Grupo SamBomja mostra força e arte das periferias de Fortaleza: ‘Grande Bom Jardim também é cultura'

Criado há pouco mais de um ano, grupo musical convida público a ocupar bairros do Grande Bom Jardim e circula por Fortaleza com orgulho da periferia no nome

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
Elias de Oliveira, Lis Pereira, Diego Furtado e Victor Queiroz formam o grupo SamBomja, que celebra o gênero musical e o território do Grande Bom Jardim
Legenda: Elias de Oliveira, Lis Pereira, Diego Furtado e Victor Queiroz formam o grupo SamBomja, que celebra o gênero musical e o território do Grande Bom Jardim
Foto: Ismael Soares

“O nome já entrega metade do que é o negócio, é essa a intenção. No nome, já tem o território, a certidão de nascimento de todo mundo”. A fala do percussionista e vocalista Elias de Oliveira sobre o nome do SamBomja — projeto musical de samba fundado no Grande Bom Jardim, em Fortaleza — ressalta diferentes ideias fundantes da iniciativa.

Identidade, pertencimento, descentralização, democratização de acesso, ocupação do espaço público e resgate são alguns dos elementos norteadores do grupo, que surgiu há pouco mais de um ano a partir do encontro dos artistas Lis Pereira, Diego Furtado, Victor Queiroz e Elias de Oliveira no Centro Cultural Bom Jardim — equipamento cultural do Governo do Estado.

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CCBJ como ponto de encontro

No CCBJ, Lis e Diego se conheceram a partir do trabalho como assistentes pedagógicos, enquanto Victor e Elias tiveram experiências formativas no equipamento. “Lá, a gente tanto se encontra como artista, como também encontra outros artistas”, resume Lis, 24 anos, vocalista e percussionista do grupo.

A aproximação inicial entre ela e Diego — percussionista de 26 anos, responsável por pandeiro, caixa e cuíca — se deu já a partir do gênero musical.

“Teve um dia que a Lis ia se apresentar e me chamou de última hora pra gente tocar junto, toquei pandeiro e cavaco. A partir dali, a gente começou a conversar muito sobre pensar repertório de samba”, explica ele.

SamBomja reflete o movimento crescente em Fortaleza de contar com mulheres à frente das rodas de samba
Legenda: SamBomja reflete o movimento crescente em Fortaleza de contar com mulheres à frente das rodas de samba
Foto: Ismael Soares

“O que estava na nossa cabeça era trazer a mulher no samba. Aqui em Fortaleza vem crescendo esse movimento das mulheres à frente das rodas. Essa é uma das perspectivas do SamBomja: além do resgate do samba na periferia, é também o empoderamento das mulheres”, avança Lis.

Em paralelo, Elias — de 25 anos, que faz vocais e percussões — e Victor — violonista de 7 cordas de 23 anos — se aproximaram em percursos de formação voltados à música e passaram a agir, juntos, em prol do estímulo à cena artística da região.

“A gente estava conversando sobre aqui estar muito parado de cena, eu percebia que estava diferente de antes da pandemia. O Victor falou da Lis e do Diego, sobre eles já terem tocado samba, e a gente pensou: ‘Pois bora juntar’. Foi quando as conversas se conectaram, a gente marcou um dia para conversar e nasceu o Sambomja”
Elias de Oliveira
músico

O ritmo marcadamente brasileiro se fez presente em níveis diferentes nas trajetórias dos integrantes — enquanto Diego nutriu relação constante ao longo da vida com o gênero, Elias e Lis evocam referências específicas da infância e Victor se aproximou dele quando começou a aprender violão, por exemplo.

O nome do grupo, sugerido por Elias como uma brincadeira, acabou “pegando” por trazer de forma direta e simples o espírito da proposta, trazendo ainda significados simbólicos. 

Sugerido por Elias como uma brincadeira, SamBomja traz a música e o território no nome com orgulho
Legenda: Sugerido por Elias como uma brincadeira, SamBomja traz a música e o território no nome com orgulho
Foto: Ismael Soares

“É uma forma de fazer uma contrapartida pelo que o CCBJ fez com a gente. O mínimo que a gente pode fazer é trazer tudo de volta pra comunidade, democratizar vivências, aprendizados e um estilo musical propriamente brasileiro, periférico”, reflete Victor.

“Rolê perto de casa, tem coisa melhor não!”

A fundação do grupo se deu numa reunião em 1º de setembro de 2023. Em pouco mais de um ano, o SamBomja vem se destacando na cena cultural de Fortaleza não somente ao circular em diferentes endereços — seja em equipamentos públicos ou restaurantes e bares privados —, mas, em especial, por fortalecer o território do Grande Bom Jardim.

A primeira apresentação oficial do projeto aconteceu no final de setembro, durante o aniversário do pai de Lis. “A gente fez um ensaio aberto na rua, estava experimentando, mas foi interessante porque vimos que tinha tudo pra dar certo, evoluir”, lembra a vocalista.

Casas e vias dos bairros que compõem a região foram os principais palcos para as primeiras apresentações. “É um grupo que nasce dos quintais e das ruas aqui do território”, define Diego. 

Com o tempo, os shows passaram a ocupar também estabelecimentos do Grande Bom Jardim e bairros vizinhos — como o Boteco do Zé, na Granja Lisboa, e o Art Visual Bar, no Conjunto Ceará. No repertório, samba raiz que passeia por nomes como Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Alcione e Jovelina Pérola Negra

“Sempre dei muito rolê em samba, mas aqui isso se concentra muito na Praia de Iracema, no Benfica. A gente começou a conversar sobre democratizar o acesso a esse gênero pra periferia, pro Grande Bom Jardim. O SamBomja vem pensar uma roda de samba onde as pessoas não precisem se deslocar mais de 40 minutos daqui para outro bairro”
Diego Furtado
músico

“Pertencimento é a palavra mais forte que consigo pensar. É comum ver aquela fala bem-humorada de ‘rolê perto de casa, tem coisa melhor não!’. Cria proximidade, as pessoas se sentem no quintal de casa. Se precisam pegar um transporte, se vai estar no orçamento”, reforça Elias. 

“Bom Jardim também é da cultura, da arte, do samba”

O fortalecimento do circuito do samba no território tem — como observam os artistas — convidado o público de outros bairros que acompanha o SamBomja a buscar as apresentações do grupo no próprio Bom Jardim.

“Às vezes a gente vai tocar por aqui e tem gente que vem lá do Benfica assistir, coisa que a gente não imaginava. A gente até brinca, ‘tu veio lá da baixa da égua!’, mas é porque criou-se essa relação próxima”, avalia Elias.

Elias, Diego, Victor e Lis se conheceram e aproximaram no Centro Cultural Bom Jardim
Legenda: Elias, Diego, Victor e Lis se conheceram e aproximaram no Centro Cultural Bom Jardim
Foto: Ismael Soares

O exemplo citado pelo percussionista se conecta com a defesa que o grupo faz, nas palavras de Diego, “da galera chegar e se apropriar de um território que, muitas vezes, é visto como conflituoso por várias questões”. 

“Tem um desejo do grupo de desconstruir o estereótipo — que por muito tempo foi construído pelas mídias — de que aqui só existe violência. Ver uma galera do outro lado da Cidade vindo pra cá curtir a roda de samba vai muito ao encontro disso”, reflete.

“A gente não quer anular questões vinculadas à desigualdade social, que existe no território e leva a questões como violência, mas ele também resiste de muitas formas, inclusive a de ocupação do espaço da rua com samba, possibilitando encontros”, avança Diego. “O Grande Bom Jardim também é da cultura, da arte, do samba”, reforça.

Acessos e demandas

Os caminhos do grupo depõem sobre certa abertura de acessos de iniciativas periféricas a políticas culturais, sejam equipamentos ou recursos, como reconhece Diego. “Tenho sentido que tem tido uma abertura de alguns equipamentos para abraçar alguns projetos. Tem melhorado, mas ainda está longe de ser o ideal”, aprofunda.

“A maioria desses equipamentos está concentrada pelo Centro-Praia de Iracema. A gente tem os Cucas e o CCBJ em uma cidade que tem não sei nem quantos bairros na periferia, e isso é muito pouco”, aponta o artista.

"O ideal seria pensar um centro cultural para cada bairro da periferia. A gente, que trabalha lá na CCBJ, vê o tamanho da demanda que existe em relação à procura tanto por processo formativo como também por pauta para poder se apresentar. É muito grande, mas existe uma série de limitações”
Diego Furtado
músico

Em termos de subsistência, seja na circulação por equipamentos públicos ou estabelecimentos privados, o Sambomja tem conseguido recursos para se manter em atividade. 

“A gente está até conseguindo fazer uma grana legal tocando, mas ainda muito distante do ideal, inclusive, de cachês que estão longe de serem o justo”, aponta Diego. “A gente fala que está ganhando um cachê legal porque já chegou a não ganhar nada tocando muito”, exemplifica Lis.

'É uma realidade do artista aqui da cidade: nunca se é só artista, sempre se está em outro corre', lembra Diego
Legenda: 'É uma realidade do artista aqui da cidade: nunca se é só artista, sempre se está em outro corre', lembra Diego
Foto: Ismael Soares

Hoje, no grupo, os dois dividem o tempo entre a música e o trabalho no CCBJ, que desponta como renda principal. Já Victor, estudante de Música da UFC, é também bolsista e Elias, como define, está “num momento de transição” e tem buscado “tatear os riscos” de se dedicar 100% à música. 

“É uma realidade do artista aqui da cidade: nunca se é só artista, sempre se está em outro corre, para poder pagar as contas — e isso muitas vezes é o que possibilita ser artista, inclusive do ponto de vista de ter dinheiro para investir”, ressalta Diego.

“Pensamento de coletividade”

Em meio a desafios como esses, o SamBomja destaca o apoio mútuo entre grupos — seja de samba ou de outros gêneros musicais e até linguagens — como fator determinante na continuidade.

Diego e Victor, por exemplo, integram também o Samba Kanjerê, iniciativa que costuma ter participações de Lis e Elias. “São dois grupos tão próximos que a gente criou um projeto de uma roda de samba só, o ‘A Grande Roda’”, explica Diego.

“Você vê tanto uma galera da nossa idade se apoiando, uma galera mais velha olhando para a gente e apoiando, percebendo também o nosso respeito a ela e aos mais novos”, avança Victor.

Nomes de artistas de outros gêneros musicais, como Má Dame, Emiciomar e Cabulosa, também são citados pelos membros, bem como iniciativas vizinhas como o grupo Nóis de Teatro, que atua há mais de 20 anos no Grande Bom Jardim.

Na avaliação do violonista, as trocas e diálogos entre diferentes grupos, gerações e linguagens são “fundamentais” para um fortalecimento geral de iniciativas vindas das periferias de Fortaleza. 

Lis e Victor reforçam a importância do apoio mútuo entre grupos e iniciativas da cultura: ' A gente não caminha sozinho'
Legenda: Lis e Victor reforçam a importância do apoio mútuo entre grupos e iniciativas da cultura: ' A gente não caminha sozinho'
Foto: Ismael Soares

“Somos trabalhadores da cultura, se a gente não pensar como classe, se a gente não se ajudar e ficar segregando, de fato vai ficar bem mais difícil”, atesta.

“O samba tem muito essa energia, sentimento e pensamento de coletividade. A gente não caminha sozinho. Principalmente a gente, que é de periferia, precisa ter em mente que a gente precisa se fortalecer”, acrescenta Lis.

“A gente quer abraçar todo mundo e que as pessoas nos abracem também, para a gente ir fazendo o rolê acontecer aqui na periferia. A gente quer que o Bom Jardim, que já tem muito artista e uma galera de luta, tenha essa ideia de coletividade”, reforça a cantora.

Siga o grupo:

Próximos shows:

Quando: sábado, 9, às 16h30
Onde: Mariscos Gastrobar (rua Monsenhor Liberato, 1784, Fátima)

Quando: sexta, 15, às 19 horas
Onde: Boteco do Zé (rua Paulino Rocha, 2240, Granja Lisboa)

Quando: sábado, 23, às 16h30
Onde: Mariscos Gastrobar (rua Monsenhor Liberato, 1784, Fátima)

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