Fortaleza dos grandes eventos: qual o impacto na cidade e por que não é só sobre turismo

Especialista dimensiona tradição festeira da Capital e de que forma a Cultura é vetor de transformação em amplos setores da sociedade, da infraestrutura urbana à geração de empregos

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Setor cultural é capaz de não apenas gerar entretenimento, mas também injetar dinheiro nas contas públicas e privadas, apontam pesquisadores
Foto: Divulgação/Prefeitura de Fortaleza

Com três dias de festa e atrações de alcance nacional, o Réveillon 2024 é o mais novo marco da história recente de Fortaleza. Anunciado como “o maior réveillon do Brasil”, cumpriu as expectativas. Milhares de pessoas lotaram o Aterro da Praia de Iracema, entre nativos e turistas, com efeitos positivos na economia e na projeção da Capital.

É mais que o recorte de um período, contudo. Diz respeito principalmente a como o setor cultural é capaz de não apenas gerar entretenimento, mas também injetar dinheiro na economia local. O resultado são mudanças expressivas no panorama da metrópole, contribuindo para que a própria população tire proveito de benefícios ao longo do ano.

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A impressão é de Milena Auip, turismóloga e professora. Coordenadora dos cursos de Marketing, Marketing Digital e Gestão Comercial da Universidade de Fortaleza (Unifor), ela observa uma grande transformação no cenário geral, a começar pelos donos da casa: hoje, os próprios fortalezenses já participam da festa, em contraposição a anos anteriores.

“Esse fato posicionou Fortaleza como uma das principais cidades do país para passar a data”, pontua. “O Réveillon começou principalmente dentro de clubes e hotéis e, já assim, era grande, trazíamos uma quantidade boa de turistas. Com o Réveillon público, a coisa se tornou ainda mais importante para a cidade”.

Legenda: Para estudiosa, do ambulante ao dono de pousada, todo mundo ganha durante os megaeventos na Capital
Foto: Divulgação/Prefeitura de Fortaleza

As consequências são múltiplas e satisfatórias: geração de renda, empregos temporários, maior movimento de pessoas nos diferentes pontos da Capital, entre outros. Para Milena, do ambulante ao dono de pousada, todo mundo ganha. Um bônus que também acompanha outras áreas, de envergadura ainda mais fundamental.

“Quem ganha é a população inteira. A própria infraestrutura da cidade melhora no quesito de pavimentação de ruas e avenidas, limpeza, chegando na saúde, uma vez que é preciso mais instalações – UPAs, hospitais, médicos. Logo, quanto mais eventos, quanto mais gente circulando na Capital, melhor para a infraestrutura urbana”.

Do nicho para a galera

Fato é que a capital cearense há algum tempo se consolida como cidade de eventos. Segundo Milena, no princípio as ações eram mais voltadas para áreas técnicas, científicas e de negócios. Paulatinamente, passamos a ocupar o topo de cidades que mais recebem eventos internacionais. Neste momento, Fortaleza é tida como uma metrópole de entretenimento.

Além das diferentes linguagens artísticas, no instante em que uma festa de grande porte acontece aqui há maior valorização de variáveis como gastronomia, moda e artesanato, estendendo o leque de alcance de nossa produção. Serve também para atestar que, muito além de sol e praia, o Ceará é cultura.

“Fortaleza sempre se apresentou como alegre, festiva, e hoje isso é muito mais forte. Durante o Carnaval, por exemplo, temos o circuito da Prefeitura, que consolidou o evento para uma festa de rua – uma vez que não tínhamos isso antigamente – o que faz com que, ao invés de viajar, as pessoas fiquem aqui. É, por sinal, o que acho mais importante: que toda a população participe das festividades para torná-las ainda mais pulsantes”.

Legenda: “Fortaleza sempre se apresentou como alegre, festiva, e hoje isso é muito mais forte", reflete pesquisadora
Foto: Thiago Gadelha

A torcida da pesquisadora se aplica a todo o ano, uma vez que, praticamente em cada mês, possuímos farta programação de eventos. Após o Réveillon, começa o Pré-Carnaval, seguido do Carnaval propriamente dito. Festas juninas marcam o meio do ano, bem como Fortal e Halleluya. Nas férias, a riqueza natural é destaque, mobilizando os principais pontos turísticos. E, continuamente, diferentes nomes da cultura e da arte desembarcam aqui.

“Fortaleza sempre foi reconhecida nacionalmente por ter festa todos os dias da semana – começando pela 'Segunda-feira Mais Louca do Mundo', no Pirata Bar. Logo, somos um povo festeiro, isso está no sangue do cearense. A partir dos megaeventos, a população abraçou ainda mais a proposta, favorecendo o turismo, mas sobretudo o setor cultural como um todo”.

Cultura dá dinheiro

Para compreender essa estrutura, vale saber que o setor da economia da cultura e das indústrias criativas (Ecic) é diverso e abrange grupos de cultura – a exemplo de artes cênicas, artes visuais, artesanato, cinema, música, literatura, museus e patrimônios; de consumo, caracterizados como arquitetura, design, editorial, moda e publicidade; e de tecnologia, na qual estão desenvolvimento de softwares, jogos digitais e tecnologia da informação. 

Em suma, um setor transversal, que mobiliza diversos outros setores da economia, conforme aponta Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural. Ele explica que, hoje, é possível calcular o valor econômico da cultura. E, sim, ela dá dinheiro ao País.

“Em torno de R$280 bilhões, o que equivaleu a 3,11% do PIB brasileiro em 2020, segundo o levantamento que fizemos no Observatório da Fundação Itaú. O PIB da cultura é, inclusive, maior que o da indústria automobilística. Quando pensamos nos trabalhadores dessa economia da cultura e das indústrias criativas, falamos de mais de 7 milhões de pessoas”.

Legenda: Além das diferentes linguagens artísticas, no instante em que uma festa de grande porte acontece na cidade há maior valorização de variáveis como gastronomia, moda e artesanato
Foto: Ismael Soares

Logo, impacta diversas economias e serviços. Por exemplo: se pensarmos nos grandes eventos, a exemplo de mostras, festivais, bienais, feiras e festas folclóricas, notamos a diversidade cultural do país acontecendo em regiões centrais e periféricas. Essas festividades também mobilizam a gastronomia, a hotelaria, o transporte, bem como os pontos turísticos e de circulação dentro da cidade ou do território.

Sobretudo nos últimos anos, o Nordeste talvez é o que mais tenha ganhado em repercussão e reconhecimento nessa seara. Em 2020, a região respondeu por 3,14% do PIB da Cultura, ou seja, aproximadamente R$8,8 bilhões dos R$280 bilhões já mencionados. 

“Quando juntamos as diferentes informações dos estudos e pesquisas desenvolvidas pela Fundação Itaú, com enfoque para o Nordeste, nota-se o histórico potencial e de dinamismo da região, mas também a indicação de importantes desafios a serem superados para assegurar o contínuo avanço da economia da cultura”.

Vocação para crescer

Em relação ao mercado de trabalho, considerando os dados mais recentes para o segundo trimestre de 2023, a região Nordeste responde por 1.255.046 trabalhadores dos setores culturais e criativos brasileiros (aproximadamente 17% dos trabalhadores da Ecic nacional).

Nos últimos 10 anos (entre os segundos trimestres de 2013 e 2023), os postos de trabalho da Ecic no Nordeste registraram um aumento de 11%, com a criação de mais de 126 mil novos empregos (percentual inferior à Ecic nacional, que registrou no mesmo período um aumento de 16% nos postos de trabalho). 

Por sua vez, com relação às empresas da economia criativa, dados de 2021 revelam que a região responde por aproximadamente 14% (ou 18.341 empresas) do total de empresas da economia criativa brasileira (um total de 130.052 empresas). 

Legenda: Superintendente do Itaú Cultural afirma é possível calcular o valor econômico da cultura; e, sim, ela dá dinheiro ao País
Foto: Daniel Calvet

Além disso, entre 2011 e 2021, ainda que diante de um cenário negativo para as empresas da Ecic, a redução nordestina (de 2%, menos 381 empresas) foi inferior à redução registrada na Ecic nacional (de 9%, menos 12 mil empresas). 

Para Jader Rosa, não deixa de ser uma comprovação que o Brasil tem vocação para grandes eventos e festas. E isso é perceptível em dados, mas, principalmente, nas pessoas. 

“Grandes eventos são ocasiões para ter novas experiências e valorizar a arte, mas também são lugares de encontro, como foi visto na quarta edição da pesquisa Hábitos Culturais, recém-lançada pela Fundação Itaú com o Datafolha. Esse movimento acontece na região Nordeste e em todo o país. Temos eventos dialogando com cada região, crescendo e mobilizando com outros setores da economia”, frisa.

“A diversidade de ações também acaba empregando muitas pessoas, do trabalhador criativo aos que dão suporte para fazer as manifestações acontecerem, como os casos de advogados, contadores e outros trabalhadores da economia da cultura e das indústrias criativas”.

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