Que tal um rolé fotográfico? Passear pela cidade para registrar um novo olhar sobre Fortaleza
Poço da Draga e Titanzinho são alguns dos lugares visitados com a mediação de guias locais e do professor de fotografia Gandhi Guimarães
Até onde vai a sua Fortaleza? A depender do bairro em que se mora, tem canto que a gente só ouve falar e desenha no imaginário a partir disso. A repórter que aqui escreve, por exemplo, nasceu e se criou na Messejana, e demorou uns 18 anos para furar a bolha e atravessar a cidade. Ampliar essa percepção sócio-cultural sobre alguns lugares da capital cearense é a aposta do produtor cultural, fotógrafo, professor e realizador audiovisual Gandhi Guimarães.
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Idealizador do projeto Rolé Fotográfico, em atividade desde 2019, ele conduz amantes da fotografia, sejam profissionais ou amadores, por experiências urbanas guiadas, em locais como Poço da Draga e Titanzinho. A ideia ganhou corpo a partir da relação estabelecida entre Gandhi e alguns jovens da Rede Cuca e do Centro Cultural Bom Jardim, durante as aulas que ministrou nestes equipamentos públicos.
Os estudantes provocaram o professor a fazer incursões fotográficas em outras áreas da cidade. Ideia abraçada, funcionou tão bem que ele precisou abrir para pessoas que não estavam fazendo os cursos, mas queriam vivenciar o que estava sendo proposto.
“No caso dos grandes mestres da fotografia, a identidade deles, a escola deles é a rua. Então, acaba que nesse lance de você dialogar com o urbano, com a cidade, você está trabalhando muito além da técnica, porque a técnica fotográfica é muito simples. O que vai somar nessa experiência são as questões humanas, de como é que você se relaciona com aquele espaço, como você absorve aquela cultura, como você dialoga com as pessoas da rua, como você vai lembrar, então é uma experiência de fotografia documental”, explica Gandhi Guimarães.
Essa construção, que é sobretudo coletiva, está entre os principais objetivos do projeto ao qual ele se dedica.
“Os participantes têm a oportunidade de fazer recortes diferentes, e como eles estão num local que tem muita vida, muita coisa acontecendo, muitas cenas, o olhar fica bem atento e é um verdadeiro estudo social”, entende.
Interação com a comunidade
Os roteiros para cada rolé são pré-estabelecidos, mas os encontros carregam uma dinâmica própria, podendo a atividade durar de três a quatro horas, segundo Gandhi Guimarães. Como se trata de uma produção fotográfica, há momentos de introspecção dos participantes, mas também de criação e diálogo.
Quem facilita a conversa no Poço da Draga é o geógrafo, professor de francês e guia local Sérgio Rocha, 37 anos. A família dele vive desde a década de 1960 nesta comunidade centenária, situada na Praia de Iracema. Logo, não faltam histórias para contar.
“Quando a gente traz o Rolé Fotográfico, os moradores ficam inquietos, ansiosos para mostrar as coisas que eles têm, seja de artesanato, culinária. É uma interação muito forte, a nível até de contato deles com o público, de troca de telefone, de parceria profissional, dos visitantes pedirem uma encomenda, uma peça, um serviço, coisas desse tipo. Então a comunidade participa ativamente, de uma forma que há uma troca recíproca”, explica Serginho, como é mais conhecido na região.
A integração se dá de tal maneira que é muito difícil alguém se recusar a sair em uma foto. “Na verdade, eles fazem é querer…'deixa eu vestir uma blusa'. Acontece assim. Tem algum aqui ou acolá que não gosta de ser fotografado, e os visitantes respeitam, mas a maioria participa, porque já sabe que está consolidada a atividade”, partilha o guia.
Serginho acredita que o rolé possibilita, de forma espontânea, uma retomada do sentimento de pertencimento, muitas vezes perdido pela ameaça da especulação imobiliária na região.
“Quando os moradores veem as pessoas, os visitantes interessados na história deles, nos afazeres deles, no que eles produzem, em como eles veem a cidade, eles se sentem cheios de si. Então, o rolé fotográfico se torna um instrumento validador desse sentimento de identidade”, defende.
Experiências fotográficas
Essa socialização é o que mais atrai a fisioterapeuta Marília Quinderé, 36 anos, para a atividade. Ela já até perdeu as contas de quantos rolés participou desde o início do projeto, em 2019, mas garante que há algo diferente a cada encontro com a rua.
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“É possível também refletir sobre esses espaços. Os guias locais não só expõem a história e as memórias do Poço da Draga e Titanzinho, como também te fazem pensar sobre a luta e a resistência dessas comunidades contra remoções e a especulação imobiliária, por melhores condições de moradia e saneamento básico e pela manutenção do patrimônio histórico, a Ponte Metálica e o Farol do Mucuripe”, expõe, em diálogo com o discurso de Serginho.
Sempre que tem a oportunidade de participar, Marília, que reside na Aldeota, faz em média 100 fotos por rolé, contemplando o cotidiano dos moradores das outras localidades e a relação deles com o mar.
“Costumamos transitar apressados pelas ruas. Acredito que esse projeto te faz parar para enxergar, para sentir e curtir a cidade. Te faz também observar o outro, seja o movimento do corpo em suspensão num pulo da Ponte Metálica, seja a sua luta diária por sobrevivência”, diz.
Outro que não perde um Rolé é o fotógrafo Gabriel Sousa, 20 anos. Morador do Pirambu, ele conheceu o trabalho de Gandhi Guimarães por meio da internet, foi aluno dele na Rede Cuca, e hoje é reconhecido entre os pares como uma revelação da fotografia de rua.
O título se explica nas imagens, obtidas por meio de uma dinâmica própria de criação.
“Eu tenho toda a paciência de olhar, aprender e viver a foto. Então, no Rolé eu faço um mínimo de 15 imagens, muitas das vezes não fiz nem 10, isso só pelo tempo de viver a foto”, descreve.
Gabriel defende uma troca mútua nesses processos e entende a iniciativa de Gandhi Guimarães como um presente para a cidade. “Fortaleza só tem a ganhar em ser vista por vários fotógrafos e olhares diferentes”, identifica.
Rolés em 2022
Parte das fotografias feitas nos rolés pode ser conferida na página do Instagram (@rolefotografico.br) e, muito em breve, no site atualizado do projeto e em uma revista virtual em produção. Com recursos da Lei Aldir Blanc, Gandhi tem promovido rolés gratuitos, especificamente voltados para a juventude da periferia. A tendência para 2022 é fortalecer essa rede, além de oferecer cursos de fotografia documental e visitar outros territórios.
Quando a atividade é feita sem o recurso público, o idealizador abre as inscrições pelo Instagram e pede uma taxa que varia a partir de R$50, a depender da estrutura envolvida para o rolé. Em média, participam até 15 pessoas, cada uma com seu equipamento (que pode ser câmera, celular etc). O encontro é voltado para maiores de idade, mas, em casos específicos, é permitida a presença de menores de 18 anos acompanhados pelos pais e/ou responsáveis.
No fim das contas, como acredita Serginho do Poço da Draga, o Rolé propõe que as pessoas se vejam como iguais, a despeito da estigmatização social imposta sobre algumas geografias da capital. “A cidade tem uma conexão entre seus segmentos, de variadas localidades, que devem e podem sim interagir entre si”, convida.
Serviço
Rolé Fotográfico: @rolefotografico.br