Dia da cachaça: de bebida desvalorizada ao reconhecimento internacional; conheça a rota em Fortaleza

Dia Nacional do destilado é celebrado nesta terça-feira (13); especialista situa presença dela no Ceará e enumera lugares onde apreciá-la da melhor forma

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: A cachaça antecede outras bebidas tradicionais da América Latina, a exemplo de rum, tequila e pisco: pioneira
Foto: Shutterstock

São quase 500 anos desde que a cachaça surgiu no Brasil. Genuinamente tupiniquim, nem parece ter essa idade toda. Ostentando cara e comportamento de debutante, ocupa do boteco ao restaurante requintado, satisfazendo os menores e maiores bolsos. Uma camaleoa. 

Nesta terça-feira (13), Dia Nacional dedicado à bebida, a pergunta que lançamos é: por que esse destilado é tão querido e popular? O que explica a onipresença da cachaça na cultura cearense e de que forma ela ganha mais adeptos dia a dia? Um dos maiores militantes da iguaria em todo o País, Altino Farias é ágil na resposta.

Veja também

“O Ceará tem um passado de forte tradição na produção da cachaça. Nos anos 1960, 1970 até meados dos anos 1980, tínhamos grande variedade de rótulos. O baixo custo dela à época a fazia acessível a todos. Essa conjunção de fatores – tradição, qualidade e preço barato – conquistou apreciadores apaixonados”, explica o membro da Cúpula da Cachaça e proprietário da Embaixada da Cachaça, instituição que realizará programação contemplando a efeméride.

Segundo ele, os primeiros registros de produção no Brasil datam de 1532, em São Vicente (SP). A cachaça antecede outras bebidas tradicionais da América Latina, a exemplo de rum, tequila e pisco. Porém, ao longo de muitos anos – séculos até – viveu em uma espécie de clandestinidade técnica, uma vez não haver regulamentação oficial sobre ela.

Legenda: Rota da Cachaça em Fortaleza: no Combo "cachaça com sacanagem", são oferecidas quatro doses de 40ml da bebida
Foto: Rogério Lima/Prefeitura de Fortaleza

Assim, cada um fazia a “sua cachaça”, resultando numa falta de padrão, qualidade variável e preços de baixíssimo valor agregado. “Esses elementos fizeram dela uma bebida menor, não aceita em ambientes sociais mais requintados, consumida pelas classes sociais menos favorecidas e associada a excessos no consumo de álcool”.

O pulo do gato se deu somente em 2005, mediante a criação da lei que define rigorosamente o que é cachaça. Hoje, ela é reconhecida e apreciada internacionalmente, após padronização do produto e investimentos em produção e pesquisas. Lugar de destaque, onde merece estar.

A ideia da destilação

Mais um pouco de História. Logo nos primeiros anos em solo brasileiro, os portugueses trouxeram para o país a cana de açúcar, originária da Índia. Também incorporaram a técnica de destilação em alambiques. Em dado momento, alguém teve a ideia de destilar o caldo fermentado da cana, obtendo a atual cachaça. A produção rapidamente se espalhou pelo litoral.

Uma vez ser tudo muito informal, não há registros de como exatamente essa expansão se deu. O Ceará, por exemplo, tinha vários pólos produtores da bebida, a exemplo da região que compreende Acarape a Baturité, Maranguape, Mombaça, Cariri e Viçosa do Ceará.

“Embora marginalizada, nossa cachaça tinha o reconhecimento de uma boa parcela de apreciadores de bebidas do Estado. Rótulos como Bagageira, Chave de Ouro, Dandiz, Canaã e Alencarina ficaram na história, e os exemplares remanescentes hoje são disputados por colecionadores”, contextualiza Altino.

Legenda: Combo Patrimônio da Rota da Cachaça em Fortaleza: nele, são oferecidas três doses de cachaça cearense + um petisco
Foto: Rogério Lima/Prefeitura de Fortaleza

Infelizmente, a produção limitada e o baixo valor agregado à época foram desestimulando a continuação da atividade dos alambiques, e o espaço foi sendo naturalmente preenchido por cachaças de produção em larga escala e baixo custo. Por outro lado, há muito o que se comemorar.

Neste ano, a cachaça cearense Aviador Prata, fabricada no Sítio Uruoca, interior de Viçosa do Ceará, conquistou o título de Melhor Cachaça do Mundo no concurso internacional London Competitions. O fabricante também levou o segundo lugar com a Cachaça Aviador Premium Ipê. A competição aconteceu nos dias 23, 24 e 25 de março, em Londres (ING).

Além disso, no último mês de abril, a quarta-feira entrou no calendário social de Fortaleza como o dia da Rota da Cachaça. Cinco bares e restaurantes de diversos bairros da Capital participam da iniciativa da Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). 

Onde tomar uma boa cachaça?

Cachaças de qualidade podem ser degustadas em bares e restaurantes de todas as categorias. Há casas que privilegiam a bebida com boa variedade de rótulos, possibilitando experiências sensoriais únicas. 

Complexo Pirata, Cantinho do Frango, Embaixada da Cachaça, Giz Cozinha Boêmia e Raimundo do Queijo são os endereços mais indicados. Eles, inclusive, integram a Rota da Cachaça em Fortaleza. Cada um com um estilo e modo próprios, fazem o destilado chegar ao consumidor na medida certa.

Legenda: Segundo estudioso, a movimentação em torno da produção da cachaça permite a continuidade da feitura de bebidas feitas por nós mesmos e por outros Estados
Foto: Shutterstock

Certo é que a produção de cachaça de alambique quase foi extinta em nosso Estado. A região de Viçosa do Ceará resistiu aos tempos adversos – talvez por ainda não possuir naquela época uma formalização de destilarias, sendo o comércio mais localizado e limitado. Hoje, alambiques do município estão procurando o registro dos próprios produtos nos órgãos competentes e a excelência técnica na produção para ganhar novos mercados. 

A cachaça Aviador, por exemplo, conforme já mencionado, conquistou importante premiação em concursos nacionais e internacionais de destilados, e está em fase final do processo de identificação geográfica das cachaças da região conduzido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

No Cariri, também surgem novos projetos para produção de cachaça. Tudo isso se deve em parte ao bom momento que a bebida desfruta em todo o País. “Parece que, finalmente, agora a cachaça vai ocupar um merecido lugar de destaque”, festeja Altino Farias.

“Vejo a cachaça e o consumo responsável dela de forma meio lúdica. Romântica até. Ela é modesta, simples, agregadora. Indutora de amizades, inspiradora de bons pensamentos. De uma roda de cachaceiros sempre saem coisas positivas: músicas, poesias, debates acalorados sobre política ou futebol, até simples abraços e uma nova amizade”.
Altino Farias
Proprietário da Embaixada da Cachaça e membro da Cúpula da Cachaça.

Tudo isso se reflete na cultura da cidade, com boa parte das atividades envolvendo cachaças ocupando bares e botequins, dos mais elegantes aos mais modestos. A movimentação permite a continuidade da produção de bebidas feitas por nós mesmos e por outros Estados, gerando empregos indiretos, recolhimento de impostos, entre outros benefícios.

“Cachaça é cultura e relações sociais, caminhando lado a lado com a gastronomia e com o desenvolvimento econômico”. Um gole para comemorarmos, por favor.

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados