Primeira animação do Cartoon Network (CN) produzida na América Latina, "Irmão do Jorel" segue na terceira temporada e uma nova safra de episódios inéditos está na mira dos criadores. A história gira em torno do cotidiano de uma família de classe média, em especial, nas desventuras do filho caçula desta.
Trata-se de um moleque carinhoso e ingênuo, repleto de energia, que vive à sombra do irmão do meio, o Jorel. Quem teve irmãos ou irmãs mais velhos sabe bem o que é ser conhecido como o "irmão do fulano" na vizinhança.
Em dezembro de 2018, o desenho de Juliano Enrico saltou das telas de TV para o universo de streaming via Netflix. Passou a ser exibido para um público mais amplo e de maior idade.
Apinhado de referências ao universo pop, passeia por desenhos clássicos, sem deixar a dever em nada na questão técnica e estética para produções contemporâneas como "Hora de Aventura" e "Flapjack". Ao todo, cada temporada conta com 26 episódios.
O núcleo familiar, muito próximo da realidade da classe média brasileira, conta com duas avós (Gigi e Juju), o pai e a mãe (Sr. Edson e Dona Danuza) e a prole formada por Nico, Jorel e o "irmão" de quem não sabemos o nome verdadeiro. Tem também a esperta Lara, melhor amiga do protagonista.
O universo é completado com criaturas excêntricas. Tem a turma da Escola Pônei Encantado, assim como o Rambozo ( policial militar palhaço), Roberto Perdigotto (ator e gente da mídia) e os membros da banda "Cuecas em Chamas", Carlos Felino e Reginaldo.
O nonsense e a ludicidade são extrapolados com as presenças dos patos falantes Fabrício, Danúbio e Gesonel (esse último é o mestre dos disfarces) e do cão Tosh.
Basicamente, estão elencados aqui os personagens responsáveis por ditar os rumos da narrativa. Outra divertida peça é o mega-ator de filmes de ação Steve Magal.
Identidade
A trama segue as descobertas e traquinagens do pequeno de oito anos. Ele precisa superar os obstáculos que lhe chegam. As relações de poder estão entranhadas em boa parte das histórias nas quais ele é inserido. A escola proíbe qualquer quebra de regras. Os mais velhos são populares e podem dormir até mais tarde. Dramas tão simples da infância ganham contornos dramáticos para o menino.
Na primeira temporada, percebe-se uma não conexão entre os capítulos. Mais à frente, vale ficar ligado em cada situação ou detalhe dos cenários porque eles sempre retornam. Em certa medida, o Irmão do Jorel demonstra evolução na forma de encarar o mundo.
No episódio "Fúria e Poder Sobre Rodas", por exemplo, ele fica enciumado quando Lara vira integrante do time de patinadoras femininas "Trituradoras de Sonhos Mortíferos".
Sem tempo a perder, ele se fantasia de menina para entrar no time. Mas, antes, teve de passar por um processo de descontrução com a amiga. Um diálogo entre os dois foi decisivo.
Ambos andavam de bicicleta quando o Irmão do Jorel pediu para ir para casa. Lara, assim, soltou um "deixa de ser frangote" na lata. Intimidado, o amigo pergunta se ela o está chamando de "mulherzinha".
"Claro que não, Irmão do Jorel. Você chama alguém de mulherzinha quando a pessoa é incrível". Cheio de confiança, ele retruca: "mulherzinha é quem faz coisa de menina, Lara".
Sem entregar os pontos, ela questiona o que seria "coisa de menina". Sem argumentos, o irmão menos famoso ainda tenta argumentar que seria "brincar com o pônei rosa miniatura". Lara não deixou barato e disse que preferia futebol e soltou: "você não gosta de futebol, então você é menina?".
A discussão pesaria na temporada depois. Na história de "Através do Guarda-Roupa", Irmão do Jorel está preso no armário e precisa dialogar com um grupo de roupas velhas (sim, a psicodelia aqui chega à estratosfera) e se salva ao argumentar com uma blusa que rosa é uma cor que alegra os lugares. "É muito mais fashion que branco", convence a peça.
Referências
O tempo em que a narrativa da animação acontece é uma mistura de diferentes situações. Por conta da idade dos roteiristas, fica mais correto afirmar que se passa nos anos 1980. As músicas hard rock e pop (compostas para o desenho), a sombra da Ditatura Militar (Sr. Edson é jornalista e teve uma peça de teatro censurada no passado) ou a inclusão de produtos culturais, como filmes de ação estilo Chuck Norris, denunciam esse expediente.
Mesmo assim, a presença de tecnologia atual, como celulares e internet, é comum entre as ações.
A imagem do policial Rambozo repercute a música "Rambozo the Clown", presente no disco "Bedtime for Democracy" (1986) do Dead Kennedys. No território visual, as escolhas passeiam por arte clássica, quadrinhos Mad, mangás e até a estética gonzo do artista plástico Ralph Steadman.
O trabalho de Juliano Enrico integra uma geração de talentosos realizadores advindos do Espírito Santo. Trata-se de um braço da "Quase", iniciativa surgida como revista no início dos anos 2000.
Para quem se diverte com o recente programa "Choque de Cultura", paródia em que motoristas carrancudos comentam sobre cinema, vale lembrar que todos os integrantes participam do "Irmão do Jorel".
Daniel Furlan, em especial, é responsável também pelos roteiros e dublagens. A canção de abertura tem parceria de Fábio Mozine, persona central da Läjä Records.
Futuro
"Irmão do Jorel" encabeça um momento feliz para animação brasileira. Conta com a expressiva força de situar costumes passados em um debate contemporâneo.
Gênero, educação escolar, relação familiar e a premissa de buscar apoio para superar as dificuldades são somente algumas das sutis contribuições construídas na série.
O desenho fala sobre evoluir, as quedas da vida e de como é importante ser feliz sem ser um sacana com os outros. Até sabermos a verdadeira identidade do menino de botas amarelas, muitos acontecimentos e reviravoltas prometem acontecer no desenho.
A quarta temporada foi confirmada e um spin-off sobre a história paralela de Lara (uma das criaturas mais massas da série) deve chegar em março de 2019.