O que um marido precisa saber para melhorar a vivência a dois? Espetáculo em Fortaleza responde

Com leveza e bom humor, escritor Fabrício Carpinejar mira na desconstrução ao apresentar peça em formato inédito na qual reflete sobre atitudes e comportamentos entre casais

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Peça passeia pelas relações de amor contemporâneas de modo a refletir sobre a vida a dois, sobretudo em como manter uma parceria na qual haja espaço para individualidade e tempo próprio
Foto: Guilherme Bezerra

Se um for, o outro vai. Não por escolha, mas por necessidade. A saída com amigos diminui, e até familiares são deixados de lado. Em matéria de viagem, impossível ir sozinho. A pessoa vai junto. Mensagens são trocadas à exaustão, senhas são compartilhadas, canções são as mesmas entre os dois. Ambos se bastam e se completam. Parece amor: é cilada.

A impressão é de Fabrício Carpinejar quando o assunto diz respeito à dinâmica entre casais. “Estou aprendendo a entender o amor sem aquela contaminação romântica – da dependência, da privação, do ciúme e da possessividade”, confidencia o poeta, escritor e jornalista. Tal reeducação sentimental é levada por ele aos palcos, em formato inédito.

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“Tudo que Seu Marido Precisa Saber” tem apresentação única no Teatro RioMar nesta sexta-feira (22), a partir das 21h. No número, Carpinejar passeia pelos relacionamentos contemporâneos de modo a refletir sobre a vida a dois, sobretudo em como manter uma parceria na qual haja espaço para individualidade e tempo próprio.

A originalidade da peça – formada por várias esquetes – consiste no fato de que o público poderá acompanhar, em tempo real, os batimentos cardíacos do escritor. Eles aparecerão em um telão conforme as emoções são despertadas ao longo de 70 minutos. “Trago cenas e situações que todo mundo viveu ou vai viver nesse enredo doméstico”, situa.

“É essencial respeitar a liberdade do outro. Ninguém está casado por imposição, é uma decisão pessoal. E ainda existem resquícios de que, para o homem, o casamento é uma prisão, todas essas cenas patéticas que transmitem falta de escolha... Quero mostrar que não é desse jeito a partir de histórias em que o público consiga se enxergar ali”.

Legenda: No espetáculo, o público pode acompanhar, em tempo real, os batimentos cardíacos do escritor
Foto: Guilherme Bezerra

Outro ponto de destaque é o figurino do artista: a roupa medieval utilizada por ele no próprio casamento, criação do renomado estilista Ronaldo Fraga. Assim, revestido da cabeça aos pés de ideias e vontades, Carpinejar mira na desconstrução e acerta no alvo. “A gente não nota o quanto empobrecemos nossa experiência amorosa”.

Afinal, o que um marido precisa saber?

O título da peça dá vazão a essa perspectiva por meio de respostas sutis e bem-humoradas. Segundo Fabrício, o que todo marido precisa saber é que sempre é tempo de pensar sobre os próprios atos. No caso dele, dois vícios foram abolidos da personalidade: a neurose e a insegurança, a ponto de fazê-lo não precisar solicitar provas à esposa de que ela o ama.

“Hoje eu confio. Não sofro com a distância quando ela existe. Não fico aporrinhando o saco da minha esposa para saber o que ela está pensando ou com quem está falando. Existe uma leveza nos laços. Se o nó está firme, não precisa conferi-lo a todo momento. E o homem precisa perder a concepção de que a mulher é dele. A mulher não é dele: está com ele”.

Isso mudou tanto a visão do poeta que a trama do espetáculo abraça a seguinte teoria: não dá para entrar em simbiose. O outro não é você. Um casal nem sempre vai pensar e decidir igual, por isso é necessário que cada um não abdique do próprio tempo e espaço. Carpinejar defende, por exemplo, que visitas a familiares e amigos sejam feitas também de modo sozinho, sem que a pessoa que está com você se torne um reboque seu.

Legenda: Carpinejar traja a roupa medieval utilizada por ele no próprio casamento, criação do renomado estilista Ronaldo Fraga
Foto: Guilherme Bezerra

“O que muitas vezes acontece é que você se isola num relacionamento e depois não tem a quem pedir ajuda. Você não alimentou suas redes de proteção. No momento em que faz tudo com o outro, não se dá conta de que existem graus diferentes de intimidade. Não pode nem sair para um um futebol sozinho porque parece que você está roubando o amor”.

O mesmo vale para experiências como viagens ou mesmo troca de mensagens ao longo do dia. Para Carpinejar, quando não há mais vivências diferentes entre um e outro, nem maneiras de formar saudade porque vivem tudo de modo igual, abre-se espaço para o tédio, a monotonia e, consequentemente, uma erosão do sentir.

“A alegria é artesanato pessoal. A gente nunca deve se sentir responsável pela alegria do outro e nunca reduzir esse outro ao início de qualquer felicidade. Deixa o outro ser feliz. Quando ela tem liberdade para isso – a ponto de se sentir até mais feliz do que é no relacionamento, seja numa festa, num bar ou numa viagem – isso configura um ecossistema amoroso saudável. Temos o direito de ter diferentes fontes de prazer”.

Divertir e provocar

Não à toa o caráter inquieto da peça. Fabrício escava fundo as relações mostrando casos inclusive pessoais, em um jogo de leveza e identificação. Em síntese, “Tudo que Seu Marido Precisa Saber” é um convite ao não-abandono de si numa relação partilhada. Um projeto capaz de afirmar em alto e bom tom: você deve ter sonhos solteiros mesmo dentro do casamento. Desejos que são muito seus.

“Você pode ter projetos e planos em comum com alguém, mas não pode abdicar de quem era antes da relação. Não existe conversão ou transformação, como se casasse e virasse outra pessoa. Não é verdade: você permanece sendo quem você é. É para agregar e não para desfalcar. A convivência é para você ser melhor. Por isso, procure uma pessoa que desperte a sua melhor versão, e não alguém para ficar se justificando”.

Após passar por tantas cidades, desembarcar em Fortaleza munido dessas prerrogativas será, ele espera, enriquecedor. Garantia de gargalhadas do começo ao fim. “E não é aquele riso superficial, do entendimento. É o riso do desespero. Minha maior alegria não é ver um casal entrando no teatro de mãos dadas; é ele saindo assim. Aí valeu! Haverá beliscões, cotoveladas, chutes na canela, mas espero que o relacionamento sobreviva. Porque o que quero, acima de tudo, é o amor saudável. Certeza que encontrarei essa sintonia no Ceará”.

 

Serviço
Espetáculo “Tudo que Seu Marido Precisa Saber”, com Fabrício Carpinejar
Nesta sexta-feira (22), às 21h, no Teatro RioMar (R. Des. Lauro Nogueira, 1500 - 3001 - Papicu). Ingressos a partir de R$36, à venda neste link.

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