Esculturas de criaturas, cosplays e mascotes de futebol mudam vida de cearense
Escultor Mario Portela encontrou um novo caminho profissional por meio da arte, após descobrir problema de saúde, e hoje assina troféus de diversas premiações
“Hoje, quando uma pessoa me pergunta qual é a minha profissão, eu digo que estou professor e sou escultor”, atesta o cearense Mario Portela. Ainda que a atuação profissional na área — que inclui produção de peças para cosplays, troféus exclusivos para eventos e mascotes de futebol — some pouco mais de quatro anos, a essência do trabalho segue o artista há quase três décadas.
Desde 1997, quando, aos 18 anos, teve o primeiro contato com o fazer artístico — na prática da aerografia em carros, motos e bicicletas —, Mario seguiu tendo a arte sempre em paralelo na trajetória até que uma aproximação mais oficial se deu a partir de uma provação no caminho do cearense, em 2008: o diagnóstico de arritmia cardíaca, condição que o levou a reavaliar as escolhas prestes a completar 30 anos.
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Arte em paralelo
“O que eu tenho para falar do mundo da arte é que, uma vez que entra, é difícil sair”, depõe Mario. A escultura, elemento que hoje o define, surgiu para ele no ano 2000, ao se inspirar por uma reportagem que apresentava um escultor cearense.
“Fui tentar fazer algumas, de argila — só que antigamente não tinha um YouTube 'facinho', aí tinha que ser autodidata, tentar aprender sozinho”, relembra. Apesar desse interesse inicial, as obrigações do início de vida adulta levaram Mario a buscar trabalhos que ajudassem no sustento.
De técnico em refrigeração a projecionista de cinema, o cearense enveredou por outros caminhos profissionais, mas sempre com a arte presente.
“Não parei de desenhar, mesmo trabalhando. Virou um hobby e, às vezes, eu ganhava alguma coisa de alguém que queria pagar, porque eu não cobrava”, aponta. Além disso, ele passou, também, a estudar mais técnicas artísticas no tempo livre.
Com as aptidões em ilustração e escultura desenvolvidas em paralelo, os planos de Mario envolviam seguir carreira na Engenharia Elétrica e trabalhar em subestações de energia. O imponderável, no entanto, se impôs.
“É como se fosse Deus (falando) ‘vai por aqui’”
“Em 2008, tive três desmaios. Eu morri, praticamente”, descreve. O susto ganhou nome — arritmia cardíaca — e, para tratá-lo, foi preciso passar por uma cirurgia. Depois dela, o caminho previsto teve que ser recalculado pela impossibilidade de maiores esforços físicos.
“Tive que parar, deixar a Engenharia Elétrica, pegar meu currículo e ‘amassar’, rebolar no lixo, começar tudo da estaca zero”, lembra Mario. A “estaca”, no entanto, não foi totalmente zerada.
“Um mês depois (da cirurgia) eu já estava atrás de estudar alguma coisa, ver o que eu poderia fazer, e numa conversa, vi uns amigos conversando sobre 3D. Não conhecia até então, mas ouvi a conversa e tive interesse”, recupera.
A técnica de modelagem em 3D, então, reavivou no cearense a prática da escultura tradicional, manual, e veio a calhar como possível novo rumo a seguir.
“Comecei a estudar, fui fazer curso de Jogos Digitais — que era um dos únicos que encaixava, porque eu ia poder trabalhar sentado, numa coisa mais leve e que tinha a ver com esse mundo que eu já vivia antes. É como se fosse Deus (falando) ‘vai por aqui’”
Uma vez formado na área e pós-graduado em Comunicação e Marketing e Programação para Games, Mario sabia o caminho profissional a escolher: “Enquanto todo mundo se voltava para o universo da programação, que é onde apura mais dinheiro, fui para o lado que para mim seria melhor, o mais artístico, de escultura 3D e manual”.
Além de atualmente “estar professor”, ensinando modelagem 3D e design em instituições, Mario atua como escultor para diferentes públicos e vertentes, misturando técnicas digitais e tradicionais.
“Comecei com o (modo) tradicional, na massa de modelar, por ser mais acessível — você compra uma massinha de meio quilo, faz várias esculturas, compra umas ferramentas pra dentista e consegue esculpir qualquer coisa. Já no computador, precisa ter uma máquina melhor, conhecer softwares Tem essas diferenças e viajo nesses dois universos”
Atuação múltipla na área
Troféus de eventos recentes como o Sinistro Fest — festival de filmes de terror ocorrido em Fortaleza neste mês — e a Canindé Expo Tattoo 2024 — convenção cearense de tatuagem que ocorre neste fim de semana — levam a assinatura do escultor.
A atuação de Mario conta também com fabricação de peças para cosplayers, de ornamentos para cadeiras, construção de itens de personagens famosos do mundo geek e até mascotes de times de futebol do Estado.
É possível, ainda, encomendar peças para presentear, seja com a criatura favorita do presenteado ou, mesmo, uma representação do próprio. É difícil definir o tempo médio da construção de uma obra, uma vez que cada uma traz demandas específicas, mas Mario resume:
“Para tirar a primeira peça, é no mínimo um mês, porque vou ter que sentar, fazer uma blocagem, vou para o computador e passo de uma semana e meia a duas modelando. Terminando, vai para a impressão, que dependendo do tamanho dura uma semana a uma semana e meia. Se for só uma (peça), posso pintar e entregar, e o processo vai dar um mês, um mês e 10 dias”
No entanto, há casos em que as demandas são específicas a ponto de se tornarem desafios para o artista. Para o evento canindeense de tatuagem, por exemplo, Mario encarou a tarefa de fazer 80 troféus a serem entregues na convenção.
“A primeira peça eu imprimi em 3D, aí todas as outras foram feitas com um molde de silicone e aí tiro todas elas de resina. Todas são montadas à mão, a máquina é apenas para a primeira, para eu poder ter uma matriz para fazer os outros troféus”, explica.
Para além das demandas de clientes, Mario partilha que tem, também, inspirações e motivações próprias para criar, de personagens nostálgicos como o Esqueleto, de “He-Man”, à vontade de presentear alguém próximo com uma peça exclusiva.
“Gosto muito de fazer e impactar as pessoas. Às vezes, faço e até escondo da minha esposa e da minha filha, só depois mostro”, afirma.
Ligada a cada uma dessas intenções, no entanto, Mario destaca um lado simbólico e relevante da atuação como artista na própria trajetória: a da reinvenção de si.
Questionado, ao final da entrevista, se gostaria de acrescentar algo em relação ao trabalho, o artista é taxativo: “É mais um conselho: não desistir. Porque sou um exemplo vivo”, sustenta.