Quadrilheiros cearenses vendem quentinhas, alugam roupas e organizam vaquinhas para custear figurino
Com poucos recursos e gastos expressivos, grupos se preparam durante todo o ano para garantir a feitura das roupas
Um dos destaques do São João, as quadrilhas juninas são responsáveis por levar cor e brilho a diversas cidades do Ceará, contando histórias que unem tradição, criatividade e amor pela festa regional. Parte fundamental dos festejos, os figurinos juninos vão muito além da beleza: são responsáveis por condensar os principais elementos temáticos de cada grupo, complementando a narrativa de cada agremiação.
Pela relevância e minúcia do trabalho, o valor de cada traje junino costuma ser elevado, e pode custar até mais de R$ 2 mil reais – preços inacessíveis para quadrilheiros com menor poder aquisitivo e grupos independentes que conseguem pouco apoio financeiro.
As quadrilhas, no entanto, se organizam como podem, individual e coletivamente: durante os meses que precedem o São João, os grupos vendem quentinhas, comercializam ou alugam figurinos antigos e realizam bingos, rifas e vaquinhas para custear as peças.
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O produtor cultural Jocivan Felinto, responsável por organizar os festejos juninos em Lima Campos, distrito de Icó, há quase 20 anos, explica que a dedicação acontece porque o figurino “tem papel fundamental dentro do contexto da história que é contada a cada ano”.
“Ele tem que ter traços juninos, um pouco da história dos arraiás e estar no contexto do tema. É um desafio chegar, a cada ano, em um figurino atrativo”, explica.
Mobilização coletiva
Jocivan preside atualmente as quadrilhas Valente Coração, que conta com jovens e adultos, e Geração Junina, grupo infantil que fará 12 apresentações em sete cidades cearenses neste ano – e tem como apoio apenas o recurso obtido via edital do Ceará Junino, ainda em fase de tramitação.
Segundo o organizador, seis costureiras do distrito dão conta da feitura dos figurinos dos pequenos, que custam R$ 300 (par), para a apresentação de abertura, e entre R$ 1.200 e R$ 1.600 (par) para as apresentações oficiais – fora o custo com sapatos, maquiagem, chapéus e detalhes do cenário. Em 2024, 12 pares se apresentarão.
“A gente utiliza o acervo do ano passado para aluguel e venda, e desenvolvemos atividades para arrecadar recursos. A gente costuma vender quentinhas na comunidade e fazer eventos promocionais como o Desfile das Rainhas das Flores”, conta Jocivan.
“O carro-chefe para conseguir um figurino bom são os aluguéis dos figurinos, as outras atividades são para manter os gastos diários e para conseguir chamar outras pessoas”, completa. “O figurino deste ano já é uma fonte de renda para os próximos, caso a coisa se complique”.
Como o figurino é parte fundamental, há toda essa dedicação, esse cuidado e esse gasto. O retorno é o de ver um trabalho bem feito, as pessoas falarem bem, elogiarem, isso pra gente é muito compensador. O que nos move não é a questão financeira, e sim o amor e o reconhecimento do trabalho pela comunidade e pela região."
Rifas e bingos custeiam trabalho das costureiras e gastos extras
Em Maracanaú, mais de 200 grupos juninos se apresentam durante os oito dias de São João. Completando uma década em atividade, a quadrilha Haja Paixão é uma das que se organiza coletivamente para custear os trajes típicos.
O diretor do grupo junino, Emerson Almeida, explica que o planejamento dos figurinos visa boa qualidade e um preço que seja alcançável pelos brincantes. “Nosso grupo se baseia em investir em bons materiais de custo básico, para que os participantes possam investir de maneira com sua realidade”, explica.
Para atingir a qualidade desejada, cada par desembolsa cerca de R$ 2.500 por ano, entre material e costura – o investimento é feito para que as vestes sejam bonitas e aguentem as 30 apresentações que o grupo realiza entre junho e julho.
Durante os meses que antecedem os festejos, a Haja Paixão realiza rifas e bingos para cobrir o pagamento das costureiras e a compra de acessórios, como cintos, chapéus, sapatos, meiões e arranjos.
“Por mais que hoje o investimento seja caro, pelos figurinos estilizados que os grupos estão adquirindo e se adaptando, vale super a pena o investimento, pois neles nos sentimos realizados como quadrilheiros”, afirma Emerson. “Depois do uso do figurino realizamos a venda dos mesmos para outros grupos para cobrir os gastos acumulados durante a temporada”, completa.