Lula altera Lei Rouanet com perspectivas de mais recursos para o Nordeste; veja mudanças
Novo decreto cria "Bolsas Culturais" e "Premiação Cultural"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, na tarde dessa quinta-feira (23), mudanças na Lei Federal de incentivo à Cultura, a popular Lei Rouanet. O decreto foi divulgado durante evento realizado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e contou com participação da ministra da Cultura, Margareth Menezes. A publicação oficial está prevista para esta sexta-feira (24).
Principal mecanismo de apoio à cultura no Brasil, a Lei Federal de Incentivo à Cultura ganha novas diretrizes em diferentes pontos. Segundo o Governo Federal, as medidas divulgadas chegam para ampliar e descentralizar o acesso aos recursos.
As modificações permitem, por exemplo, que o Ministério da Cultura (MinC) desenvolva ações para aumentar os investimentos nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Entre 1993 e 2018, a maioria dos recursos captados ficou concentrada no Sul e Sudeste, aponta a Confederação Nacional dos Municípios.
Veja as mudanças na Lei Roaunet
- Retomada da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura
Paralisada na gestão Jair Bolsonaro, a CNIC avalia se projetos apresentados na Rouanet estão aptos ou não a captar recursos. Agora, a CNIC deve ter membros de todas as regiões brasileiras.
- Criação de bolsas e premiação
Em nota, o MinC detalha que as "Bolsas Culturais" se destinam a ações culturais de pesquisa, promoção, difusão, circulação, manutenção temporária, residências e intercâmbios culturais. Já a "Premiação Cultural" vai reconhecer pessoas e iniciativas culturais que possuem atuação relevante no setor.
- Clareza nas regras e procedimentos de acesso
O novo decreto uniformiza a execução em 2023 de recursos de várias fontes: Lei Paulo Gustavo (R$ 3,8 bi), Lei Aldir Blanc (R$ 3 bi) e Lei Rouanet (R$ 2 bi). Agora, passa a existir o "Termo de Execução Cultural", que estabelece os deveres da administração pública e do agente cultural.
- Promoção de inclusão e diversidade
A Lei deve promover ações afirmativas para mulheres, pessoas negras, povos indígenas, comunidades tradicionais, inclusive de terreiro e quilombolas, de populações nômades e povos ciganos, de pessoas do segmento LGBTQIAP+, de pessoas com deficiência e de outros grupos minorizados.
"Nosso compromisso é garantir que a cultura voltou de verdade nesse País, que ninguém nunca mais ouse desmontar a experiência cultural do povo brasileiro e a prática cultural do povo brasileiro", declarou o presidente Lula, logo após assinatura do decreto.
Já a secretaria da cultura, Margareth Menezes, avaliou que as novas diretrizes da Lei Roaunet ajudarão a democratizar o acesso de outras regiões brasileiras aos recursos.
"O incentivo fiscal da Lei Rouanet, infelizmente, ainda reforça uma séria desigualdade que marca o nosso país. A desigualdade regional, desigualdade racial, para ficar em dois exemplos mais próximos. Os patrocinadores ainda são proporcionalmente concentrados no eixo Rio-São Paulo e, mesmo assim, em poucos bairros desses estados", alertou a gestora.
Expectativas sobre a Lei Roaunet
Com 18 anos de atuação no mercado de comunicação social, terceiro setor e inteligência social empresarial, a captadora de recursos Beatriz Gurgel explica que o novo decreto dá luz aos profissionais do setor sobre o que virá acerca de políticas públicas no atual governo.
A profissional destaca o fato do decreto ser construído em conjunto com a Advocacia Geral da União (AGU). Tal proposta, assim, oferece a base legal a todo o processo e facilita a vida dos proponentes culturais. "Precisamos de ordenamento do sistema. O fazer cultural precisa de normativas que não atrapalhem e que façam a produção cultural fluir", explica.
Outra expectativa é a concretização de uma efetiva política de democratização ao fomento cultural, principalmente em regiões que recebem pouco aporte, como o caso do Nordeste. "O Ceará, nos últimos anos, recebeu algo em torno de 4% a 5% da Lei de Incentivo à Cultura. O estado não é prioridade de grandes empresas nacionais. É valorizado apenas por empresas que estão instaladas aqui no Estado”, situa.
Vale lembra que na Lei Rouanet é a empresa quem escolhe o projeto. São elas quem fazem o investimento, por meio do Imposto de Renda. Quem escolhe são as empresas. As grandes empresas concedem isso nos territórios onde operam. Como temos industrialização concentrada no eixo Sudeste, a maioria desse aporte fica lá".
Para Beatriz, a democratização de acesso aos recursos beneficiará trabalhadores e trabalhadoras que atuam na área da cultura. "O eletricista é um ramo fundamental, o segurança, a camareira, o marceneiro... Existe toda uma cadeia produtiva que envolve diferentes profissionais, empresas e pessoas físicas que sustentam a nossa economia criativa e cultural. Precisamos sensibilizar esse perfil de empresas (nacionais) para que o investimento delas na Lei Rouanet chegue no Norte e Nordeste, finaliza Beatriz Gurgel.
O que é a Lei Roaunet?
A Lei 8.313/91, publicada no governo do ex-presidente Fernando Collor, foi criada para incentivar a cultura no país. Com ela, o governo federal permite que pessoas físicas e jurídicas apoiem atividades culturais, repassando parte do valor que iria para o imposto de renda.
Pessoas físicas podem destinar até 6% do valor do IR, enquanto pessoas jurídicas podem até 4%. Em linhas gerais, o produtor cultural leva a proposta de um evento ao ministério. Se o projeto cumprir as exigências da lei e for aprovado pela comissão técnica, a partir daí entra na lista da Lei Rouanet.
Isso não significa que o projeto será patrocinado. Na Lei Rouanet, não há repasse direto de dinheiro do governo para o produtor. Funciona assim: quando o projeto é aprovado, o realizador ganha autorização do governo para buscar incentivo na iniciativa privada.
A cada R$ 1 captado e executado por meio da Lei Rouanet, a sociedade tem o retorno de R$ 1,59, aponta estudo divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Em 2020, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), mais de 4,8 milhões de brasileiros trabalhavam no setor cultural.