Para não deixar o teatro morrer: campanha busca manter casa de três coletivos culturais de Fortaleza

No Dia Nacional do Teatro, celebrado nesta terça-feira (19), o desafio da Casa da Esquina, espaço independente que luta para permanecer de pé e pulsando

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Campanha “Casa da Esquina Viva” é um grito para que o teatro não morra e a arte prevaleça
Foto: Arquivo pessoal

Quando abriu as portas na Rua João Lobo Filho, 62, em setembro de 2007, a Casa da Esquina tinha um objetivo claro: ser espaço de livre acesso à criação. A intenção não apenas foi cumprida como multiplicou em mais afazeres, consolidando o ambiente como lugar de formação, fruição, gestão e realização artísticas. Um oásis na paisagem cultural de Fortaleza.

Mesmo assim, o que era para representar garantia ininterrupta, agora ameaça a continuidade das ações no local, culminando em uma saída inadiável. A campanha “Casa da Esquina Viva” é um grito para que o teatro não morra e a arte prevaleça. O foco é sobretudo arrecadar fundos para manter o funcionamento da sede até janeiro de 2024.

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Um mínimo de R$20 mil é a meta estabelecida, e os interessados podem colaborar com R$30, R$50, R$100 ou quanto puder. Em toda a programação do equipamento, haverá sorteio de ingressos para espetáculos como forma de bonificação às contribuições. “Toda ajuda é bem-vinda!”, brada o texto da campanha.

No Dia Nacional do Teatro, celebrado nesta terça-feira (19), o Verso conversou com um dos integrantes da Casa para situar o projeto e de que forma o recanto se confunde com a própria história das Artes Cênicas feitas de forma independente em Fortaleza. “É um espaço de grande importância no cenário cultural cearense”, diz Ricardo Tabosa. 

O ator é membro do Grupo Bagaceira de Teatro – fundador do lar e um dos três coletivos residentes nele, juntamente à Cia Bravia e à produtora audiovisual Veneta Filmes. Segundo ele, diante do desmonte gerado pelo governo Bolsonaro, os coletivos com trabalhos contínuos foram profundamente afetados e encontram-se, na maioria, sem recursos.

Legenda: Sede da Casa da Esquina fica na rua João Lobo Filho, 62, no bairro de Fátima
Foto: Arquivo pessoal

“A Casa da Esquina, que há 16 anos vinha desenvolvendo atividades, hoje se encontra prestes a fechar as portas. A campanha vai até janeiro de 2024 porque é quando acreditamos que as novas políticas públicas já tenham tomado forma e estejam fomentando a cultura no âmbito municipal, estadual e nacional, principalmente por meio dos recursos da Lei Paulo Gustavo”, explica. É a primeira vez que o espaço promove uma campanha de financiamento coletivo.

Ricardo conta que a iniciativa está tendo boa repercussão – tanto por parte de artistas amigos quanto diante da sociedade civil. Nesses momentos, os coletivos percebem com mais atenção o tamanho da relevância de um espaço feito esse para a cultura da cidade, do Estado e do País. “Fica mais evidente tudo que já realizamos, o quanto representamos na memória das pessoas. Felizmente, temos conseguido muito apoio”.

Como tudo começou

A Casa da Esquina nasceu quando o Bagaceira de Teatro procurava um espaço para se estabilizar e ter acesso livre para criação. Com o brotar da sede, no bairro de Fátima, o grupo contava com um lugar para guardar acervo de figurinos e cenários, ensaiar sem limites de horário, fazer reuniões de produção, escrever projetos, ministrar oficinas, receber convidados, realizar intercâmbios e várias outras coisas.

Em 2008, houve um importante marco na Casa: a chegada do Teatro Máquina, companhia que passou a “morar” por lá até 2019, dividindo o espaço e as responsabilidades. Em seguida, ainda em 2008, o equipamento se tornou também espaço de apresentações. 

“Pudemos, então, entrar em cartaz a qualquer momento, independente dos teatros convencionais ou dos festivais. Na sequência, começamos a abrir nossas portas para que outros artistas pudessem se apresentar, ensaiar, criar, executar projetos, enfim, realizar sonhos em um espaço artístico que tivesse a acolhida de uma casa”.

A triste realidade, situa Ricardo, é que, assim como a Casa da Esquina, vários outros espaços geridos por grupos de teatro, seja na capital ou no interior, também vivem a mesma situação de luta e dificuldade de permanência. “Gerir um espaço independente é desafiador devido à natureza muitas vezes precária e à falta de recursos financeiros substanciais”. 

Um dos maiores entraves é como ter sustentabilidade a longo prazo, com financiamento muitas vezes por tempo limitado. Além disso, manutenção e infraestrutura, programação cultural, relação com a comunidade e com o entorno, acesso a recursos técnicos e equipamentos, e questões legais e regulatórias, entre outros fatores, são algumas das questões que exigem sobrevivência financeira a longo prazo.

É preciso incentivo

Não à toa, o apelo do artista para que políticas públicas ajudem a manter esses lares. Iniciativas de fomento que funcionem a longo prazo e garantam sustentabilidade. “Os grupos precisam gerir a si mesmos – seu repertório de espetáculos, seus integrantes – e também gerir um espaço cultural. Isso requer planejamento, manutenção e gastos contínuos”.

Até hoje a Casa da Esquina se mantém com temporadas, eventos e editais. Mas Ricardo acredita que é preciso pensar em políticas capazes de garantir um tempo maior de apoio para os espaços independentes. “É de suma importância mantê-los”, defende.

Legenda: Até hoje a Casa da Esquina se mantém com temporadas, eventos e editais; mas integrantes defendem a necessidade de pensar em políticas públicas de incentivo
Foto: Arquivo pessoal

“Pela sobrevivência dos coletivos, pela descentralização da cultura. São incontáveis os trabalhos que já nasceram, passaram e reverberaram pela e através da nossa sede e de tantos outros locais de mesma natureza”.

Uma fala que convoca a um olhar cuidadoso e atento sobre como o teatro e a cultura são imprescindíveis na sociedade. “Eles promovem expressão artística, reflexão crítica, empatia, preservação da cultura e diversidade cultural, ao mesmo tempo que geram oportunidades de desenvolvimento social e econômico também”.

O teatro não pode acabar.

 

Serviço
Campanha “Casa da Esquina Viva”
Até janeiro de 2024. Contribuições: R$30, R$50, R$100 ou quanto o apoiador puder. Mais informações neste link

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