Brasileiro Itamar Vieira Junior é o vencedor do Oceanos 2020
O romance "Torto Arado" já havia sido premiado com o Jabuti. O anúncio do Prêmio Oceanos, o principal da língua portuguesa, aconteceu nesta sexta-feira (18)
Torto arado, do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, publicado pela editora LeYa, em Portugal, e pela Todavia, no Brasil foi o ganhador do Oceanos - Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa edição 2020. Os escritores contemplados foram anunciados nesta sexta-feira (18), em transmitida ao vivo, pelo canal no YouTube do prêmio e no site do Itaú Cultural.
O segundo lugar ficou com A visão das plantas, da portuguesa nascida em Angola Djaimilia Pereira de Almeida, editado em Portugal pela Relógio D’Água. A escritora venceu a edição 2019 do prêmio com o romance Luanda, Lisboa, Paraíso.
O livro Carta à rainha louca, da brasileira Maria Valéria Rezende foi o terceiro colocado. O romance também foi contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2015-2016 e publicado no Brasil pela editora Alfaguara.
Em vídeo, o dono do primeiro prêmio declarou: “Torto arado é uma história de amor à terra que me foi narrada muitas vezes, por conta de meu trabalho como servidor (público), com camponeses, trabalhadores rurais, quilombolas, indígenas, assentados, acampados, ribeirinhos e comunidades tradicionais como um todo, ao longo de 15 anos. Cada comunidade elabora esse sentimento em relação à terra de forma diferente, mas que atravessa suas vidas de uma maneira comum. (...) Este livro é um retrato – o meu retrato – do Brasil deste tempo em que vivo, um Brasil que tem uma profunda conexão, ainda, com o seu passado mal resolvido”, pontuou Itamar.
A jurada portuguesa Joana Matos Frias revelou sua percepção acerca da obra de Itamar Junior: “Torto arado é um romance raro e arrebatador por ser ao mesmo tempo absolutamente local e absolutamente universal – ancoradas num espaço geográfico e sócio-cultural muito específico, na Chapada Diamantina do estado da Bahia, as personagens parecem mover-se sempre num lugar-não-lugar, habitando assim uma geografia original cujos prodígios aprendemos a admirar com o melhor de James Joyce e de William Faulkner, de Graciliano Ramos, de Guimarães Rosa ou de Gabriel García Márquez, e certamente com o Raduan Nassar que Itamar Vieira Junior escolheu para a abertura da sua narração. Fruto de uma escrita tão límpida que parece ocultar a sua enorme complexidade, Torto arado cumpre acima de tudo um propósito que a muito poucos é dado cumprir: é um livro para ser lido por todos os leitores”.
Sobre a segunda obra classificada, a crítica literária de origem santomense Inocência Mata afirmou: "A visão das plantas é uma reflexão sobre a pós-humanidade, em que diferentes entendimentos de ‘meio ambiente’ são revelados e explorados. Mais do que perseguir o fim da vida de um homem cujo passado é muito obscuro, a narrativa questiona o lugar do humano na natureza, através de disponibilidades mentais como esperança, compreensão e sentido de pertença. (…) Uma história em que representações da não-humanidade (as plantas, as flores, os frutos, os animais, os fenômenos atmosféricos…) surgem como possibilidade redentora da condição humana”.
O romance parte de um parágrafo do livro Os pescadores, de Raul Brandão. Em vídeo enviado ao Oceanos, a autora afirmou: “eu andei durante muitos anos à volta dessas linhas – que, desde o princípio, me assombraram –, em que o autor recorda uma figura que conheceu na sua infância, um homem chamado Celestino, que, tendo tido um passado feroz, selvagem e misterioso, regressou a Portugal, onde terminou seus dias cultivando um jardim com uma particular delicadeza”, destacou Almeida.
Na avaliação de, Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende, o jurado, professor e crítico literário João Cezar de Castro Rocha destacou: “Estamos em Olinda, num ano emblemático de ambos os lados do Atlântico: 1789. Encerrada no Convento do Recolhimento, Isabel das Santas Virgens escreve à Rainha Maria I. A longa carta, destinada a não merecer resposta, revela a ‘ausência onipresente’ que ainda hoje domina a história brasileira: nas Minas Gerais, o quinto e a derrama; em Canudos, os impostos e o exército; nas comunidades das periferias das cidades, a desigualdade e a polícia”.
A escritora diz que, “este é um livro que veio se construindo desde os anos 1970, quando, na falta de outras coisas para ler, eu me abastecia, no sertão da Paraíba, na biblioteca de um padre muito erudito, de coleções de sermões do Padre Antônio Vieira e outros pregadores famosos dos séculos 17 e 18. (…) Naquilo que parecia obsoleto a quem vivia nas cidades, eu percebia uma linguagem – vocabulário e mesmo estrutura das frases – que escutava do povo com o qual eu convivia.”