área cultural". 

O contexto pandêmico alterou essa realidade. "Toda essa 'normalidade' modificou-se completamente, a começar pela orientação do Governo do Estado do Ceará, atendendo aos protocolos de saúde pública, emitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e demais órgãos da área no País, de não promover e não estimular eventos que promovam concentração de pessoas (em pequena, média e sobretudo grandes proporções).

Instrumentos percussivos do Maracatu seguem em silêncio
Legenda: Instrumentos percussivos utilizados em expressões culturais como o Maracatu
Foto: Camila Lima

A Secult evidência sua atuação no movimento de construção, em curto espaço de tempo, da Lei Aldir Blanc no Brasil. "Só no Ceará foram lançados 12 editais no segundo semestre de 2020, movimentando quase 73 milhões de reais, na virada de 2020 para 2021. Recursos esses que muitos artistas e grupos culturais ainda estão executando, em diversas áreas, incluindo os ciclos da cultura tradicional popular".

Nesse sentido, assevera a pasta, o edital visa colaborar com os produtores e artistas cearenses, apoiando projetos em formato totalmente virtual, que já estejam em desenvolvimento ou que, embora finalizados antes da pandemia, possam passar por releituras ou atualizações.

Questionada se o Ciclo Junino, por ter o edital cancelado em 2020, carece de maior atenção, a secretaria reitera que "todos os setores culturais precisam de atenção". "Os grupos dos ciclos juninos tiveram a oportunidade de concorrer em vários editais lançados com recursos da Lei Aldir Blanc".

A Secult prevê organizar outros editais (voltados para estas expressões) esse ano? Pela COPAM (Coordenação de Patrimônio Cultural e Memória), além do Edital dos Ciclos, teremos o Edital dos 'Tesouros Vivos', com previsão de ampliação do número de mestres, grupos e coletivos da cultura tradicional popular", aponta a gestão.