Cacau genuinamente cearense: marcas investem no produto e tornam chocolate ainda mais saboroso
Feitos de forma artesanal e sem aditivos, chocolates com cacau “made in Ceará” atestam a força da matéria-prima no Estado
O remake da novela “Renascer” vem destacando a tradição cacaueira da Bahia, mas o Ceará também tem produção de alta qualidade e reconhecimento internacional plantada em pleno semiárido.
São duas as casas produtoras de chocolate genuinamente cearense: Moa Chocolates e Cacau do Ceará. Com processos e especificidades próprios, agradam a uma diversidade de paladares sem perder a essência do cacau. Pelo contrário: priorizam a matéria-prima de modo a torná-la mais próxima do público a partir de um preparo artesanal e sem aditivos.
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Surgida em 2020 após inspiradora viagem ao Pará – repleta de memórias ligadas ao fruto nativo da Amazônia – a Moa Chocolates é considerada a primeira fábrica Bean to Bar do Ceará. A expressão em inglês significa que a produção vai do grão à barra.
“A escolha da matéria-prima se deu selecionando cuidadosamente o produtor por meio de contatos e, posteriormente, análises e testes detalhados”, explica Giovanna Mondardo.
A arquiteta e urbanista de formação – atualmente Chocolate Maker e CEO da Moa Chocolates – diz que a empresa foi fundada para destacar o potencial do cacau brasileiro na produção de chocolates autênticos. É o que justifica a escolha por grãos de cacau de origem amazônica, visando a conexão com as próprias raízes e um caminho pela linha do purismo.
“Utilizamos insumos puros e de alta qualidade, sem aditivos químicos como conservantes, emulsificantes ou aromatizantes. Nosso cacau vem do interior da Amazônia, mais especificamente de Tomé-Açú, no Pará, de um fornecedor que atua em sistema agroflorestal”.
Reconhecimento internacional
São duas linhas de produtos fixos, revendidos por lojas parceiras em todo o Brasil: barras e drageados. Em número de 12, compreendem oito sabores de barras e quatro da outra linha.
Chocolates ao leite, intensos e com inclusões – a exemplo de leite de coco, açaí, castanha de caju, café, amendoim e cupuaçu – formam o panorama da Moa. O de cupuaçu, inclusive, foi premiado duas vezes internacionalmente no ano passado: ganhou medalha de ouro na Itália como o melhor chocolate intenso com inclusões das Américas e medalha de prata em Londres como o segundo melhor chocolate intenso com inclusões do mundo.
“Além disso, também produzimos chocolates para uso culinário (Food Service) – este utilizado em alguns restaurantes cearenses, como o renomado Mangue Azul”.
Para a produção de um chocolate Bean to Bar, é necessária utilização de grãos de cacau fino de qualidade. Esse cacau se desenvolve por meio do processo de beneficiamento que ocorre na fazenda de cacau.
Tudo se inicia com a colheita do fruto conforme a maturação, seguida por fermentação. Nesta etapa, o cacau passa de cinco a sete dias. O próximo e último passo é a secagem, igualmente com média de alguns dias, para então ser ensacado e transportado até a fábrica da Moa, no Ceará.
“Aqui, o processo começa na seleção dos grãos até a moldagem e embalagem, passando por etapas como torra, quebra, separação, refino por 48 horas e temperagem”, enumera Giovanna.
Diferencial e desafios
Tanto cuidado resulta em sucesso. Desde junho de 2020, a Moa conquista gradualmente clientes e lojas revendedoras. Inicialmente a receita não cobria todas as despesas, mas com a ampliação da oferta de produtos e ganho de mercado, a casa alcançou rentabilidade.
O destaque do processo, segundo a proprietária, tem sido a interação significativa com os clientes. Eles valorizam a qualidade do produto e a preocupação ambiental, a exemplo da utilização de embalagens biodegradáveis.
Por outro lado, ainda há desafios significativos, sobretudo por ser uma empreendedora mulher no Brasil e pioneira no mercado cearense. “A abertura de uma fábrica em um segmento novo também foi arriscada. Porém a crença no produto, na qualidade do meu cacau e no diferencial dos chocolates Moa têm sido fundamentais para superar esses obstáculos”.
O que vale mesmo, no fim das contas, é o diferencial. Da seleção criteriosa dos grãos à conscientização em toda a cadeia produtiva, muitos são os motivos para celebrar a empreitada. “Valorizamos os pequenos produtores, pagando o preço determinado por eles e não pelo mercado. E nossos chocolates têm foco na qualidade sensorial da matéria-prima, o que significa que é preciso ter um cacau de qualidade para se fazer chocolates premium”.
Filha da Floresta Amazônica, com família fascinada por plantas medicinais, Giovanna quer que as pessoas experimentem uma nova maneira de consumir chocolate e descubram a enorme potencialidade do cacau brasileiro, mais especificamente do cearense.
“Na produção de chocolates artesanais, mais especificamente os que são Bean to Bar, você tem controle da origem do cacau e de como é o manejo desses grãos na fazenda do produtor. A gente se certifica que naquela fazenda não há nenhum tipo de trabalho irregular, explorador ou infantil. Além disso, temos controle de todas as etapas, pois todas são feitas por nós. Não terceirizamos a produção”.
Mirar alto
Giovanna fez curso por meio da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), com apoio da Agência Brasileira de Promoção das Exportações (APEXBrasil), de preparação para exportação. Com a Moa, já realizou operações para Canadá e Japão.
Mesmo caminho – de especialização e horizonte largo – trilha Diógenes Henrique. Engenheiro agrônomo e consultor de culturas de plantio alternativas, ele é proprietário da Cacau do Ceará. A empresa começou a ser concebida em 2018, quando Diógenes passou a lidar com a produção de cacau em pleno semiárido cearense.
Russas, Quixeré e Limoeiro do Norte, na Chapada do Apodi, são municípios mencionados pelo empresário. “A gente compra toda a produção de amêndoas realizadas nessas regiões e faz o pó de cacau, o nibs – amêndoa de cacau torrada, triturada e descascada – e o chocolate. Este tem duas vertentes: o chocolate 46% e o 70%, zero lactose e sem leite”.
Essa história, porém, antecede em muito o ano de 2018. Em 2009, por meio de convênio entre produtores da região do Vale do Jaguaribe, a Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece) e o Sebrae, foi possível vislumbrar uma alternativa de culturas devido ao problema da seca. O cacau veio daí, na esteira de outros insumos.
O próximo passo envolveu a chegada das amêndoas em lugares mais distantes, quando foram analisadas por grandes marcas de chocolates e classificadas como de alta qualidade. Logo, se havia boa matéria-prima no local, por que não incentivar a produção e promover o desenvolvimento regional? Assim surgiu a Cacau do Ceará.
No mercado desde 2021, oferece chocolates e outros produtos relacionados produzidos de forma artesanal e sem aditivos. O chocolate 70%, por exemplo, é produzido em uma cozinha à parte, ideal para pessoas com intolerância ao glúten e à lactose. As barras são divididas em porções de 20g, conforme recomendação de nutricionistas.
“É o primeiro chocolate 100% cearense, com área de cacauzeiro plantada em pleno semiárido nordestino. Artesanal, tem amêndoa de qualidade e todo o processo é acompanhado passo a passo, desde a colheita até a fabricação”, garante Diógenes. Por sinal, é uma pedida excelente para apreciar com café, vinho e outras harmonizações.
Saudável e delicioso
O primor do Cacau do Ceará, conforme o produtor, vem da fermentação muito bem feita e da classificação das amêndoas para fazer o chocolate. Isso abre espaço para que, além de saborosíssima, a iguaria se torne mais saudável, tendo em vista a atenção depositada em cada etapa do preparo e finalização.
“Os tons das notas do chocolate, referentes ao sabor, reverenciam a vegetação do Estado do Ceará: o semiárido. Nosso cacau é plantado nessa região, e isso traz uma qualidade maior devido à acidez mais equilibrada. Por isso mesmo, a massa é diferenciada, mais deliciosa”.
Não à toa, na visão de Diógenes, existem grandes vantagens em produzir cacau no Ceará. A condição favorável do clima, a otimização do tempo de produção e a própria rotação de culturas no campo são essenciais, proporcionando muitas vezes que o mesmo produtor tenha duas rendas fixas. É mirar nisso para crescer cada vez mais.
“Hoje já percebemos o preço do cacau aumentando. Nosso produto é bom, saudável – não utilizamos gordura vegetal, apenas cacau e manteiga de cacau, logo não tem conservantes – e a qualidade é o diferencial. Tudo genuinamente cearense, da amêndoa à fabricação. E continuará assim”.