Em meio à modernização do setor, as barbearias ‘raiz’ sobrevivem em Fortaleza

Estabelecimentos com mais de 50 anos de existência preservam a tradição dos antigos salões. Curiosamente, esse modelo de empreendimento e espaço vem sendo resgatado por novas gerações de profissionais

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
José Elias da Costa continua no mesmo local há 55 anos
Legenda: José Elias da Costa continua no mesmo local há 55 anos
Foto: Kid Júnior

Na contramão das últimas tendências no segmento das barbearias, alguns espaços em Fortaleza continuam operando à moda antiga. O Salão São José é uma testemunha viva das transformações neste mercado. Em 2022, completa 55 anos de história na esquina da Avenida General Osório de Paiva com Napoleão Quezado.  

Um detalhe chama atenção de quem trafega pelo local. O empreendimento voltado ao público masculino funciona de parede colada ao Cemitério da Parangaba (cujo nome oficial é o mesmo do salão). “Foram eles que vieram para perto de nós”, conta o testemunho do barbeiro José Elias da Costa (77). 

Sim, o equipamento municipal ocupava apenas metade do quarteirão quando Elias chegou naquele endereço em 1967. Mais de meio século se passou. O senhor de cabelos brancos conta sua história enquanto cuida da barba do cliente. Conversa pausadamente, afinal segue atento ao movimento da navalha na mão esquerda.  

Ofício entre o dom e arte, conta o veterano
Legenda: Ofício entre o dom e arte, conta o veterano
Foto: Kid Júnior

Essa trajetória inicia na Quixadá dos anos 1940. Elias lidava na agricultura com o pai e após um acidente de trabalho precisou deixar o “serviço pesado” do campo, explica. Sobre como aprendeu o ofício que lhe acompanha até hoje, faz questão de agradecer carinhosamente à mãe. 

“Ela cortava um cabelo, que coisa boa. Você podia olhar. Bem cortado, bem tratado e bem feito. Aprendi do mesmo jeito”. Longe da família, Elias detalha que desembarcou na Parangaba e não mais saiu do bairro.  

Mão de seda 

O primeiro ano de serviço na capital começou em 1966, em um salão próximo da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Aflitos. Os principais clientes, relembra, eram os motoristas dos ônibus elétricos que estacionavam na região. “Eles botaram em mim o apelido de ‘Mão de seda’, pois não doía a barba”, descreve.  

Um ano depois foi chamado para trabalhar no “Salão Manaus Filial de São Paulo”, que funcionava onde o São José resiste até hoje. Daquela esquina tirou o sustento da família no correr das décadas. Dos cinco filhos, quatro seguiram a mesma profissão do pai.  

Do Campo do Ceará até o Maranguape era tudo areia. Não tinha calçamento, nada. Era o maior sofrimento do mundo para andar na pista. Nessa brincadeira. Estou por aqui ainda”
José Elias
Barbeiro

O veterano conclui mais um atendimento. Joga talco no espanador e limpa o pescoço do cliente. Mais uma barba tirada com sucesso. Ney Júnior mora na Praia do Futuro (cerca de 18 km do Salão São José) e garante que o atendimento vale a distância percorrida. “Só tiro a barba aqui com ele. Não faço com outra pessoa. O homem é ‘mão de seda’ mesmo”, garante.

O corte (na tesoura ou máquina), barba e cavanhaque, custam R$ 20 cada. Elias recebe o pagamento e organiza a cadeira para o próximo atendimento. “Esse vem desde criança no Salão, lembro dele com o pai. Rafael explica que o ambiente é o diferencial. 

Elias José testemunhou as transformações sociais e urbanas do bairro Parangaba
Legenda: Elias José testemunhou as transformações sociais e urbanas do bairro Parangaba
Foto: Kid Júnior

“Acho que tem algo perto de 30 anos que corto aqui. Sou bem recebido, geralmente são as mesmas pessoas. É tranquilo”, detalha. Pacientemente, Elias refaz o ritual. Acomoda o cliente e fita o ponto do corte. Justifica que a precisão nas mãos só é possível graças a uma rotina sem excessos durante a vida.  

A concorrência ampliou nos últimos tempos, argumenta o profissional. “Ao redor de mim, tem outros salões. Aumentou demais. Ficamos numa posição em que não se ganha dinheiro. É chorado”. Mesmo com este cenário, nada de desanimar.  

A missão do barbeiro é manter o ofício e sua tradição. "O segredo é fazer o trabalho de qualidade melhor. Nada de avançar. Tem que levar na calma, na paz, amor e amizade. Uns chamam arte. Outros chamam dom”, conclui Elias José. 

Modernidade 

Na Rua Perboyre e Silva, já perto da Praça dos Voluntários, a Barbearia Rex mantém cerca de 70 anos de atividade no Centro de Fortaleza. O espaço que já atendeu inúmeros cearenses surgiu pela iniciativa do senhor Zezito e de outros barbeiros que tocaram o negócio.  

Com o passar das décadas, Zezito tornou-se único dono e o empreendimento foi passando de geração em geração. Quem costura estes fatos é o barbeiro Alexsandro Sousa, há dois anos no salão e atual gestor da casa. "É praticamente a quarta geração de barbeiros", contabiliza.

Alexsandro Sousa em ação
Legenda: Alexsandro Sousa em ação
Foto: Reprodução/Instagram

Quando começou a trabalhar no local, aponta, a equipe contava com 10 barbeiros no atendimento do público. Eram seis senhores e outros quatro mais jovens.Veio a pandemia da Covid-19 e toda essa configuração foi afetada de forma radical. "Os mais velhos foram saindo. Infelizmente, perdemos o Senhor Homero para Covid. Ele tinha 25 anos de casa", lamenta o gestor.  

Como na barbearia, a grande parcela de clientes era nesse perfil, de senhores, a pandemia, principalmente no início, teve um impacto nessa faixa etária. Não estava compensando vir trabalhar"
Alexsandro Sousa
Barbeiro e gestor

O recente aquecimento no mercado de barbearia, reflete Alexsandro, obedece a alguns fatores. Nos anos 2000, os salões unissex estavam em alta, porém, os cortes masculinos estavam tendo pouco espaço dentro desse modelo de atendimento, avalia o profissional. 

 "Sem falar que a barbearia, as tradicionais, tinham a visão de, além de cuidar da aparência do homem, ser um local para conversar, fazer amizades, um passatempo, um espaço reservado. Com os salões unissex não tinha essa mesma experiência ou clima. E aí, o mercado em geral trouxe à tona essa questão da barbearia de volta. Tem barbeiro que diz que o futuro é o clássico. Todos os cortes de hoje são das décadas de 1920, 1950... Adaptados para essa modernidade" 

Equipe reunida para mais um dia de trabalho no Centro de Fortaleza
Legenda: Equipe reunida para mais um dia de trabalho no Centro de Fortaleza
Foto: Reprodução/Instagram

Diante dessa valorização do passado, Alessandro defende que o momento é favorável para manter o aspecto tradicional do salão que está à frente. A ideia de sua gestão é preservar a história do lugar, mas com o olhar atento a novas demandas exigidas pelo setor.  

"É um motivo para manter esse aspecto até hoje. A história do nosso Salão em Fortaleza não tem preço. Tentarei adaptar um pouco da modernidade quanto à logística, estética e redes sociais", finaliza Alexsandro Sousa. 

Serviço:

Salão São José 
(85) 98830-7541 

Barbearia Rex 
Rua Perboyre e Silva, 98
(85) 99668-2806 

Salão do Torcedores 
Av. Dr. Silas Munguba, 2715, Itaperi,
(85) 3232-6300 

Salão da Praça 
Av. Carlos Amora, 39, Parangaba