QUE NEM TU: Dinha Ribeiro pinta paisagem de Fortaleza e faz da arte luta contra o machismo e o racismo

A artista recifense pinta mulheres negras em busca representatividade

Escrito por Redação ,
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Carolina Maria de Jesus, escritora negra que expôs a vida da favela e fez de sua própria história improvável um conto brasileiro, dizia que ela não tinha sorte. "Eu disse lhes que eu tenho audácia". Assim como ela, a pernambucana radicada no Ceará, Alexsandra Ribeiro, mais conhecida como Dinha, tem a coragem daquelas que abrem caminhos. Uma das primeiras mulheres a fazer grafite, ela enfrentou a rua, o preconceito e provável. E fez de sua arte cenário de representação das mulheres negras exposta em Fortaleza e em cidades Brasil afora.

A artista visual que é referência no Nordeste contou sobre seus processos criativos, seu começo no grafite em Recife, a chegada no Ceará, a troca com outras artistas e o retorno que vem tendo de sua obra, seja ela em museus ou nas ruas. O que ela não abre mão é de estar pintando a paisagem da periferia. Em entrevista ao Que Nem Tu temporada especial Viva O Verão, que vai ao ar nesta quinta-feira (7.11), ela reforça a decisão de não se afastar da favela.

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"Meu foco ainda continua sendo, retribuir o que o graffiti fez e continua fazendo por mim. Inspirar e ser inspirada, esse tem sido meu foco na arte", brava a mulher que modifica a paisagem urbana, trazendo pra rua mais mulheres pretas. Nas paredes ou nas avenidas, elas se reconhecem e reforçam que seu lugar no mundo é onde elas quiserem estar.

Há ainda muitos desafios a todas elas. Dinha, por exemplo, reconhece que fazer arte no Nordeste continua ser menos valorizado que no Sudeste. Mas, "carolina moderna", ela não se intimida com padrões que precisam ser mudados.

"Além de levar a questão racial, da identidade, eu gosto muito de estar sempre reafirmando que sou nordestina, que aqui tem vários artistas de qualidade. O circuito é muito parecido em todos os âmbitos, da questão da desvalorização, do não entendimento, de achar que no Nordeste não tem artistas altura para que possam participar de festivais. É uma diferença exorbitante. A gente vê uma diferença enorme de oportunidades, financeiro, de custos... Tenho amigos de São Paulo e a gente percebe a diferença de valores de trabalho. Tem projetos de empresas que sempre chega lá e não chega aqui", denuncia.

Representatividade no grafite

Em 2008, quando começou a grafitar, em Recife, ela conta que se encantou quando viu outras meninas pintando. Foram essas grafiteiras que incentivaram a jovem a iniciar nessa jornada. Mas outra mulher também foi muito importante: sua avó! Envolta nessa rede feminina, Dinha perseverou, mesmo quando a rua demonstrava ameaça à mulher que pintava. Como conseguiu vencer, hoje ela carrega nas tintas a responsabilidade de ser o espelho e o chamamento a outras mulheres a fazerem arte.

"Pra mim foi um impacto muito grande porque até então eu só via homens pintando na minha cidade. Hoje esse cenário já muda. Mas naquela época tinha muito mais homens que mulheres. E eu me peguei muito impactada pela atuação das poucas mulheres que tinham na minha cidade. E o incentivo delas foi crucial para que eu desse continuidade. A gente tá na rua e a gente se sente muito vulnerável. E ter o apoio delas foi muito importante. E o que fez também eu continuar foi a referência que elas me trouxeram. E eu tentar também ser referência para outras mulheres que iniciam hoje. Eu fico muito feliz porque não me vejo como grande referência. Mas ver as que estão iniciando agora falar que se referencia e que gosta do meu trabalho, pra mim, meu intuito foi conquistado".

Dinha ajuda a formar nova geração de artistas não sendo apenas espelho e aspiração. Ela também atua como arte-educadora. Atuou durante anos em projetos fixos, mas agora ela se dedica mais às suas produções, sendo convidada a colaborar em algumas formações.

A arte de Dinha tem tanto dela quanto de outras mulheres pretas. A simbiose de arte-artista acompanha inclusive a transformação também de quem aprecia sua obra. A artista conta que se emociona toda vez que histórias potentes de autoaceitação a partir de suas pinturas chega ao seus ouvidos.  "Eu sempre retratei mulheres, para que elas pudessem se ver na minha arte. Quando passei pela transição capilar, passei a pintar mulheres e crianças negras. Um trabalho que fiz no Cuca Jangurussu me marca muito. Uma mãe relatou que a filha viu o mural e disse 'ó, mãe, parece comigo!'. Era o grafite de uma menina negra. São essas coisas que me emocionam para que menininhas que nem essa se reconheçam."

Dinha Ribeiro, Alan Barros e Karine Zaranza no estúdio do Que Nem Tu
Legenda: Dinha Ribeiro é artista visual recifense que mora há mais de uma década no Ceará
Foto: Kid Junior

Exposição

DInha também se emociona ao romper os muros da cidade e levar sua arte também para dentro de museus. O reconhecimento da obra em locais de prestígio artístico reforçam nela ainda mais vontade de levar uma discussão sobre feminino e raça para todos os espaços. Ela expõe, junto com outras mulheres negras, na Caixa Cultural. Desde a última terça-feira (5), foi aberta a exposição "Carolinas".

Homenagem à escritora brasileira Carolina Maria de Jesus e com o objetivo de reforçar a pluralidade das produções e trajetória da artista, a mostra conta com fotografias, composições musicais, capas de livros e vários outros materiais produzidos pela artista, além de alguns trabalhos inéditos. Em "Carolinas contemporâneas", obras de artistas negras cearenses influenciadas pela homenageada ganha holofote. 

Juntas a DInha Ribeiro, Alexia Ferreira, Aline Furtado, Dhiovana Barroso, Francisca Oliveira, Sarah Forte, Renata Felinto e Pretarau – Sarau das Pretas. Elas apresentam pinturas, obras visuais, slam, poemas e manuscritos.

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