Profissionais reinventam formas de fotografar durante a quarentena com ensaios virtuais
Fotógrafos cearenses apostam em ensaios virtuais feitos por vídeo chamada para seguir registrando imagens em meio à pandemia com olhar mais íntimo e sensível
Trabalhar com a criação de memórias em meio à pandemia do novo coronavírus trouxe uma nova perspectiva para os fotógrafos de todo o mundo. A distância virou uma ferramenta de reinvenção. A aposta da vez são os ensaios virtuais realizados por vídeo chamada em uma relação de total confiança entre quem registra e quem é registrado. O resultado? Sensíveis e íntimos retratos.
Intrigada com o funcionamento dessa nova proposta, Camila de Almeida descobriu no formato a chance de seguir criando durante o isolamento social. Ela, que já atua há oito anos com a fotografia, nunca havia trabalhado com essa ferramenta para a produção.
Para as chamadas de vídeo, a fotógrafa utiliza o aplicativo Facetime que possibilita o registro sem ser necessário fazer um ‘print’ da tela do celular. “Consigo dirigir o fotografado e clico, a imagem vem pro meu celular. Simula um pouquinho a fotografia presencial, a pessoa registrada não vê o que está saindo”, explica.
Nos preparativos do ensaio, Camila faz uma análise do ambiente para ver qual o melhor cenário esteticamente e descobrir o espaço com uma boa entrada de luz natural. “Caso não tenha, a gente vai adaptando, usa um abajur, uma lanterna ou a luz do computador. Faço a proposta dos locais e mando umas referências”, detalha.
Apostar na criatividade com objetos disponíveis na casa do fotografado podem garantir uma boa composição de cena. Espelhos, lençóis, plantas, janelas e luzes coloridas ajudam a alcançar diferentes efeitos e conceitos para o registro.
Dirigir o fotografado é, portanto, uma das dificuldades, de acordo com a fotógrafa Iara Pereira. “Acredito que a principal questão é não poder usar ângulos que você queria, é um desafio, tem que explicar direitinho e, às vezes, eles não têm muita noção da forma como você quer, mas acaba que torna o ensaio algo bem divertido e mais natural”, afirma ela que atua com a produção de retratos há três anos.
Para iniciar o projeto, Iara se inspirou em trabalhos já realizados por outros fotógrafos e buscou aprender métodos de facilitar a direção do modelo em vídeos na Internet. “Anotar as ideias no papel me ajuda muito e estimula a querer desenvolver algo legal”, conta animada.
Intimidade
Camila acredita ser fundamental estabelecer uma relação de confiança e colaboração com quem está do outro lado da câmera, já que o resultado vai depender de ambos. Essa troca, de acordo com ela, consegue ser ainda mais profunda do que presencialmente, uma vez que ela se insere em ambientes íntimos.
“Estou recebendo fotos das casas mais variadas possíveis e de vários ambientes, você tem que encontrar um lugar bacana ali e acaba que a gente se aproxima mais”, conta ela que já ganhou duas novas amigas com o projeto dos ensaios.
Para o fotógrafo Pedro Passos, o formato virtual ajuda o modelo a se sentir mais à vontade. “Geralmente no começo da chamada, quem não tem afinidade com a fotografia fica mais nervoso, mas a gente vai conversando e a pessoa acaba ficando mais confortável. O bacana é quando flui de forma natural e sempre tento imprimir a identidade da pessoa na foto”.
Fora da caixinha
Embora o formato tenha suas limitações e uma menor qualidade de imagem em relação à uma câmera profissional, o olhar fotográfico imprime registros íntimos e sensíveis fora da zona de conforto. Camila acredita que fotografar em meio à pandemia resgata a sensação prazerosa do criar.
“Acho que esse seja o principal objetivo. Enquanto fotógrafo e artista poder exercer a criatividade e sua paixão, não explorar isso estava me entristecendo. Eu sou fotógrafa de pessoas e ficar parada foi muito difícil pra mim. Essa ferramenta me libertou e estou lidando com a quarentena de uma forma totalmente diferente", ressalta.
Pedro, que além de manter o exercício vivo, encontrou uma maneira de garantir uma renda mesmo de casa. Morador de Irauçuba, no interior do Ceará, Pedro iniciou o trabalho com a fotografia há dois anos.
“É um desafio, mas estou gostando muito. Inicialmente, seria um projeto só com pessoas que eu conheço e agora muitos clientes me pediram. Fiquei surpreso com esse retorno positivo, tem dado certo”, comemora.
Camila revela que também vem recebendo propostas de marcas para editoriais virtuais. “Esse é um momento de reinvenção e temos que produzir conteúdo”, pontua.
“É uma forma também da gente não deixar a fotografia parar. Acredito que a arte esteja sendo algo muito importante para as pessoas na quarentena, uma válvula de escape mesmo em dias tão difíceis”, analisa Iara.